segunda-feira, setembro 23, 2019
O MAL NÃO ESPERA A NOITE – MIDSOMMAR (Midsommar)
Quando Ari Aster estreou em longa-metragem com o ótimo HEREDITÁRIO (2018), muita gente ficou impressionada com a habilidade e a elegância do cineasta em lidar com a câmera. Estávamos diante de um novo caso de garoto prodígio do cinema. Agora com A MORTE NÃO ESPERA A NOITE - MIDSOMMAR (2019), que traz uma dose bem maior de humor, procura-se ainda mais tentar decifrar as intenções de seu realizador.
Pesquisando por seus curtas no IMDB podemos notar que a maior parte deles possui a combinação drama-terror-comédia. Logo, se tivermos a oportunidade de ver essas obras iniciais poderemos compreender melhor esse novo cineasta. Afinal, um diretor cujo primeiro filme é sobre um filho que molesta sexualmente o próprio pai não deve ser muito normal. O que, em se tratando de cinema, e para quem gosta, por exemplo, de David Lynch, é uma maravilha.
Em entrevista ao The Guardian, Aster contou que assistiu aos 11 anos de idade a LARANJA MECÂNICA e a VELUDO AZUL e odiou ambos por considerá-los extremamente perversos. Porém, não parou de rever os tais filmes para compreender o fato de não ter gostado. Entendeu, então, que seu destino era também fazer filmes que incomodassem.
MIDSOMMAR (melhor tratar a partir daqui pelo título original) é descrito pelo cineasta como um filme de fim de relacionamento. Não deixa de ser curioso, mas conta o cineasta que o roteiro foi inspirado em uma situação pessoal de rompimento.
Na trama, Florence Pugh é Dani, uma jovem com problemas de depressão que tem seu mundo devastado com a notícia da morte de sua família. Seu único amigo é o namorado Christian (Jack Reynor). Os amigos de Christian não gostam nada da garota, consideram-na grudenta e problemática. Daí ficam irritados quando Dani resolve ir com eles a uma viagem para a Suécia, mais especificamente para uma cidadezinha chamada Hälsingland, um paraíso que promove a cada ano um festival pagão milenar um tanto estranho para olhos estrangeiros.
Lembrando à primeira vista o clássico O HOMEM DE PALHA (1973), o filme acompanha de forma lenta a descoberta do grupo de jovens americanos aos costumes locais e também a situações bem bizarras, como o desaparecimento de alguns jovens estrangeiros.
A beleza das imagens, a maioria delas na deslumbrante luz do dia (a noite, nessa época do ano, é bem curta) faz do filme um diferencial diante da grande maioria dos filmes de horror, que optam pela noite como momento ideal para as cenas de ação e medo. Aqui alguns momentos que chocam os personagens acontecem com o sol bem presente, como a cena do sacrifício dos anciões da aldeia.
Talvez um dos problemas do filme seja não ser tão forte no que se refere a trazer a loucura para o espectador, já que, há, ao longo da narrativa, um prazer narrativo que nos distancia do incômodo, diferente, por exemplo, de LARANJA MECÂNICA, para citar um dos filmes que incomodou o pequeno Aster. Há, inclusive, uma cena de sexo desconcertante que provoca mais risos que mal estar, ainda que o espírito bizarro esteja lá presente. Aliás, mais uma vez, é sempre bom levar em consideração o senso de humor todo próprio do cineasta.
O nome de Ari Aster se tornou tão importante quanto o de Robert Eggers. Ambos são jovens cineastas que estão chegando ao segundo filme de horror depois de estreias que chamaram muito a atenção da crítica e do público mais exigente e mais interessado em ter novas experiências dentro do gênero. Assim, do mesmo modo que esperávamos com ansiedade MIDSOMMAR esperamos agora a volta de Eggers com O FAROL, previsto para estrear aqui no Halloween.
E podemos dizer que o que Aster traz em seu MIDSOMMAR, e que já havia mostrado em HEREDITÁRIO, é muito mais herdeiro de um cinema de horror mais ligado ao paganismo do que aquele tradicionalmente cristão. A BRUXA também o é, mas traz uma oposição, uma quebra com os preceitos cristãos, a fim de trazer uma ideia de liberdade de espírito bastante transgressora.
Em MIDSOMMAR, os personagens não se mostram religiosos. A presença deles naquele espaço novo é, a princípio, excitante pelo que há de diferente, de exótico. Depois, uma vez que o desaparecimento de alguns deles e o sacrifício humano é mostrado como algo pertencente às tradições milenares daquela comunidade, o elemento do horror vai se formando, mas isso independe do Cristianismo. Aliás, um dos personagens até faz uma comparação de certas tradições com costumes presentes na cultura indiana.
Um elemento claramente comum entre HEREDITÁRIO e MIDSOMMAR é a performance poderosa das duas atrizes protagonistas. No primeiro, Toni Collette; no novo filme, Florence Pugh, jovem que já havia chamado muito a atenção no ótimo LADY MACBETH.
Que Aster continue a nos surpreender. MIDSOMMAR, que hoje divide opiniões, tem tudo para se tornar um clássico no futuro próximo.
+ TRÊS FILMES
VERÃO DE 84 (Summer of 84)
Interessante este filme que bebe na onda de saudosismo dos anos 80. Aqui a semelhança com STRANGER THINGS é grande, embora seja um filme com um pé no realismo. Não há nada de sobrenatural, apenas a história de um garoto que acredita que o policial que mora na casa ao lado é o serial killer que está aterrorizando sua região. E aí ele sai com os outros três amigos usando walkie-talkies para investigar por conta própria o caso. Há também a linda moça vizinha que é desejada/sonhada por ele e que tem um papel bem simpático. Gosto da escolha que os diretores fizeram de demorar bastante até entrar sequências de ação. Desse modo, é até um filme leve, embora surpreenda em sua conclusão. Direção: François Simard, Anouk Whissell e Yoan-Karl Whissell. Ano: 2018.
HISTÓRIAS ASSUSTADORAS PARA CONTAR NO ESCURO (Scary Stories to Tell in the Dark)
Muito interessante este filme com ar de terror oitentista (os protagonistas parecem versões mais velhas dos meninos de STRANGER THINGS (de novo!), com seus walkie-talkies), embora se passe em 1968. A trama principal envolve um livro encontrado em uma casa assombrada. Este livro será fundamental para o destino dos personagens. Legal que o filme se preocupa com a evolução dos personagens e a parte dos monstros também é uma boa sacada. O que cansa um pouco é a resolução, como é de praxe na maioria dos filmes do gênero. Direção: André Øvredal. Ano: 2019.
BRINQUEDO ASSASSINO (Child's Play)
Uma refilmagem que ganha pontos por uma série de coisas, como a atualização/mudança da história original. Além do mais, o filme conta com a presença maravilhosa de Aubrey Plaza. ❤ E eu gostei do garoto também, Gabriel Bateman, que havia aparecido em QUANDO AS LUZES SE APAGAM. A fuga da questão sobrenatural foi interessante, assim como a beleza das cores, das imagens, o ponto de vista do brinquedo, a tecnologia e o senso de humor. Pena que lá pelo meio o filme perca o rumo e se transforme em algo tão desnecessário quanto já imaginávamos inicialmente que fosse. Direção: Lars Klevberg. Ano: 2019.
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