terça-feira, novembro 15, 2022

A FOGUEIRA DAS VAIDADES (The Bonfire of the Vanities)



A carreira de Brian De Palma tem sido uma montanha-russa de sucessos e fracassos. Isso, do ponto de vista dos ganhos nas bilheterias, embora se possa falar de fracasso artístico também. A FOGUEIRA DAS VAIDADES (1990) talvez seja o filme do diretor que mais apanhou da crítica. Na verdade, havia quase que uma torcida contra a produção antes mesmo do lançamento. E na época que foi lançado teve revista de cinema que o elegeu o pior do ano. O crítico Joel Siegel, disse: “Isto não é apenas um filme ruim, isto é um fracasso de proporções épicas”. No que se refere às bilheterias, o filme rendeu apenas U$ 15,7 milhões de um investimento de 47. Hoje, passado todo esse tempo e até em respeito a um autor consagrado como o De Palma, há muitos defensores e até entusiastas da obra.

Revendo-o nesta semana, percebi o quanto minha lembrança dele era nebulosa. Tanto que até fiquei na dúvida se havia visto completo, quando o gravei no videocassete numa exibição televisiva. O que eu tinha forte na memória era a cena em que o personagem de Tom Hanks leva o cachorro pra passear na chuva com o mero intuito de ligar para a amante (Melanie Griffith) e acaba ligando, sem querer, para a esposa (Kim Cattral). Também lembrava bem do momento em que o casal de amantes se perde num bairro perigoso de Nova York.

A FOGUEIRA DAS VAIDADES é mais um conto moral de De Palma, assim como foram OS INTOCÁVEIS (1987) e PECADOS DE GUERRA (1989). Talvez nem precise forçar um pouco para incluí-lo numa espécie de trilogia moral, com a diferença que este aqui lembra muito mais as produções da velha Hollywood do que todos os demais filmes do realizador. Há a figura do narrador-personagem (Bruce Willis, um tanto apagado) que pega na mão do espectador numa narração quase didática para contar a tragédia que se tornaria a vida de Sherman McCoy (Hanks) naquele caldeirão que é a Nova York multirracial e em tempos mais perigosos para a cidade.

Baseado no aclamado romance homônimo de Tom Wolfe, este filme se torna até mais atual nos dias de hoje, com a entrada em cena das redes sociais e da cultura do cancelamento. Mas, para quem é fã do De Palma, dá uma saudade de seus filmes mais maneiristas.

Além do mais, há uma série de problemas. Por exemplo, em nenhum momento tive a impressão de que Sherman McCoy (Tom Hanks) é o tal “mestre do universo” que ele se vê, como um bem-sucedido homem de negócios da bolsa de valores. Acho até que a direção e o roteiro do filme tentam mostrar isso, mas talvez esse sentimento dependesse de outras cenas para que fosse enfatizado e comprado pelo espectador. E talvez Hanks não tenha essa cara de aristocrata, necessária para o personagem.

O que vemos é um homem inseguro e desajeitado em sua tentativa de manter um relacionamento com a amante Maria (Melanie Griffith) sem que a esposa (Kim Cattral) saiba. Sua falta de malandragem também se apresenta no momento em que ele quer contar para a polícia o ocorrido no Bronx, enquanto Maria prefere deixar tudo em segredo; ela quer deixar claro para ele que a relação dos dois é puramente sexo, nada mais que isso. Ela diz: “don’t think, Sherman. Just fuck.”

Há pelo menos dois momentos que se destacam na biografia do realizador. Uma delas é o momento em que Sherman vai preso. O próprio De Palma passou por essa experiência. Quando ele tinha 23 anos e sua namorada o deixou, ele ficou bêbado, gastou todo seu dinheiro numa máquina de pôquer e, sem saber como voltar pra casa, roubou uma scooter e cruzou uma série de sinais vermelhos. Foi quando um policial o abordou, ele tentou fugir e ainda recebeu um tiro na perna. Resultado: teve seus momentos atrás das grades, assim como seu mentor, Alfred Hitchcock. Com a diferença que ele não era exatamente inocente.

A dualidade tão presente nos filmes do realizador (há split-screen neste aqui também) se apresenta na própria apresentação de Nova York. A área dos brancos e a área dos pretos, desconhecida e um tanto proibida para brancos ricos habitantes de Manhattan. E esse novo mundo desconhecido para Sherman se descortina principalmente no tribunal, quando ele se vê numa situação próxima a de uma mulher tida como uma bruxa prestes a ser queimada. O elemento de maior exemplo de moralidade naquele espaço é o juíz vivido por Morgan Freeman, que no final até faz um discurso destacando a hipocrisia daquelas pessoas, chefiadas por um reverendo.

Outro momento que se imagina ser muito caro para De Palma é o instante em que o pai de Sherman, para surpresa do protagonista, se apresenta para ele para ajudá-lo, para mostrar que ele não está sozinho, uma vez que ele fora abandonado pela esposa e pela amante. Então, esse suporte, que muitas vezes ele não recebera de seu pai na juventude, se materializa em seu alter-ego. Ainda assim, acho a cena pouco eficiente do ponto de vista emocional. O que é uma pena.

A boa notícia é que De Palma voltaria para seu lugar de conforto, o suspense, no vindouro SÍNDROME DE CAIM (1992).

+ DOIS FILMES

CAMA ARDENTE (The Burning Bed)

Telefilme muito eficiente que assisti de uma só sentada, algo raro nos dias atuais pra mim, em se tratando de filme visto em casa. Em CAMA ARDENTE (1984), de Robert Greewald, Farrah Fawcett está muito bem como a mulher agredida infinitas vezes pelo marido tóxico até o dia em que ela resolve dar um fim a tudo e queimá-lo na cama. Isso não é spoiler, está no começo do filme, que depois, em sua maior parte, é um grande flashback que nos contará como nasceu o relacionamento dos dois e como se construiu toda essa atmosfera de terror e de revolta, por parte da esposa e por parte dos espectadores também. O fato de escalarem os mesmos atores para vivê-los jovens me incomoda um pouco, principalmente o ator - um quarentão meio barrigudo fazendo um quase adolescente não convence. Mas, à medida que eles vão ficando adultos, isso deixa de ser um problema. Filme visto no box Filmes de Tribunal 3.

OSTWÄRTS

Para quem teve contato com algumas das obras de Christian Petzold pode ser interessante ver este documentário em curta-metragem, feito logo após a queda do muro de Berlim. O diretor demora a capturar um rosto em OSTWÄRTS (1991). Até achei que os 24 minutos de duração do filme fossem todos sobre carros, estradas e casas. Mas aí entra o primeiro depoente, uma jovem que aprecia pintar o próprio rosto. Depois disso, ouviremos o depoimento de mais duas pessoas e podemos perceber a dificuldade que elas tiveram em colocar suas vidas nos trilhos após a mudança política drástica ocorrida em 1989. Por mais que a mudança a longo prazo tenha sido benéfica, não se pensou muito bem em cuidar dessas pessoas que foram afetadas negativamente. Não sei se é um problema da cópia ou se é intenção do diretor mostrar o norte de Berlim como sendo escuro e pouco atraente, mas, de todo modo, a imagem que tínhamos da Alemanha demoraria um pouco a ser associada a algo solar.

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