sábado, novembro 05, 2022

E.T. – O EXTRATERRESTRE (E.T. – The Extra-Terrestrial)



No mesmo ano que John Carpenter lançou o seu O ENIGMA DE OUTRO MUNDO, e que também contou com outro clássico da ficção científica, BLADE RUNNER – O CAÇADOR DE ANDRÓIDES, de Ridley Scott, Steven Spielberg apresentou ao mundo sua versão mais família e mais próxima do universo infantil de um contato de alguém da Terra com um alienígena. Na verdade, Spielberg já havia apresentado uma "versão paz e amor" desse tipo de encontro em CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (1977). É possível dizer, por isso, que ele nadava na contramão do que era normalmente visto nos filmes sci-fi, principalmente os apresentados na década de 1950, com o medo do comunismo e da ameaça nuclear.

E.T. – O EXTRATERRESTRE (1982), nesse sentido, seria um filme transgressor, e isso se apresenta explícito na cena em que a equipe da NASA invade a casa de Elliott (Henry Thomas) para capturar o pequeno E.T. A cena parece saída de um filme de terror e é construída dentro das convenções desse gênero. Ou seja, mesmo nos Estados Unidos da era Reagan e com a Guerra Fria ainda em pauta, em E.T., o mal não vem do exterior, mas de dentro do país. E de dentro (de um ponto de vista mais intimista) pode vir também a maldade ou a bondade, essa representada na pureza das crianças. E é por essa pureza que o coração vermelho e brilhante do E.T. bate mais forte. 

Havia visto E.T. há muitos anos (algumas décadas, na verdade) na televisão e não era um dos defensores mais ferrenhos do filme – na verdade, costumava dizer, por puro achismo, que o Spielberg dos anos 1990 era melhor que o dos anos 80, talvez por me incomodar um pouco com a sentimentalidade mais explícita de certos títulos oitentistas do realizador. Porém, na última quinta-feira pude perceber o porquê de o filme ter se tornado uma obra tão querida e um dos títulos mais representativos de sua década – sobre ter a cara dos anos 80, basta ver o quanto ele se tornou um dos maiores recortes para uma série como STRANGER THINGS.

Não se trata de uma obra com uma preocupação grande nos diálogos. Há a intenção, inclusive, de torná-los muito simples, muito fáceis, quase que em sintonia com as palavras "E.T.", "phone" e "home", aprendidas e repetidas pelo pequeno alien. O que mais importa e o que mais se destaca lindamente é a força das imagens, a emoção que elas carregam em sua plasticidade, seja uma imagem mais iconográfica como a do voo da bicicleta com a lua ao fundo, sejam os close-ups emocionados dos personagens nos instantes finais. Ou seja, o trabalho brilhante de montagem, que já se destacava em Spielberg desde pelo menos ENCURRALADO (1971), aqui se perpetua e ganha ares épicos.

No mais, o filme também conquista pelo humor, pelo encanto do relacionamento que se estabelece entre o pequeno E.T. e as crianças que o conhecem. Não me lembrava, por exemplo, da cena da conexão à distância, com o E.T. tomando umas cervejas que encontrou na geladeira e assistindo DEPOIS DO VENDAVAL, de John Ford, na televisão, e o menino Elliot agindo como agiu na escola. Lindo demais. E tenho quase certeza que seria uma cena bem difícil de ser vista no cinema mainstream contemporâneo, já que, nela, o menino Elliott se embriaga, ainda que de maneira indireta.

Quem puder ver ou rever este clássico em IMAX não deixe passar a oportunidade (vai ficar nesta sala até a próxima quarta-feira), pois é uma das raras chances de ver um clássico que ganha muito mais força na tela grande. Além do mais, Spielberg se arrependeu da besteira que fez no aniversário de 20 anos do filme, quando substituiu as armas por walkie-talkies e fez umas “atualizações” nos efeitos especiais, seguindo o (mau) exemplo do amigo George Lucas. Assim, é possível ver as imperfeições, por assim dizer, dos efeitos visuais, especialmente na última cena das bicicletas voando.

E.T. – O EXTRATERRESTRE recebeu os Oscar de som, efeitos sonoros, efeitos visuais e música (para John Williams). Houve indicações para filme e direção também, mas, quanto a esses prêmios, Spielberg demoraria para conseguir validação da academia, só conquistando o primeiro Oscar em 1993 com A LISTA DE SCHINDLER. Até hoje, quando se conta a história da Nova Hollywood, culpa-se Spieberg e Lucas por terem quebrado o tom mais político e adulto que o cinema americano vinha desempenhando antes de TUBARÃO (1975) e GUERRA NAS ESTRELAS, e trazido um tom mais infantil para o cinema mainstream dos anos 1980. Mas acredito que ele apenas surfou e se beneficiou do espírito da época e por isso acabou se tornando o mais bem-sucedido dos cineastas americanos. Além do mais, diretores de sua geração, como Scorsese, Coppola, Bogdanovich, De Palma, Cimino, entre outros, continuaram fazendo cinema para um público mais adulto. 

+ DOIS FILMES

PALOMA

O realismo no cinema de Marcelo Gomes segue presente, mesmo quando ele conta uma história que parece saída de uma fábula: a de uma mulher travesti, Paloma, que sonha em casar na igreja, de véu e grinalda. Baseado numa história real, o diretor, junto com os corroteiristas Armando Praça e Gustavo Campos, contam esta história sobre uma pessoa que sofre com as pequenas e as grandes violências do dia a dia e, mesmo assim, tem a força (ou a ingenuidade) para se imaginar dentro de um casamento nos moldes mais convencionais. O filme nos leva a seu trabalho na fazenda, a seu relacionamento carinhoso com o companheiro e com a filha pequena, a suas amizades com outras mulheres travestis. Embora tenha ouvido o diretor em debate após a sessão falando sobre não priorizar as violências mais brutais de forma explícita, fica a sensação de que ele ficou quase no meio do caminho em seu objetivo de alcançar tanto a ternura quanto a dor da heroína. PALOMA (2022) é um filme que se junta a outras obras recentes que ajudam a compor um quadro muito rico e importante para se pensar a vida de personagens T no Brasil, como MADALENA, de Madiano Marchetti, DESERTO PARTICULAR, de Aly Muritiba; OS PRIMEIROS SOLDADOS, de Rodrigo de Oliveira; e VALENTINA, de Cássio Pereira dos Santos.

A LUZ DO DEMÔNIO (Prey for the Devil)

O legado de O EXORCISTA (1973), de William Friedkin, não foi totalmente positivo. A imensidão de filmes sobre possessões demoníacas que surgiram no rastro não está no gibi - ou está, na verdade. E olha que o filme de Friendkin nem trabalha tanto assim com jump scares e sustos baratos. Isso ficou a cargo de outros tantos exemplares que surgiram posteriormente. Este A LUZ DO DEMÔNIO (2022), do mesmo diretor de O ÚLTIMO EXORCISMO (2010), não é de todo ruim, mas também não empolga ou assusta. O que ele tem de mais interessante é fazer um convite a voltar a crer nas bases católicas que parecem um tanto esquecidas no cinema do gênero contemporâneo. E isso parece ser uma tarefa um pouco difícil para os não-iniciados. As imagens e os simbolismos, porém, tem sua importância: a figura de Miguel, o Arcanjo, o poço de água benta e o ritual de exorcismo são exemplos disso. Na trama, uma jovem freira com um trauma do passado (dois, na verdade) tem a intenção de se tornar uma exorcista dentro de uma estrutura de igreja que ainda afasta as mulheres dessa função. Seu batismo de fogo será o trabalho com uma garota que estaria endemoniada.

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