Luca Guadagnino tem uma carreira no mínimo interessante. Apesar de ele ter ficado conhecido mundialmente pelo seu belo retrato do desabrochar juvenil de ME CHAME PELO SEU NOME (2017), o diretor italiano já possui 32 títulos em seu currículo, entre curtas e longas, entre ficção e documentário. Percebe-se que ele tem um interesse em experimentar. Gosta de histórias de amor, mas também tem um interesse forte no cinema de horror, como deu para notar quando optou por fazer uma reinvenção de um clássico de Dario Argento em SUSPÍRIA – A DANÇA DO MEDO (2018). Não podemos esquecer que um de seus primeiros filmes a estrear em grande circuito foi 100 ESCOVADAS ANTES DE DORMIR (2005), que, pelo que me lembro, foi tão polêmico quanto massacrado pela crítica na época de seu lançamento. Por algum motivo, acabei não vendo. Agora, passados alguns anos e com uma filmografia mais sólida como autor, me deu vontade de conferir esse título.
ATÉ OS OSSOS (2022) une o coming of age de ME CHAME PELO SEU NOME com o horror de SUSPÍRIA – A DANÇA DO MEDO, trazendo a história de uma garota de 18 anos (Taylor Russell) que se vê numa situação difícil quando o pai a larga à própria sorte depois de um evento já aguardado: a menina tem compulsão por carne humana. Agora ela tem a tarefa de encontrar um meio de se adaptar ao mundo, um mundo de cidades fantasmas da América profunda dos anos 1980. Sua tarefa, agora que o pai a deixou com uma gravação numa fitinha cassete explicativa, é encontrar a mãe. No meio disso, porém, ela acaba encontrando dois personagens que também possuem esses traços canibais, um homem mais velho vivido por Mark Rylance e um jovem interpretado por Timothée Chalamet.
Como eu gosto muito de ser surpreendido, ATÉ OS OSSOS foi um filme que me ganhou em muitos aspectos. Guadagnino mistura gêneros para falar de amor, desejo e necessidade de maneira muito crua e que pode incomodar espectadores mais sensíveis. Na sessão em que estive, algumas pessoas deixaram a sala na cena em que a garota e o canibal velho se alimentam do corpo de uma senhora idosa. Há detalhes que ajudam a enfatizar o aspecto mais perturbador da condição desses personagens, embora seja fácil ver essa condição muito parecida com a de dependentes químicos que precisam de uma droga para seguir com suas vidas. A diferença aqui é que esse “esporte” envolve matar pessoas, e é isso que deixa a personagem de Taylor Russell bastante incomodada. Ela é como o novo vampiro Louis, de ENTREVISTA COM O VAMPIRO: sabe de sua condição especial, mas acredita que precisa evitar ao máximo o sacrifício de pessoas inocentes.
Entre as várias surpresas que ATÉ OS OSSOS traz há uma participação muito especial de Chloë Sevigny como a mãe da protagonista. Aliás, quem viu a atriz em AMERICAN HORROR STORY – ASYLUM sabe que ela não tem problema nenhum em fazer personagens bem fora do comum. Isso vale para outros papéis bem desafiadores feitos por ela, como KIDS, HIT & MISS, THE BROWN BUNNY e DESEJO PROIBIDO. Abrir esses parênteses para falar de Sevigny pode ter sido desnecessário, mas acho importante chamar a atenção para a coragem da atriz de se entregar a diferentes personagens.
Outra coisa desconcertante de ATÉ OS OSSOS é a trilha sonora muitas vezes romântica de Trent Reznor e Atticus Ross (dupla geralmente parceira de David Fincher). Essa trilha, que enfatiza a história de amor de Maren (Russell) e Lee (Chalamet), parece por vezes destoar das passagens sangrentas que surgem ao longo do filme, mas por isso mesmo achei muito interessante, por mais que eu não tenha me comovido com o amor dos dois. O que mais me interessa acaba sendo essa história fora do comum e o tempero venenoso usado nas cenas de horror (não podemos esquecer o momento do filme com a participação perturbadora de Michael Stuhlbarg e David Gordon Green), sendo que muitas delas ficarão em minha memória por muito tempo, acredito eu.
A adaptação do romance juvenil de Camille DeAngelis caiu como uma luva no cinema de Guadagnino, tão interessado nos prazeres da juventude e em suas dores e angústias. O interesse do diretor pela juventude também será foco de seu próximo trabalho, CHALLENGERS, estrelado por Zendaya, a ser lançado em 2023.
+ UM ANÚNCIO IMPORTANTE
17º FEST ARUANDA
O Fest Aruanda de 2022, festival tradicional de cinema brasileiro que acontece em João Pessoa – PB, que ocorrerá entre os dias 1 a 7 de dezembro, anuncia seus títulos selecionados. Para mais detalhes, veja a programação completa no site do festival. Seguem as listas das mostras principais:
Mostra Competitiva de Longas NACIONAL
ANDANÇA – OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO (Doc, RJ), de Pedro Bronz
BIA (Fic, PE), de Taciano Valério
FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA (Doc, RJ), de Victor Lopes
LUPICÍNIO RODRIGUES – CONFISSÕES DE UM SOFREDOR (Doc, SC), de Alfredo Manevy
PÉROLA (Fic, RJ), de Murilo Benício
PROPRIEDADE (Fic, CE), de Daniel Bandeira
Mostra Competitiva de Curtas NACIONAL
MERGULHO (Fic, SP), de Marton Olympio e Anderson Jesus
TIRO DE MISERICÓRDIA (Fic, MG), de Augusto Barros
CARTA PARA GLAUBER (Doc, RJ), de Gregory Baltz
DÉJÀ VU (Fic, PB), de Carlos Mosca
DESEJO E NECESSIDADE (Fic, PB), de Milso Roberto
SANGUE POR SANGUE (Fic, PB), de Ian Abé e Rodolpho de Barros
SAINDO COM ESTRANHOS DA INTERNET (Anim, SP), de Eduardo Wahrhaftig
QUARENTENA (Fic, PR), de Adriel Nizer e Nando Sturmer
ELES NÃO VÊM EM PAZ (Fic, SP), de Pedro Oranges e Victor Silva
SOCORRO (Doc, RJ), de Susanna Lira
FILME DE QUARTO (Fic, SP), de Raffaella Rosset
TEKOHA (Doc, SP), de Carlos Adriano
Mostra Competitiva de Longas SOB O CÉU NORDESTINO
CORDELINA (Doc, PB), de Jaime Guimarães
FIM DE SEMANA NO PARAÍSO SELVAGEM (Fic, PE), de Severino
MANGUEBIT (Doc, PE), de Jura Capela
PATERNO (Fic, PE), de Marcelo Lordello
PEQUENOS GUERREIROS (Fic, CE), de Bárbara Cariry
Mostra Competitiva de Curtas Paraibanos SOB O CÉU NORDESTINO
ARATU (Fic), de Firmino de Almeida
A PRAÇA DO JOÁS (Doc), de Gutenberg Pequeno
ANJOS CINGIDOS (Anim), de Laercio Filho e Maria Tereza Azevedo
A ESPERA (Doc), de Ana Célia Gomes
CALUNGA MAIOR (Fic), de Thiago Costa
ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO (Anim), de Bruna Velden
NÃO EXISTE PÔR DO SOL (Fic), de Janaína Lacerda
O REBANHO DE QUINCAS (Fic), de Hipólito Lucena e Rebeca Souza
RENDEIROS (Doc), de Romero Sousa
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