quarta-feira, abril 26, 2023

CAÇADAS ERÓTICAS



Nas lembranças do Facebook de hoje, aparece a pequena homenagem que fiz ao Seu José Wilson Baltazar, falecido vítima da COVID-19, logo nos primeiros meses da pandemia, três anos atrás. Seu Wilson, mesmo octogenário, era um entusiasta do erotismo no cinema. Até mesmo no documentário em curta-metragem sobre ele, dirigido por Gabriel Petter, ele fez questão de enfatizar essa sua forte relação, como se a libido não tivesse prazo de validade, como se o tesão pelo cinema seguisse passeando lado a lado, ao longo do tempo, com o tesão pelo sexo.

E por que falar sobre o Seu Wilson numa postagem sobre CAÇADAS ERÓTICAS (1984)? Ora, é óbvio fazer esse tipo de relação. Assim como ele, ainda tenho uma atração por esse tipo de obra mais “sem-vergonha”, bem típica do espírito do cinema produzido na Boca (e também em várias produções da Embrafilme) daquele período. Minha atração certamente não é mais a mesma de quando era adolescente ou na casa dos 20, é claro, mas é sempre bom perceber que esse tipo de obra que valorizava tanto o sexo segue muito mais apimentada e excitante do que a grande maioria das produções de sexo explícito feitas em esquema industrial nos dias de hoje.

Outra coisa que é preciso contextualizar é que lá naqueles anos 1980, não havia a facilidade de acesso à pornografia como hoje, a não ser que a pessoa comprasse uma revista de sacanagem nas bancas, ou frequentasse os cinemas empoeirados e com cheiro de “qboa” que exibiam tais filmes. Não que eu esteja igualando CAÇADAS ERÓTICAS e as produções mais respeitadas e populares da Boca como sendo de sexo explícito. Na verdade, a chegada do sexo explícito veio para acabar com esse tipo de cinema, que contava com a atuação de diretores talentosos (alguns geniais) e astros e (principalmente) estrelas adoradas pelos fãs. A questão é que esse tipo de erotismo softcore fazia sucesso pela menor facilidade do acesso ao hardcore

Esta produção em segmentos da Dacar, produtora do rei das pornochanchadas David Cardoso, se junta a outras mais bem avaliadas da companhia, como A NOITE DAS TARAS (1980), AQUI, TARADOS! (1981), PORNÔ! (1981) e A NOITE DAS TARAS II (1982), isso apenas para citar os filmes de episódios, geralmente dirigidos por mais de um cineasta. Vale destacar que Cardoso foi também produtor de filmes importantes de cineastas de alto gabarito, como Jean Garrett, Alfredo Sterheim, Ody Fraga e Ozualdo Candeias, além de também se aventurar na direção.

CAÇADAS ERÓTICAS é um desses casos. A direção é assinada por Cardoso e Cláudio Portioli, esse segundo mais conhecido como diretor de fotografia de dezenas de filmes importantes do nosso cinema. Este exemplar do cinema erótico de resistência, embora tangencie o pornográfico, é um belo exemplar de construção de comédia com erotismo. É um filme de segmentos irregular (como geralmente acontece com esse tipo de obra), e com um tipo de humor deliciosamente vulgar, pensado para um público mais popular ou para aquelas pessoas mais finas, porém despidas de preconceito.

O primeiro segmento, com participação de David Cardoso e Matilde Mastrangi, se diferencia bastante dos outros dois pelo casal de astros presente em toda sua glória e beleza, além do luxo de ser rodado em Portugal, com várias cenas externas, inclusive. As cenas de sexo entre os dois são bem quentes e não há uma preocupação com uma trama, por assim dizer, sendo Mastrangi uma espécie de espiã portuguesa tarada e Cardoso a sua vítima favorita.

O episódio 2 traz algo mais parecido com uma trama, com a personagem de Sonia Garcia disposta a se vingar do namorado, transando com o primeiro homem que aparecer pelo caminho. Acontece que o namorado também não quer ficar atrás e há um surpreendente desfecho. No terceiro segmento, um grupo de mulheres punks vive de aplicar golpes em homens, aproveitando-se da fraqueza deles no que se refere a sexo. Esse é o mais escrachado e “sujo” dos três. 

Apesar de as cenas de sexo serem simuladas, nota-se, principalmente no segmento com Cardoso e Mastrangi, um tipo de desprendimento que faz com que tais cenas pareçam bastante espontâneas e quase reais – tanto David quanto Matilde se mostram muito tranquilos com seus belos corpos nus em ação, além de entrarem com muita vontade na proposta do humor. Além do mais, ao longo do filme, há várias cenas em que são mostradas revistas pornográficas sendo folheadas pelos personagens ou mesmo estampadas nas bancas, como um claro documento daquele delicado (e triste?) período de transição – a própria Dacar aderiria ao sexo explícito nos anos seguintes, como forma de sobrevivência. Afinal, os boletos precisam ser pagos.

+ TRÊS FILMES

A RAINHA DIABA

Ver A RAINHA DIABA (1974), de Antonio Carlos da Fontoura, no cinema é uma experiência muito especial, pois fica mais grandioso, mais shakesperiano até, com sua rede de intrigas entre bandidos para destronar a dona da boca, a personagem do título, vivida por Milton Gonçalves. Mas, pra mim, quem rouba a cena mesmo, sempre que aparece, é Nelson Xavier, como um dos bandidos associados à Diaba, mas que planeja traí-la e se tornar o novo chefão. Para isso, ele faz um jogo de sedução impressionante com o personagem do jovem Stepan Nercessian. Como ninguém presta mesmo, o que resta é apreciar esse sangrento filme de crime brasileiro, muito ousado para aqueles anos de chumbo em que vivia o Brasil. Há uma trilha sonora rock que combina com as cenas de violência e com as cores muito vivas da fotografia de José Medeiros (MEMÓRIAS DO CÁRCERE). Grande e corajosa performance de Odete Lara, como a cantora de bordel e prostituta que sofre por amar a pessoa errada. O filme também funciona como um documentário sobre a época, com a moda masculina mais sexualizada, e as gírias adotadas pela malandragem carioca.

NOITES ALIENÍGENAS

Muito bom ver que o nosso cinema, aos poucos, está conseguindo abarcar a dimensão do nosso vasto território e de nossa rica cultura. O premiado NOITES ALIENÍGENAS (2022), de Sérgio de Carvalho, primeiro filme do Acre a ter uma repercussão nacional, chama a atenção desde o início, com sua proposta de proximidade da câmera em seus personagens. Chico Diaz como o traficante hippie simpático já conquista de cara, cantando "Cachorro Urubu", do Raul Seixas. Aos poucos vamos conhecendo mais personagens. Alguns deles ganharão mais força na trama; outros, talvez tenham tido suas tramas perdidas na sala de montagem, como a menina que sonha em estudar medicina (na Bolívia ou em São Paulo). Aliás, as menções à Bolívia e ao Peru (como também visto em outro filme ambientado no norte do Brasil, RIO DO DESEJO) deixam claras a maior proximidade dessa região com os demais países da América do Sul, por mais que a unificação do português numa área tão vasta como a do Brasil seja admirável. NOITES ALIENÍGENAS também tem participação ativa dos povos indígenas em cena importante, assim como mostra a força das igrejas evangélicas, por mais que o filme aponte seus holofotes mais para os grupos de traficantes locais e a consequência na vida das pessoas. O filme representa um momento muito especial de um novo cinema brasileiro.

O RIO DO DESEJO

Baseado em conto de Milton Hatoum, O RIO DO DESEJO (2022), de Sérgio Machado, conta a história de um quadrado amoroso formado por uma jovem mulher (Sophie Charlotte) e três irmãos (Daniel de Oliveira, Gabriel Leone e Rômulo Braga). Eu diria que o filme tem um potencial incrível e que poderia ter rendido muito melhor na sua dramaticidade. Sem querer dar spoiler, há uma cena perto da conclusão que poderia causar arrepios e muito choro se fosse feita com mais inspiração. Ainda assim, temos um belo elenco, várias cenas marcantes e gosto muito quando Sophie Charlotte está com Gabriel Leone. É quando a química parece de fato funcionar. Apesar de ser uma história de caráter universal, o fato de se passar no Amazonas, longe da capital, faz a diferença, até por não termos tantos filmes assim explorando a região norte do país sem apelar para algum tipo de exotismo. Charlotte está apaixonante, como tinha de ser.

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