terça-feira, junho 07, 2005
BENS CONFISCADOS
A noite de ontem no XV Cine Ceará foi de emoções fortes pra mim. Fui com grande expectativa ver BENS CONFISCADOS e conhecer pessoalmente o lendário Carlão Reichenbach, que também acontece de ser meu amigo virtual de mais de cinco anos. Em certo momento da noite, enquanto estava sendo exibido AS VILAS VOLANTES, de Alexandre Veras, me retirei da sala de cinema por estar me sentindo extremamente solitário e angustiado. Precisava tomar um pouco de ar e saí daquela sessão. AS VILAS VOLANTES tem cerca de 50 minutos e é bem interessante. Eu reveria em um momento menos turbulento, mas naquela hora não dava pra mim. A vontade de me retirar era quase desesperadora. Assim que saí, vi que não era o único: alguns conhecidos meus, inclusive, tinham se retirado da sala também. Na Praça do Ferreira, vi lá dois amigos que já tinha visto nos outros dois dias do festival. Enquanto falava com o Márcio, vi que o Carlão tinha acabado de chegar, e fui lá falar com ele, que me recebeu com um abraço caloroso.
Carlão parece que estava conversando com um jornalista do Diário do Nordeste. Ele até fez propaganda do meu blog pro rapaz, dizendo que eu tinha ganhado o Quepe do Comodoro de melhor blog de cinema do ano. Não por coincidência, em questão de minutos um fotógrafo do jornal tirou uma foto nossa. No encontro, Carlão ainda me presenteou com dois DVDs dos filmes PAPRIKA, de Tinto Brass (diretor que eu adoro) e de O MAR, de Agustí Villaronga, que só depois eu fui saber que é o mesmo diretor do polêmico TRAS EL CRISTAL. Não que ele não tivesse mencionado. Ele me apresentou ao ator Werner Schünemann, bastante simpático e atencioso.
Depois de pedir um autógrafo no livro "Carlos Reichenbach", de Marcelo Lyra, chegou a hora de eu o entrevistar. Tinha preparado umas perguntinhas para uma entrevista informal que faria a convite do amigo Jurandir Filho, diretor do site Cinema com Rapadura, que esse ano está fazendo a cobertura oficial do festival. Ao meu lado, estavam a Bia e a Maira, que estava tomando notas da entrevista e até já publicou no site. Sobre o que ele falou na entrevista, comentarei depois, já que não estava de posse de gravador e a Maira deve ter anotado mais coisas do que eu, que simplesmente desisti de tomar notas para não estragar o papo, que estava bom pra caramba. Lá dentro, antes da exibição do filme, uma outra surpresa: Carlão dedicou a exibição de BENS CONFISCADOS pra mim, mencionando novamente o meu blog para muita gente que acho que ficou sem entender. Fiquei emocionado.
O filme começa. Naquela altura, eu estava procurando relaxar e me concentrar no filme, mesmo com tudo que aconteceu nessa noite e com minha pressão que estava alta (devia ter tomado um chope, não bebido meio litro de coca-cola). Demorou algum tempo para eu relaxar de verdade. Vi o filme na ótima companhia da Maira, e ela comentou que estava achando o filme bem diferente, que não era só na base do campo e contracampo. O filme tem movimentos de câmera belíssimos. Não tenho idéia de como ele faz pra conseguir esse movimento com tanta suavidade. A fotografia de Jacob Solitrenick é linda. Adorei aquele plano inicial da câmera fazendo voltas na personagem da suicida no início do filme.
E uma coisa que eu achei muito interessante nesse filme foi a fluidez, a completa falta de pressa que o filme tem, parecido com DOIS CÓRREGOS (1999). Não parece haver um objetivo, um fim. Não que seja lento como um Tarkovski, mas as coisas acontecem num tempo diferente. È como se estivéssemos numa estrada sem nenhum lugar pra ir, daí o sentimento de certo pessimismo. E há o som do mar, que faz a marcação do tempo, dos ciclos da vida. No debate no Ponta Mar Hotel, Carlão diferenciou o novo filme de DOIS CÓRREGOS, comparando o filme de 1999 com um rio, e esse último, com o mar. As emoções são mais turbulentas, mais violentas. Em alguns momentos, o filme parece irregular, e talvez seja mesmo. Não é um filme redondo, com certeza. Mas a habilidade de Carlão na condução da narrativa é espantosa.
Sua boa mão para o erotismo, dada sua experiência com o "gênero" nas décadas de 70 e 80, se faz presente numa cena que eu considero das melhores do filme: a cena em que Marina Person beija a amiga (Fernanda Carvalho Leite) na boca. A entrega das duas personagens, os diferentes ângulos em que é mostrada a cena, e a trilha sonora de Ivan Lins, com tudo isso, a vontade que se tem é que aquela cena dure o máximo possível.
Outra cena que achei magnífica é aquela em que os personagens de Betty Faria e Renan Augusto estão chorando numa mesa de bar, ao som de uma canção bem triste (que música é mesmo?). Naquele momento, o filme se assume completamente como melodrama sirkiano. Aliás, antes mesmo dessa cena, já tinha reparado num plano que lembra demais a fotografia de PALAVRAS AO VENTO, de Douglas Sirk, dando uma sensação de atemporalidade.
Na verdade, não há uma atmosfera realista no filme. Em alguns momentos, os diálogos parecem até artificiais, causando uma certa estranheza. Hoje no debate, Carlão afirmou que não é adepto do "naturalismo" dos diálogos televisivos. Acho que no filme, um dos momentos mais estranhos é aquele que mostra Beth Goulart e André Abujamra no noticiário, a imagem "estourada" por causa do vídeo na tela gigante. Beth Goulart está bem exagerada e caricata, o que só pode ter sido proposital, claro. A personagem de Beth dizem que foi inspirada no escândalo envolvendo Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo, e sua ex-mulher.
BENS CONFISCADOS pode até não ser o meu filme preferido de Carlos Reichenbach - sinto até que vou gostar mais de GAROTAS DO ABC -, mas com certeza vai ser um dos que mais vai ficar guardado com carinho em minha memória. E um dia pretendo revê-lo com mais tranqüilidade, talvez quando sair o DVD e eu poder ver o filme de madrugada e me deixando levar pelo som do mar.
P.S.: Hoje pela manhã ainda tive o prazer de conversar durante bem mais tempo com o Carlão. E ainda saí de lá com outra raridade: A ADOLESCENTE, do glorioso Luis Buñuel. Às vezes eu acho que sou um cara de sorte.
P.P.S: No CCR já tem um resumo da entrevista que fizemos na Praça do Ferreira. Inclusive, nessa página tem algumas fotos. Pena que eu só apareço de costas. Mas assim que eu receber, posto aqui uma foto minha em companhia do Carlão.