quinta-feira, setembro 01, 2022

QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE (Wise Guys)



No dia 29 de agosto, na segunda-feira passada, meu blog completou 20 anos. Eu bem que deveria ter me adiantado para ter escrito um texto de memórias decente sobre os últimos vinte anos relativos ao blog. Eu, que tanto gosto de relembrar histórias e me emocionar com as lembranças, poderia ter me presenteado com isso. Acontece que o cansaço foi mais forte do que essa vontade e infelizmente não rolou. Quem sabe quando o blog completar 25 anos isso se realiza, hein?!

Falando em memórias, olhando hoje as memórias do Facebook, vi que um ano atrás eu havia visto TERAPIA DE DOIDOS (1979), uma das comédias de Brian De Palma. Ou seja, falhei no ano passado em ter não finalizado a peregrinação pela obra do cineasta e estou falhando ainda neste ano, já que estamos em setembro e no primeiro semestre eu não cheguei a ver ou rever nenhum filme do diretor, só tendo retomado mais recentemente, com SCARFACE (1983). E com QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE (1986) volto ao gênero menos celebrado de Brian De Palma, mas que ele ainda insistia em trazer com certa frequência. Até porque, mesmo em certas obras do gênero suspense, como DUBLÊ DE CORPO (1984), a comédia está muito presente.

Não sou exatamente um apreciador do De Palma “comediante”, até porque não rio em suas comédias – não sei se ele tem problemas de timing ou apenas é a sua maneira particular. Ainda assim, com o tempo, e após análises, todas elas se mostram muito melhores do que aparentam. Principalmente quando descobrimos que certas situações são muito relacionadas à própria vida do realizador, que lamentava o fato de ter seus aniversários esquecidos quando criança por seus familiares. Por isso não é à toa a cena do personagem de DeVito triste, mas logo depois feliz, ao saber que seus familiares e amigos apenas estavam fingindo ter esquecido a data, e que preparavam uma festa-surpresa.

Alfinetadas também não faltam a gente do cinema, como Paul Schrader e Martin Scorsese. Em determinado momento, DeVito se olha no espelho e diz “You talkin’ to me?” e isso nos remete imediatamente a TAXI DRIVER, de Scorsese. Acontece que essas linhas já haviam sido ditas antes, de maneira muito parecida, em OLÁ, MAMÃE! (1970), pelo próprio personagem de Robert De Niro, que se tornaria em poucos anos o ator-fetiche de Scorsese, e que só voltaria a trabalhar novamente com De Palma em OS INTOCÁVEIS (1987).

Em QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE, temos uma dupla de melhores amigos (que se referem a si mesmos como irmãos), vividos por Danny DeVito e Joe Piscopo, um de família italiana, o outro de família judaica, que trabalham para um grande chefão mafioso de Newark. Acontece que DeVito é um desses caras viciados em jogar e é por causa desse problema que os dois se metem em uma grande enrascada ao apostar com o dinheiro do chefe. Depois disso, o chefão os coloca um contra o outro. Cada um recebe uma arma e tem a missão de matar o outro. 

Essa situação é semelhante ao que acontecia na família do realizador. De Palma dizia que ele e os irmãos viviam em constante estado de rivalidade, numa atmosfera criada pelos pais. Trazer esse incômodo da infância para dentro de uma “família” de gângsteres não deixa de ser uma tirada e tanto. A cena da ignição do carro e o medo de uma suposta bomba é o ápice dessa situação de tensão dentro da família e provavelmente o melhor momento cômico do filme, no sentido que o aproxima de uma animação da Warner.

Gosto do aspecto anárquico do filme, especialmente quando os dois saem literalmente destruindo o carro de um capanga do chefão, que é apresentado como um brucutu que mal fala, praticamente grunhe. Não duvido nada que isso seja alguma espécie de indireta do De Palma a alguns produtores, levando em consideração sua geralmente complicada relação com eles.

QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE, com seu final otimista e feliz, é uma espécie de balança diante de tantos finais trágicos de outros protagonistas depalmianos, como em UM TIRO NA NOITE (1981) e SCARFACE. Em ambos os filmes, os protagonistas se vêem em situações de impotência, ao não conseguiram salvar suas figuras amáveis mais próximas (os personagens de Nancy Allen e Steven Bauer, respectivamente). Aqui, no entanto, Moe (DeVitto) não morre de verdade e ressurge quando tudo está se encaminhando para a tragédia maior, trazendo uma alegria que parece menos real e mais superficial. Uma sensação muito parecida com o final de TERAPIA DE DOIDOS. É como se o realizador duvidasse da alegria na vida e essa alegria não pudesse ser materializada nem mesmo na arte.

+ DOIS FILMES

45 DO SEGUNDO TEMPO

É bem possível que 45 DO SEGUNDO TEMPO (2022), de Luiz Villaça, surpreenda bastante pelo grau de melancolia que ele traz, mesmo sendo uma obra bastante generosa em seus momentos engraçados. É que há uma questão bem séria em relação aos três personagens masculinos, que estão vivendo momentos particularmente difíceis de suas vidas. Os três amigos de infância que não se viam há 30 anos se encontram quando o personagem de Tony Ramos, o dono de um restaurante italiano, conta aos outros dois que pretende se matar. Entra, então, uma questão que o filme ousa trazer, sobre a importância de nossa própria existência na terra, que já se mostra muito comovente na conversa de Ramos com sua cachorrinha prestes a morrer. O personagem de Ary França talvez seja o que mais usa um humor físico, enquanto Cássio Gabus Mendes parece ser o mais sóbrio dos três, ainda que uma série de situações na vida íntima e profissional o esteja afligindo. A ideia de visitarem uma antiga amiga de infância, que era famosa por sua beleza, passa a impulsioná-los para não só reviver o passado, mas principalmente compreender quem eles são no presente. 45 DO SEGUNDO TEMPO é mais uma obra sensível do diretor de DE ONDE EU TE VEJO (2016) que falou a mim em diversos momentos, especialmente na cena em que os três conversam em cima de uma caixa d'água sobre os efeitos do tempo no corpo e no espírito.

PAPAI É POP

Um bonito filme pensado para toda a família, mas que será mais apreciado pelos adultos, já que lida com questões como paternidade e maternidade e certamente tocará o coração de muitos. Eu, pelo menos, cheguei a chorar em alguns momentos, com meu fraco por temas envolvendo maternidade. Há uma cena de PAPAI É POP (2021) em que Lázaro Ramos agradece à mãe (Elisa Lucinda), que chega a ser mais forte que todos as subtramas do plot principal, que ainda assim traz vários momentos emocionantes, especialmente no último ato. Caito Ortiz, que já tinha se mostrado muito hábil em unir o humor com outros gêneros em O ROUBO DA TAÇA (2016), conquista o espectador inicialmente com o humor, na história de um casal que discute por causa das dificuldades do personagem de Ramos em ser um pai suficientemente bom e responsável. Paolla Oliveira está adorável e Lázaro Ramos, um dos melhores atores de sua geração, faz tudo fluir com muita naturalidade.

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