sexta-feira, setembro 02, 2022

UM LUGAR BEM LONGE DAQUI (Where the Crawdads Sing)



Ter um cinema novo chegando na cidade é sempre motivo de comemoração, mesmo quando o cinema não traz tanta novidade assim no que se refere ao que já é ofertado nas demais salas mais comerciais. Na pandemia, os dois complexos da rede Arco-Íris em Fortaleza que estavam de pé, com três salas no Shopping Aldeota e duas no Shopping Del Paseo, fecharam. O que é uma tristeza, ainda mais se levarmos em consideração que esses shoppings ficam localizados em lugares tradicionalmente habitados pela alta burguesia da cidade. Se está difícil para o rico, que dirá para o pobre.

Pois bem. Uma outra empresa assumiu e refez duas dessas salas perdidas e lá fui eu feliz ontem, para prestigiar o novo espaço. UM LUGAR BEM LONGE DAQUI (2022), de Olivia Newman, em cópia legendada. Uma sala novinha em folha costuma ser bem caprichada, right? Infelizmente nem sempre, como pude constatar. Gostei da disposição das poltronas, da tela, apesar de não tão grande, mas quando começou o primeiro trailer, do segundo Avatar, já percebi o som médio extremamente abafado. Aquilo estava muito errado. E isso se tornava ainda mais perceptível com o fato de que o trailer estava dublado.

Esperei o filme começar, mas na hora que começa as luzes se acendem (em vez de se apagarem) e a imagem em scope aparece em “letterbox”, em vez de cobrir a tela inteira. E o problema do som, que deveria ser bem caprichado, pois Dolby Atmos, persistiu. Inclusive, antes do filme começar, exibiram a vinheta do Atmos. Saí para reclamar logo dos três problemas de uma só vez: luzes acesas, som médio abafado (o pior de tudo) e a tela scope limitada (algo que já aturei sem reclamar em outras ocasiões, em outras salas da cidade).

As meninas que me atenderam foram bem atenciosas e tentaram resolver os três problemas, entrando em contato com o projecionista. Uma delas até disse que estava assim porque o som era Atmos, mas isso definitivamente não se justificava - ao contrário, isso deveria significar um som de altíssima qualidade. A tela, quando tentaram resolver, acabou por esconder as legendas, e voltaram como estava antes. Mas era o som que me incomodava especialmente. Não conseguiria me concentrar durante as mais de duas horas de filme daquele jeito. Pedi desculpas e disse que ia embora. Até me ofereceram um "vale" para uma próxima visita, para usar quando consertassem o problema, mas moro longe demais para fazer esse tipo de "vistoria". Não ganho para isso. 

Senti-se um pouco malvado (e, consequentemente, um tanto culpado) com o fato de sair de lá parecendo um desses críticos antipáticos de restaurante que vejo nos filmes, ainda mais não aceitando receber em parte o prejuízo do ingresso comprado, mas é que não queria dar viagem perdida e por isso corri para ver o filme no Cinépolis RioMar, que o exibia em um horário 15 minutos mais tarde. Logo, se eu corresse, chegaria a tempo. E deu certo, já que não havia fila para comprar ingresso e nem mesmo espectadores no cinema, o que é uma tristeza - na outra sala também só havia um casal na sala. Saudades de quando entrava em em qualquer dia ou noite numa sala de cinema e sempre havia público.

Ao entrar na nova sala, vazia, e já percebendo uma diferença enorme, comecei a me acalmar e sentir um pouco daquela paz de estar na sala escura em um estado de quase suspensão do tempo. Uma paz que experimento há mais de 30 anos.

Mas falemos do filme em questão, que deveria ser o objeto desta postagem, mesmo não sendo um grande filme. Confesso que o que mais me atraiu em UM LUGAR BEM LONGE DAQUI foi a presença da inglesa Daisy Edgar-Jones, a atriz que eu aprendi a amar em NORMAL PEOPLE, que aliás é uma série que também lida com dois estados aparentes de sua beleza.

Além do mais, sendo ela inglesa, seria no mínimo interessante vê-la no papel de uma moça brejeira do sul dos Estados Unidos. E a atriz não se saiu ruim, não. O problema talvez esteja na direção e no roteiro mesmo. E o roteiro talvez não quisesse inventar algo que não estivesse no best-seller, por alguma obrigação ou auto-obrigação de ser fiel à obra original. Digo isso apenas como suposição, já que não li o livro. 

UM LUGAR BEM LONGE DAQUI é uma espécie de filme de tribunal cuja maior parte da ação se passa em flashbacks que nos levam à história da protagonista desde sua infância, quando foi abandonada pela família, que por sua vez estava fugindo do pai alcóolatra e violento. Assim, ela mora com o pai até a idade adulta. A jovem, conhecida pelos habitantes da cidade como "moça do brejo", vai parar no tribunal acusada de ter assassinado um rapaz. Vendo sua história conhecemos o tal sujeito, bem como um outro que a ensina a ler e escrever. 

Gosto de como a história termina, por mais que não seja exatamente uma surpresa. Até porque, após sofrer agressões físicas e psicológicas, ela precisava tomar uma atitude. Acho uma pena que o filme não explore de maneira mais incisiva e poética a relação dela com a natureza e com as poucas pessoas que a acolhem, mas nem sempre se pode ter tudo e filmes medianos também devem ser vistos. O resultado aqui é um “Supercine" apenas razoável.

+ DOIS FILMES

VIRAR MAR (Meer Verden) 

Não deixa de ser curioso ver um projeto gestado de maneira tão pouco convencional, como este  VIRAR MAR (2020), de Philipp Hartmann e Danilo Carvalho, que aparentemente foi todo feito de forma muito intuitiva, tentando encontrar caminhos a partir de ideias e dos acasos que surgiram ao longo da trajetória das filmagens, que demoraram vários anos. Senti falta de mais paixão da parte dos realizadores e também de foco, mas talvez tenha faltado algo que me deixasse um pouco mais conectado à obra. A ideia é curiosa, apontando os extremos entre o sertão cearense carente de água e uma região da Alemanha prestes a ser inundada pelo mar por decisão de uma unidade da federação. A parte brasileira aparentemente tem um peso maior, principalmente quando entra em cena um cineasta popular de Quixadá. É interessante ver o quanto esses novos documentários tentam cada vez mais se libertarem das amarras do gênero, tornando-se filmes mais livres e com uso cada vez mais evidente da atuação e da interferência de seus realizadores para a geração de uma mise-en-scène mais cuidadosa. 

CONTRATEMPOS (À Plein Temps) 

Junto com O ACONTECIMENTO, de Audrey Diwan, CONTRATEMPOS (2021) encabeça a lista dos melhores títulos presentes no Festival Varilux de Cinema Francês deste ano. E o que temos aqui é daqueles filmes de tirar o fôlego, já que é muito fácil se colocar no lugar da protagonista (Laure Calamy), que mora em uma cidade mais ou menos afastada de Paris. Ela está na posição de mãe solo - o pai das crianças não aparece - e ela procura em paralelo ao emprego de camareira de hotel cinco estrelas um outro trabalho melhor, que faça jus a seus títulos universitários. Ela ainda tem que lidar com uma greve geral dos transportes em Paris, entre outras coisas. O filme nos deixa tão acelerados e cansados quanto a mulher, e isso em menos de uma hora e meia de duração. Tudo está em seu devido lugar neste segundo longa-metragem de Éric Gravel, que merece atenção como diretor, mas cujo trabalho deve demais à onipresença de Calamy, atriz que eu só conhecia até então de pequenos papéis. 

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