segunda-feira, novembro 14, 2022

BODA BRANCA (Noce Blanche)



Para minha surpresa, BODA BRANCA (1989), de Jean-Claude Brisseau, não segue o caminho de filmes como O ANJO AZUL, de Josef von Sternberg, ou seu quase remake, o brasileiro ANJO LOIRO, de Alfredo Sterheim, Nos referidos filmes, a figura do homem mais velho que se apaixona por uma jovem mulher o leva a uma situação de ridicularização do personagem masculino em sua tragédia de se deixar apaixonar-se. Há tragédia, sim, em BODA BRANCA, mas ela aparece de uma maneira diferente, seguindo uma espécie de tendência da obra do realizador de apresentar professores e professoras que se compadecem de alunos problemáticos e se envolvem em maior grau em suas vidas. Isso é mostrado no anterior, o excelente DE BARULHO E DE FÚRIA (1988), mas agora é diferente. Agora é um professor de filosofia (Bruno Cremer) que acaba se apaixonando pela aluna menor de idade (Vanessa Paradis), ao buscar ajudá-la nos estudos.

Logo, entramos em um terreno mais perigoso, principalmente se visto com os olhos de hoje. Não sei se esse perigo era tão forte assim nos anos 1980. Certamente não. BODA BRANCA marca a estreia no cinema de Vanessa Paradis, então cantora teen de sucesso na França, e ainda com quinze anos de idade, embora represente uma garota de dezessete. Trata-se de um filme duro e que exigiu muito da jovem iniciante. O fato de conter algumas cenas de nudez para uma adolescente hoje certamente seria um impedimento. Ainda assim, não há o erotismo que se tornaria presente em obras futuras de Brisseau. O foco está mais na angústia de estar apaixonado dentro de uma relação bem complicada.

O filme está entre as obras mais pessimistas do diretor, com destaque para Nietzsche como filósofo central para a compreensão do que os dois protagonistas (o professor e a aluna) têm da vida. Descrevendo a jovem à esposa ele diz: "Apenas com dezessete anos ela já está profundamente consciente da futilidade da vida humana... e parte para o que realmente importa". Relação mestre-pupilo, revolta na juventude, sensualidade e um pensar sobre além da existência carnal, tudo isso mais uma vez presente numa obra de Brisseau. E tudo isso me interessa. Ainda mais quando emoldurado com tanta beleza plástica, com uma luz tão especial.

E por falar em luz, vale destacar o nome do diretor de fotografia: Romain Winding, parceiro de Brisseau em DE BARULHO E DE FÚRIA, CÉLINE (1992), ANJO NEGRO (1994) e OS INDIGENTES DO BOM DEUS (2000). O uso da luz nos filmes de Brisseau faz toda a diferença, pois é uma luz que invade a escuridão e se reveste de um significado espiritual, como num halo. E por mais que BODA BRANCA não esteja entre as obras mais metafísicas do realizador, esse elemento está presente de maneira sutil, especialmente quando se percebe na relação dos dois um tipo de conexão espiritual, a tal ponto que a jovem não consegue viver sem aquele homem. É bem mais do que uma história de desilusão.

A bênção que parece ser os momentos entre os dois, com direito até a um romântico passeio de barco e um encontro à luz do dia em um cenário verdejante em que o céu testemunha seus corpos fazendo amor, acaba se tornando uma espécie de maldição quando essa vontade irresistível se choca com a sociedade, com o ambiente da escola, com a situação perturbadora que passa a ser o lar do professor, com sua esposa já sabendo da traição do marido, e os ciúmes também maltratando os espíritos tanto o professor quanto da aluna. A bênção se torna condenação. E a cena em que os dois são flagrados transando em plena escola é o ápice dessa situação.

BODA BRANCA certamente é um filme que seria muito melhor compreendido por quem tem maior intimidade com alguns dos filósofos citados, como Freud, Nietzche, Espinosa e Simone Weil, objeto de estudo do protagonista professor, que escreveu um livro sobre a filósofa. Aliás, saber mais sobre esses pensadores ajudaria também a compreender a obra como um todo do realizador. Ter uma das primeiras cenas com o professor questionando a turma sobre o que é o inconsciente traz um significado crucial para o que seriam os significados do filme. Brisseau traz para sua obra questões comuns de filosofia, misticismo e arte. E como é um autor que utiliza tão bem a mise-en-scène, acaba criando obras cheias de amor, beleza e intensidade.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.    

+ DOIS FILMES

PASSAGEM (Causeway)

Começar de novo. Está escrito no cartaz de PASSAGEM (2022), o novo filme estrelado por Jennifer Lawrence, que também é uma das produtoras. Faz sentido para a carreira da atriz, agora com novo agente, depois de ficar insatisfeita com os rumos de sua carreira. Gostei muito deste que promete ser uma volta aos filmes menores e mais humanistas, como foi INVERNO DA ALMA, o título que a destacou para o mundo. O que muito me agradou neste novo filme foi a sensibilidade com que são lidados os sentimentos e os traumas de seus personagens, tanto a protagonista vivida por J.Law, quanto o homem que se torna seu amigo, o mecânico de automóveis interpretado por Brian Tyree Henry. Também gosto do tempo mais lento com que nos é apresentada a protagonista, a princípio aparecendo com sérios problemas de saúde e sendo tratada por uma enfermeira. A solidão dos personagens é o que mais ronda o filme. Eles são assombrados por fantasmas do passado; fantasmas que continuam vivendo com eles no presente. Talvez seja mais um filme de ator/atriz do que de direção, mas só saberemos disso ao conferir os próximos trabalhos da estreante em longas Lila Neugebauer. Promissora.

ALDEOTAS

Assim que o filme começa, informando ser baseado na obra homônima de Gero Camilo, já fica claro que estaremos diante de uma derivação de uma peça teatral que não fará muito esforço para se distanciar de sua linguagem original. E desde o começo já gostei muito de ALDEOTAS (2022), principalmente ao ouvir o primeiro monólogo de Camilo, com uma prosa muito bonita e um cuidado com a língua portuguesa que me conquistou. A partir da conversa com o amigo defunto vivido por Marat Descartes, a trama vai nos contando sobre a forte e marcante amizade que os dois tiveram na infância e adolescência. Não sei como se deu na peça, mas no filme os cortes em capítulos curtos, todos com títulos, trazem uma dinâmica muito interessante. E cada capítulo tem uma importância fundamental na história dos dois, os únicos personagens presentes corporalmente em todo o filme - as namoradinhas são representadas por bonecos, por exemplo. E há uma questão que Camilo fez questão de deixar muito clara: a forma como a sociedade de sua pequena cidade via seus gestos, agindo com violência e forte preconceito. Como uma boa peça, ALDEOTAS pede que aceitemos aqueles dois homens de meia idade interpretando adolescentes. E isso é bem simples, para quem está mais acostumado com as artes cênicas.

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