sábado, novembro 19, 2022

NADA É POR ACASO



É possível dizer que a onda de filmes espíritas, que começou forte na virada dos anos 2000-2010, especialmente com as duas melhores realizações, NOSSO LAR e CHICO XAVIER, já não parece mais tão forte, embora neste ano NADA É POR ACASO (2022) seja a segunda produção deste subgênero a entrar nos cinemas – o outro foi PREDESTINADO – ARIGÓ E O ESPÍRITO DO DR. FRITZ, que acabei não vendo. A grande maioria dessas produções peca por ter um ar quase amador, embora isso às vezes acabe sendo um aspecto charmoso e diferencial. O problema é que sabemos que, como eles não têm um diretor do porte de um Daniel Filho, que dirigiu CHICO XAVIER, acabam fazendo tudo na raça mesmo, por vezes conseguindo resultados bem decentes.

NADA É POR ACASO, de Márcio Trigo, se beneficia de ter na produção alguns atores profissionais muito bons, como Giovanna Lancellotti (INCOMPATÍVEL), Fernando Alves Pinto (PARA MINHA AMADA MORTA) e Werner Schünemann (BENS CONFISCADOS). Então, esse pessoal segura muitas vezes o filme e ajuda a valorizar uma obra que se equilibra como numa gangorra entre acertos e desacertos. Senti falta também de ajustes nos diálogos e uma direção mais bem cuidada. Se tem uma coisa que não fica legal, por que não procurar alternativas para melhorá-la, como boa parte das cenas de abordagem do personagem de Rafael Cardoso (O RASTRO) à jovem vivida por Lancellotti? Ou seja, ao mesmo tempo que ficava incomodado com a dramaturgia, me pegava pensando se veria tanto defeito assim se estivesse assistindo a um filme português ou de outra nacionalidade, que prefere um outro tipo de registro, que não o do naturalismo.

A trama cheia de mistério, herdada do romance (psicografado) de Zibia Gasparetto, é um trunfo do filme, que começa com Marina (Lancellotti) recebendo um carro importado e uma transferência bancária de 5 milhões de reais. Isso é o suficiente para ajudar sua família (a mãe e o irmão mais novo) e fazer com que ela passe a ter o seu próprio escritório de advocacia. De onde veio esse dinheiro, segue sendo um mistério até os instantes finais do filme. Inclusive, ela não quer falar na tal viagem à Inglaterra sempre que o namorado Rafael (Cardoso) toca no assunto.

A trama paralela envolve a outra protagonista (Mika Guluzian), uma mulher que também guarda um segredo, e que sofre por ter traído o marido em determinado momento de sua vida, e a figura desse adultério aparece para assombrá-la. Aliás, acho o personagem masculino que faz chantagem muito ruim, muito mal desenvolvido, por mais que sirva à trama. E fiquei me perguntando se não é um problema do próprio romance de Gasparetto, e isso me fez questionar sobre a qualidade literária dessas obras psicografadas. Porém, como sou um desconhecedor dessa literatura diferenciada, deixo apenas meus questionamentos mesmo.

No mais, há algo que muito me interessa, que é a questão espiritual relativa ao nosso papel no mundo, à nossa missão. E até podemos ver essa questão da religião espírita quase como um calcanhar de Aquiles em alguns momentos também, por causa do tom panfletário e por vezes moralista. Além disso, há um direcionamento muito explicadinho para tudo, embora, no fim das contas, eu tenha gostado do tom didático usado para explicar a conexão entre as duas personagens femininas, principalmente.

Enfim, é um filme que me causou sentimentos conflituosos, mas que me ganhou especialmente na última cena. Então, fica meu respeito, claro. Até porque eu sou muito sensível ao tema da maternidade, e aqui em especial há uma situação que é muito dolorosa para uma das personagens, mas que é abraçada ao final como uma missão muito bonita, como um segredo a ser guardado com um misto de dor e alegria. Por isso acredito que a cena final, entre as duas protagonistas do filme, pode ter sido feita com muita emoção pelas atrizes. E por isso funciona tão bem.

+ DOIS FILMES

LE NOM DU FEU

Um rapaz chega a um consultório médico e é atendido por uma jovem médica, que diz que até caso de homem grávido já recebeu. Ele diz que o caso dele é especial, que ele é um lobisomem. LE NOM DU FEU (2002) é um divertidíssimo e tocante pequeno filme de Eugène Green, que usa muito a influência de Robert Bresson na atuação mais despojada e até com simplicidade do campo/contracampo para dar dinamismo à conversa dos dois personagens. Há passagens lindas depois dessa conversa inicial, seja na cena noturna, que prova que não precisa de efeito especial em filme de lobisomem; seja na conversa que eles têm depois, que é lindíssima. "Eu gostaria de ser o seu remédio", diz ela. De arrepiar. Um dos melhores filmes que eu vi neste ano tem menos de 20 minutos, vejam só.

A CHUVA ACALENTA A DOR

Tem sido interessante acompanhar a obra de Leonardo Mouramateus. O primeiro filme que vi dele foi o curta MAURO EM CAIENA (2012), que chamou bastante a atenção entre os críticos, quando de sua exibição no Cine Ceará. A CHUVA ACALENTA A DOR (2020), curta rodado em Portugal, já traz um estilo que lembra mais os realizadores de lá. O que já havia de experimental acaba parecendo mais estranho, mas uma estranheza europeia. Terminou o filme e eu fiquei sem compreender muita coisa, embora tenha gostado bastante da segunda parte, com a Isabél Zuaa (que atriz fantástica!) tentando trazer de volta a virilidade ao marido pouco contente. Já a primeira parte tem relação próxima com a primeira ao lidar com a loucura e com um desejo de se expressar de maneira bem livre, como se fazendo e falando o que vem à cabeça.

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