terça-feira, junho 30, 2020

ESPELHO DE CARNE

Não recordo exatamente o ano em que vi pela primeira vez ESPELHO DE CARNE (1985) na televisão. Mas lembro do impacto que foi quando o vi, até por ter visto ainda muito jovem, com os hormônios em ebulição e muito animado com as cenas sensuais que o filme trazia. Mas, ao mesmo tempo que o filme me atraía pelo bom erotismo, foi também uma obra que durante muito tempo eu dizia que era o filme brasileiro que mais me assustava.

O que é um grande mérito para um filme que explora bastante o erotismo e consegue fazer essa virada de chave quando se aproxima de seu final. Claro que podemos dizer que o diabo que a personagem de Hileana Menezes diz ver é uma metáfora das mais profundas culpas diante de tanta libertinagem/liberdade que o espelho aflorou, mas, há, sim, uma busca no filme por um tom de terror.

Tive o prazer de assistir a um debate com o diretor Antonio Carlos da Fontoura na Mostra de Cinema Curta Circuito, que neste ano teve que se reinventar, em tempos de quarentena, mas que teve o lado bom de possibilitar que pessoas de várias cidades do mundo pudessem ter acesso aos filmes e aos debates. Fontoura contou que houve, durante as filmagens, uma série de eventos estranhos acontecendo, como o fato de Hileana afirmar que de fato viu um demônio.

Hoje em dia, infelizmente, o filme é mais lembrado pela cena do "quem perder, vira", na qual Daniel Filho e Dennis Carvalho apostam o acesso ao traseiro do outro. Não deixa de ser uma cena simbólica, tanto do machismo que ainda impera, quanto da posição de superioridade da pessoa que está desempenhando o lado "ativo" do sexo. Além do mais, tanto Daniel quanto Dennis já eram vistos como pessoas bastante poderosas da Rede Globo. A cena ainda continua divertida. Mas a culpa é do espelho.

O espelho misterioso e que traz à tona os instintos mais primitivos e os desejos mais ardentes das pessoas que estão ali perto é comprado em um leilão e instalado no quarto de um apartamento de um casal burguês (Dennis e Hilieana). Três visitas surgem e também são contaminados pela força do espelho: as personagens de Maria Zilda e Joanna Fomm e o já citado Daniel Filho.

Baseado em uma peça de teatro que não chegou a ser encenada, o filme se passa quase que inteiramente dentro do apartamento, principalmente no quarto e na sala. Isso barateou bastante os custos e possibilitou que a produção, naqueles tempos de Embrafilme, fosse bastante viável, além de também continuar sendo atraente, em especial quando trazia elencos globais como esse. Eu, por exemplo, na época da novela GUERRA DO SEXOS, de 1983, era apaixonado por Maria Zilda. Eu ainda era criança, mas ela, junto com Maitê Proença, talvez tenham sido as minhas primeiras aspirações no campo da sexualidade.

Há uma cena especialmente carregada de sensualidade e de alta temperatura erótica, que é a cena da diarista, que chega para fazer faxina no quarto e, sob influência do tal espelho, começa a tirar a roupa e a se masturbar. A cena ainda tem muita força e é representativa também do abismo social, já que as mulheres ricas veem o ato daquela mulher na cama como sendo um ultraje.

Enfim, foi ótimo poder rever o filme e ainda ter a honra de participar do debate com o realizador.

+ TRÊS FILMES

REPÚBLICA DOS ASSASSINOS

Um privilégio poder testemunhar um dos momentos mais brilhantes do cinema brasileiro. E em um instante em que o povo brasileiro estava com muita coisa entalada na garganta. Daí mostrar a polícia como um bando de bandidos prontos para executar as pessoas a sangue frio e como uma alegoria do país em tempos de ditadura. Além do mais, que puta elenco! Que interpretação assustadora do Tarcísio Meira! Que linda que está Sylvia Bandeira (mais ainda do que em BAR ESPERANÇA!) Que foda que é a cena do beijo na boca de Anselmo Vasconcelos e Tonico Pereira ao som de Roberto Carlos. Direção: Miguel Faria Jr. Ano: 1979.

DE PERNAS PRO AR 3

Resolvi dar uma chance a este terceiro filme da franquia da Ingrid Guimarães pelo simples fato de ser a Julia Rezende dirigindo. E, mesmo sem ter visto os demais, creio que possa ter feito alguma diferença. Ainda que ela tenha pegado uma franquia em andamento. Não sendo um filme para gargalhar o tempo todo, mas uma história de rejeição e readaptação de uma mulher, o filme tem força em vários momentos. Mas eu diria que muito da força está no elenco jovem: na menina que é a suposta rival da protagonista (Samya Pascotto - onde encontraram essa menina?) e no filho. Algumas cenas foram prejudicadas pelo excesso de exibição nos trailers. Ano: 2019.

UMA NOITE EM SAMPA

Diverti-me bastante com esta comédia sobre o medo paralisante gerado em boa parte pela paranoia das classes mais privilegiadas. Mas é verdade que é um dos trabalhos mais irregulares do Ugo Giorgetti. Ano: 2016.

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