domingo, setembro 22, 2019

PITTY NA PRAÇA VERDE DO DRAGÃO DO MAR - FORTALEZA, 21 DE SETEMBRO DE 2019


Minha mania de achar que vou ficar deprimido ao ir a um show sozinho não chegou a se dissipar totalmente com essa experiência aqui, mas é tudo questão de estado de espírito. Talvez não estivesse tão feliz comigo mesmo a ponto de ignorar o meu sentimento de solidão e inadequação que tem me incomodado recentemente. De todo modo, foi bom ter a chance de enfrentar esse pequeno e inofensivo monstro. Ainda mais, durante um show como esses, em que as pessoas que estão lá estão todas (ou quase todas) em sintonia com a artista, em comunhão.

Como meu interesse era ver o show de uma artista cujo trabalho eu muito aprecio e já acompanho há muito tempo, e nunca tinha visto nada ao vivo mesmo, embora já tenha assistido quase todos os registros ao vivo dela lançados em DVD (o {Des}concerto ao Vivo, de 2007, segue sendo o melhor registro de um show dela e um dos melhores feitos no Brasil em todos os tempos, por uma série de motivos, mas principalmente pela energia única). Ter chegado atrasado para a apresentação dela no Ceará Music de 2010 foi muito triste pra mim (só peguei as canções finais, mas adorei o que vi/ouvi).

Vale dizer que conseguir companhia para ir a um show da cantora não foi muito fácil para mim. No ano passado, quando ela esteve aqui para a primeira fase da turnê Matriz, convidei umas cinco ou seis pessoas, que não quiseram ir. Acabei desistindo de ir. Deve ser um problema generacional, não sei. As pessoas da minha idade não apreciam ou não conhecem muito o trabalho da cantora. Se bem que eu também convidei pessoas mais jovens do que eu. Enfim, não gastei muita energia para convidar tantas pessoas assim este ano, estando desde já disposto a ir sozinho desta vez. Primeira experiência em um show ao vivo só. E devo dizer que valeu, embora o sentimento de uma leve tristeza estivesse um tanto presente em mim ao longo da noite.

Ainda assim, apreciei o trabalho do DJ que se apresentou antes e principalmente da banda de abertura, a cearense Ouse, que faz um trabalho voltado explicitamente para questões relativas aos direitos das mulheres. O som deles é muito bom e a vocalista July Pessoa tem uma presença de palco incrível. Aliás, só de ver pessoas da geração dela fazendo rock nesses tempos em que o pop impera no cenário internacional já é muito bom. O rock está, desde o início dos anos 2000, em estado de resistência. Mas falemos da Pitty, de seu show.

A cantora e sua banda entra no palco ao som de "Ninguém é de ninguém", do álbum novo. A recepção é calorosa e a canção já está na boca do público. Logo depois vem duas dos primeiros discos, "Admirável chip novo" e "Memórias" (essa com elementos de "bad guy", da Billy Eilish). São duas canções que ainda guardam um frescor impressionante, mesmo tendo sido tantas vezes cantadas e ouvidas. Mas "Memórias" funcionou melhor e fez o público pular, até pela pungência das guitarras (ou união forte do baixo com a guitarra).

"Setevidas", do álbum homônimo de 2014, segue sendo uma canção ainda muito forte nos shows. O álbum, aliás, é um dos mais felizes da banda. Feliz no sentido de ser bem-sucedido, não no sentido do clima do disco, feito após uma experiência de quase morte da cantora, de maior consciência da própria finitude.

A conexão com o disco novo retorna com "Noite inteira", um dos momentos mais bonitos da noite. Para mim, desde a primeira vez que escutei essa canção eu já percebi o potencial incendiário para uma apresentação ao vivo, tanto por ser dançante quanto pelo belo casamento do baixo com a guitarra. "Te conecta" é outra que também funciona bem ao vivo e traz o público para um momento mais relaxante, já que se trata de um reggae. O cheirinho de erva subiu quando essa canção rolou, em versão um pouco mais estendida. Pitty estava curtindo o som.

A candidata a melhor canção da Pitty ever, "Na sua estante", uma porrada sobre a falta que uma pessoa faz depois do fim de um relacionamento, aliado à busca de seguir em frente para esquecer, a faz especialmente forte. Afinal, quem nunca passou por isso? De arrepiar a estrofe final: "Só por hoje não quero mais te ver/só por hoje não vou tomar minha dose de você".

O clima de balada e relacionamentos segue com "Motor", do novo disco. Trata-se de uma canção da banda baiana Maglore de 2013, e que também vem ganhando força recentemente na voz de Gal Costa. Para mim, lembra as canções de dor de cotovelo do Tim Maia. E isso é um elogio. Mas não deixa de ser algo estranho de ver dentro de um álbum da Pitty, que sempre só cantou músicas próprias. Aliás, não é a única cover do disco, não.

Logo em seguida, veio a parte acústica do show, com direito a três banquinhos, com a presença apenas do guitarrista Martin Mendonça, da própria Pitty, claro, e do baixista Guilherme Almeida, todos de posse de seus violões. Foi um momento bem especial, talvez o momento mais bonito do show inteiro. Rolou uma versão diferente e bonitona de "Teto de vidro" e logo em seguida uma homenagem a um dos nossos maiores cantores e compositores do Ceará e do Brasil, Belchior. "Sujeito de sorte" tem um sido um hino para esses dias difíceis. "Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro" segue sendo uma espécie de mantra. "Salve Belchior", ela disse ao final. Senti-me um privilegiado neste momento, ao vê-la cantando esta canção.

Logo em seguida, um resgate de uma canção do projeto Agridoce, a linda "Dançando". Nessa hora eu vi algo muito bonito do meu lado. Um casal de garotas que assistiam ao show abraçadinhas. A garota que estava na frente, deixava cair algumas lágrimas enquanto os versos "O mundo acaba hoje e eu estarei dançando com você" ecoavam. Para aquela garota aquele momento certamente vai ser para a vida toda. E fiquei feliz por ela.

Logo em seguida, em momento de transição da fase acústica com a elétrica, vem "Submersa", do novo disco, e a animada "Roda", com participação não exatamente presente da banda BaianaSystem. "Me adora", grande hit, foi a única do disco Chiaroscuro a entrar no setlist. "Máscara" segue sendo imprescindível e foi a que fechou o show antes de a banda voltar para mais duas canções: "Equalize" e "Serpente".

Aliás, é fantástico como "Serpente" ganhou esse espaço para encerramento dos shows da cantora desde a turnê do SETEVIDAS. Nada mais justo, tanto pela beleza e sentimento de serenidade da canção, como pelo fato de ela seguir ressoando até a nossa volta para as nossas casas. Guardadas as devidas proporções, virou uma espécie de "Hey Jude" da cantora, no sentido de que o público segue cantando à capela ao final do show.

Foi um belo e marcante espetáculo. Quanto à minha tristeza, a canção que encerrou o show já dizia tudo: "a sustentação é que amanhã já vem".

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