terça-feira, setembro 27, 2022

REBELIÃO (Jôi-uchi: Hairyô Tsuma Shimatsu)



Vi REBELIÃO (1967) no dia 27 de julho - ou seja, há dois meses -, e não deveria ter passado tanto tempo para escrever um texto maior sobre ele para o blog. Mas nem preciso me desculpar por aqui, pois já falei delas tantas vezes da questão energia/tempo. Na verdade, nem sei se vou conseguir fazer um texto que faça valer o que senti nesta minha segunda experiência com o cinema de Masaki Kobayashi, após ter ficado completamente encantado com a obra-prima HARAKIRI (1962). Isso porque REBELIÃO é quase tão bom quanto o citado filme, o que é incrível, meus amigos! Sorte que já havia escrito um pequeno texto até que bastante representativo do que senti pelo filme no calor do momento e muito dele está aqui.

Este clássico de Kobayashi é mais uma ode à rebeldia contra as instituições autoritárias e contra a criação de uma história escrita pelos vencedores. Aqui, temos uma família que é obrigada a receber uma mulher que já teve um filho com o lorde do clã. A mulher havia se mostrado muito rebelde e por isso estava sendo encaminhada para se casar com o filho dessa família, cujo pai é vivido por Toshiro Mifune, um vassalo prestes a se aposentar, mas que ganhou a fama de ser um dos mais habilidosos samurais do território. (E eu, que não tenho uma tradição e um conhecimento tão grande assim de cinema japonês e de cinema samurai, em especial, já entendo de cara a força da presença de Mifune neste papel.)

O jovem (Gô Katô), que poderia se manifestar contra àquela imposição, aceita se casar com a tal mulher, mesmo sem conhecê-la. O pai acha a atitude de seu líder extremamente arbitrária, inclusive, e quase a rejeita. Mas acontece que o casamento acaba indo bem entre o novo casal (a mulher é um ser humano incrível, aliás) e eles vivem felizes. E tudo ficaria bem por muito tempo se não fosse outra decisão do lorde do clã. 

O domínio da narrativa de Kobayashi e do roteirista Shinobu Hashimoto é absurdo. Hashimoto é um dos maiores personagens do cinema japonês, tendo trabalhado como roteirista de HARAKIRI e de vários filmes de Akira Kurosawa, como VIVER, A FORTALEZA ESCONDIDA, HOMEM MAU DORME BEM, RASHOMON etc. E além desse cuidado com o roteiro, que coloca tudo no seu devido lugar, o que trás uma beleza sem igual é o trabalho de mise-en-scène de Kobayashi, que já se destaca desde o início ao nos mostrar o ambiente da casa do personagem de Mifune e o modo como os corpos se apresentam nos espaços da janela scope

REBELIÃO é um filme de muita conversa, em que a tensão se concentra nos conflitos e nas injustiças. Dessa forma, quando chega o momento das lutas de espada, elas são ainda mais valorizadas. Mas não tão valorizadas quanto os dramas dos personagens. É fácil se identificar e se compadecer com os personagens de Mifune, de seu filho e da mulher (Yôko Tsukasa), mas há também uma nobreza extraordinária no personagem do adversário e amigo de Mifune, vivido por Tatsuya Nakadai (o protagonista de A ESPADA DA MALDIÇÃO, outro ator sublime).

Tudo é construído para causar revolta e ódio daquela estrutura social de abuso de poder, e através de imagens, principalmente - por mais que haja todo um trabalho de diálogos muito bem construídos. A comoção que REBELIÃO provoca é tamanha que ele pode ser facilmente colocado entre os filmes que mais provocam indignação da história do cinema. E um tipo de indignação que traz vontade de lutar, por mais que as chances de se perder e de morrer sejam muito maiores do que a de vencer. Todos os momentos em que os personagens de Mifune e Katô esperam pelos samurais do líder do clã são permeados por sentimentos de tristeza e raiva, mas com a raiva vencendo e trazendo a coragem e a certeza de se estar do lado certo da história. Mesmo que seja mais uma história apagada, como em HARAKIRI. A frase de Mifune, “Finalmente me sinto vivo.”, ajuda o espectador a estar junto com eles nessa empreitada em nome da honra e da injustiça.

Faço um apelo a todos aqueles que têm uma resistência a filmes japoneses e principalmente a filmes que abordem o universo samurai a darem uma chance a este filme. Talvez ele até seja mais fácil de ser absorvido por um público maior do que o próprio HARAKIRI, que tem uma estrutura narrativa um pouco mais complexa. Portanto, podem ir fundo, que a recompensa é certa. 

+ DOIS FILMES

A ESPADA DA MALDIÇÃO (Dai-bosatsu Tôge)

Eis um daqueles filmes que terminam e a gente fica sem chão, sem saber direito o que acabamos de experienciar. Trata-se de mais um dos filmes revolucionários dos anos 1960, aqui trazendo, desde já, como protagonista, um vilão, uma espécie de monstro que empunha uma espada que dá a entender, já pelo título, que seja a raiz do mal que lhe infesta. Daí temos um filme de samurai com influência do cinema de horror, que tem como ápice do abraço ao gênero do medo a cena em que a jovem e talvez futura cortesã diz ver um fantasma de uma mulher perto dele. Mas esse detalhe talvez seja menor diante de uma trama intrincada e cheia de personagens e que por vezes se torna confusa. Isso se deve ao fato de que é uma adaptação de uma obra enorme, que já havia sido adaptada por outros diretores em dois ou três filmes para dar conta da narrativa. O diretor Kihachi Okamoto até planejava fazer uma continuação (e deixou um gancho para tal), mas os produtores acharam o filme demasiado violento para que merecesse mais dinheiro envolvido. O que é uma pena. Aliás, é uma pena, pois fiquei particularmente interessado nos destinos do jovem samurai que caça o protagonista e da jovem. Dividido em três partes que se passam em três anos diferentes, A ESPADA DA MALDIÇÃO (1966) não facilita muito para o espectador, fazendo com que procuremos entender a trama a partir do que nos é fornecido nos diálogos. Nesse sentido, até parece um filme de espionagem, inclusive com o charme que esse subgênero possui. Também é de uma beleza ímpar a fotografia em um preto e branco de alto contraste, que ajuda a dar ao protagonista o aspecto sombrio necessário para a construção de sua persona. Certamente é um filme que deve ser melhor ainda na revisão.

ULTIMATUM À TERRA (The 27th Day)

O pavor da bomba atômica dá o tom nas ficções científicas da década de 1950, que, até quando traz uma história envolvendo alienígenas, mostra a guerra de nervos entre Estados Unidos e União Soviética. Na trama de ULTIMATUM À TERRA (1957), de William Asher, indivíduos de cinco nações diferentes são enviados a uma nave espacial alienígena para serem responsáveis pela guerra ou pela paz da Terra por um período de 27 dias. Por mais que em alguns momentos o filme adquira tons de drama de guerra, as explicações supostamente científicas ao final deixam claras o gênero. Diria que é um filme que se destaca mais como curiosidade e como exemplar do tipo de produção da época do que exatamente como um pequeno clássico, mas ainda sou muito verde no gênero para afirmar. Filme visto no box Clássicos Sci-Fi - Anos 50 Vol. 2.

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