quinta-feira, setembro 15, 2022

OS INTOCÁVEIS (The Untouchables)



Não tenho certeza qual foi o meu primeiro Brian De Palma visto. Alguns podem ter sido vistos em minha fase pré-cinefilia. De todo modo, OS INTOCÁVEIS (1987) foi um dos que mais vi e revi na televisão, por conta de suas inúmeras exibições. Como também foi um sucesso de público no cinema, isso acabou por se amplificar também sempre que o filme era exibido em um momento em que muitos brasileiros ainda não possuíam um videocassete – eu, por exemplo, só fui comprar o meu primeiro aparelho em 1992, com uma grana das férias de um ano de trabalho, e com poder aquisitivo muito pequeno. De todo modo, esta foi a primeira vez que o vi na janela correta, em alta definição e com as vozes originais dos atores.

Um dos maiores sucessos, tanto de público quanto de crítica do diretor, OS INTOCÁVEIS é um filme marcado por várias cenas clássicas, que tanto devem à habilidade do diretor no uso dos espaços e dos cortes, quanto ao roteiro de David Mamet e à música poderosa de Ennio Morricone, que marca o filme na memória desfe os créditos iniciais. Para se ter uma ideia do sucesso do filme, ele teve um investimento de 20 milhões de dólares e rendeu 76 milhões nos Estados Unidos e 186 milhões no mundo todo. Foi também um alívio para De Palma, que vinha de fracassos de público com os anteriores DUBLÊ DE CORPO (1984) e QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE (1986).

Curiosamente, é o terceiro filme seguido sobre a máfia do cineasta, depois do explosivo SCARFACE (1983) e da comédia QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE. OS INTOCÁVEIS se diferencia bastante dos dois por trazer um tom mais heroico. Se bem que esse heroísmo é complexificado com certos medos do protagonista, o agente do tesouro Eliot Ness (Kevin Costner), em se tornar tão violento quanto seu inimigo Al Capone (Robert De Niro). Essa situação já havia sido exposta em outros trabalhos do diretor: Winslow tinha medo de se tornar Swan em O FANTASMA DO PARAÍSO (1974), Robin, de se tornar como Childress, em A FÚRIA (1978), ou Tony, como Frank em SCARFACE.

Há uma questão também que se estabelece de maneira muito forte em Ness, que é o fato de ele ser visto, tanto por seus colegas policias, quanto pelos mafiosos, como alguém feminilizado, para os padrões de masculinidade daquele universo violento. A imagem de seu fracasso segurando guarda-chuvas numa foto do jornal trouxe indignação, embora não tenha sido o suficiente para fazê-lo desistir da empreitada de pegar Capone. O que ele notou é que Chicago estava corrompida, inclusive os policiais, todos comprados pelo chefão. Assim, ele resolve unir uma força-tarefa formada por apenas mais três homens de fora do meio: o veterano policial de rua Malone (Sean Connery), o novato Stone (Andy Garcia) e o contador Wallace (Charles Martin Smith).

E De Niro está tão odioso como um Al Capone capaz de matar alguém com um taco de beisebol em plena reunião com homens de negócio, que fica muito fácil tomar partido dos homens da lei chefiados por Ness. Além do mais, o personagem de Sean Connery é talvez o mais querido dos quatro, e isso faz com que a cena de sua morte seja o ponto alto de dramaticidade do filme, e nada mais justo que apresentá-la com uma montagem de uma cena de ópera. A frase dele, “Eu simplesmente acho que é mais importante pra mim ficar vivo”, acaba ressoando nesse momento.

OS INTOCÁVEIS é também um filme da máfia com um tom de western, com uma noção de homens bons e homens maus bem definida e até um quê de SETE HOMENS E UM DESTINO. Além do mais, há uma cena no deserto, na fronteira com o Canadá, que lembra bastante o cenário de um western, com vários policias enfileirados, e de cavalos, prontos para desbaratar o contrabando de bebida alcóolica.

Além da cena da morte de Malone, a que mais fica guardada na memória e que costuma ser estudada como um exemplo da grandeza de Brian De Palma é a famosa cena da estação de trem, que homenageia O ENCOURAÇADO POTEMKIN, de Sergei Eisenstein. Nessa cena, o diretor usa tudo que lhe está em mãos, dentro do que o orçamento lhe permite – a cena seria feita com uso de helicópteros e sequências de trens se movendo e uma batida, mas faltou dinheiro e De Palma teve que improvisar de última hora. “Ok, turma. O dinheiro acabou. Então me dê uma escadaria, um relógio e um carro de bebê.”, disse ele.

OS INTOCÁVEIS acaba sendo também um filme sobre personagens que confrontam suas próprias naturezas sombrias, ao ter que lidar com a mesma violência de seus aniversários. E, no caso de Ness, tendo que fazer coisas fora-da-lei, como empurrar o homem que matou Malone de cima do prédio, depois que ele o ouve dizer que “Malone morreu gritando como um porco irlandês”. Ou seja, para o espectador, isso se torna mais do que justificado. Além do mais, há a cena no tribunal em que o protagonista reconhece que prender Capone representou para ele algo parecido como vender sua alma. Não exatamente nessas palavras, mas é fácil entender dessa maneira. 

+ DOIS FILMES

CAÇADA NO CANAL DA MORTE (Amsterdamned)

Mistura de slasher com giallo e filme policial, CAÇADA NO CANAL DA MORTE (1988), de Dick Maas, traz tanto a figura de um assassino misterioso que vai aumentando a cada dia a soma de suas vítimas, quanto a investigação de um policial que se vê impotente frente à dificuldade de pegar o criminoso. Um dos trunfos do filme é a beleza de se passar em Amsterdã e destacar os seus vários canais. Até parece ter nascido da ideia de pensar um slasher/policial com direito a perseguição de lancha e embate embaixo d´água, de modo a se diferenciar dos demais filmes dos citados gêneros. E de fato o faz com muita personalidade. Amsterdã, com suas ruas apertadas e cenário todo particular, é um personagem mais importante no filme do que o detetive e seu interesse amoroso. Aliás, a bela moça é vivida por Monique van de Ven, que fez história em dois filmaços de Paul Verhoeven dos anos 1970, LOUCA PAIXÃO e O AMANTE DE KATYHY TIPPEL. Quanto ao visual do assassino, achei bem original ter aproveitado a figura de um mergulhador de vestes pretas. Grande momento de suspense: quando a mocinha vai parar na casa em que o assassino supostamente (?) está. Visto no box Slashers VII, que ainda conta com um making of de cerca de meia hora sobre o filme.

A LUTA DE UMA VIDA (The Survivor)

Um filme que tem o sabor (ruim) de uma daquelas grandes produções chatas dos anos 1990 que miravam no Oscar e acertavam no esquecimento e no tédio. Barry Levinson, o ganhador do Oscar por RAIN MAN (1988) nunca foi um autor ou mesmo um grande diretor, mas aqui se prova de vez que a aposentadoria talvez seja uma boa ideia para ele (mas que não vai acontecer tão cedo, a julgar pelas próximas produções já anunciadas). A LUTA DE UMA VIDA (2021) tem pouco mais de duas horas, mas com sensação térmica de três. Possui pelo menos uns três finais antecipados e o fim parece não vir. E é um fracasso no que planeja ser melhor, que é lidar com as emoções da história dramática de um homem que sobreviveu aos campos de concentração lutando boxe e que agora vive procurando pela antiga namorada, também vítima da violência nazista. Os únicos trunfos que o filme tem é a presença sempre luminosa de Vicky Krieps e uma participação especial de Danny DeVito. É pouco.

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