terça-feira, janeiro 31, 2006

CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS

 

Que maravilha que é esse CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005), de Marcelo Gomes. Fico até sem saber o que falar sobre o filme sem ter que repetir os elogios que tantos já escreveram a respeito. Se não me engano, o filme estreou em São Paulo e no Rio na mesma semana de CIDADE BAIXA, de Sérgio Machado. Os dois títulos são representativos de um novo cinema brasileiro, mais modesto na produção, mas ambicioso na realização. O filme de Marcelo Gomes teve distribuição em menos salas, provavelmente por não contar com nenhum ator global. Por isso o filme ficou restrito apenas ao circuito alternativo e infelizmente não deve parecer muito atraente para pessoas desavisadas. Mas o importante é que quem se permitir vê-lo vai passar 90 prazeirosos minutos na sala escura. 

O filme começa com a tela bem clara, quase que toda branca, com a luz estourada, dando pra ver apenas, pelo retrovisor do caminhão, o rosto de Johann (Peter Ketnath), alemão fugido da Segunda Guerra Mundial que agora vive de vender aspirinas pelo Brasil. Ele usa o cinema como meio de divulgação da então pouco conhecida pílula. Ele arma um pano branco à noite, em pequenos vilarejos, e passa filmes promocionais sobre a pílula. Para o povo do interior que nunca tinha visto cinema, aquilo é uma maravilha; representa a chegada do progresso em suas vidas. É no sertão que Johann conhece Ranulpho (João Miguel), que fica trabalhando com ele como ajudante. Ranulpho tem uma personalidade ácida, vive dizendo que o lugar onde vive não presta, que quer mesmo é se mudar para o Rio de Janeiro e ser bem sucedido na vida. Numa cena em que Johann leva uma picada de cobra e acha que vai morrer, Ranulpho diz pra ele, numa maneira pouco gentil de consolá-lo: "vaso ruim não quebra". Já Johann, acha tudo muito interessante, curioso, e se sente feliz em estar num lugar onde, pelo menos, não caem bombas do céu. Enquanto isso, Ranulpho diz: "no Brasil, nem guerra chega." A amizade dos dois vai crescendo, à medida que eles vão se conhecendo e mostrando suas diferentes visões de mundo. 

Assim como o alemão, que acha interessante as pessoas e o modo de vida dos sertanejos, não deixa de ser curioso o fato de o cinema nacional se voltar constantemente para o nordeste brasileiro, já que é um dos lugares que ainda conserva algo de exótico para aqueles que vivem em cidades mais cosmopolitas. Acho que desde o cinema novo que o nordeste é território de grande potencial cinematográfico. Os desertos, as árvores sem folhas, o sol escaldante, os cactus, a vida sofrida, tudo contribui para tornar o sertão nordestino um prato cheio para quem deseja contar uma história com um tempero de sofrimento. Espero que essa turma, formada por Marcelo Gomes, Karim Ainouz, Paulo Caldas e Sérgio Machado, cineastas que vivem no Nordeste e que estão contribuindo para a descentralização do cinema brasileiro, durante muito tempo centrado no eixo Rio-São Paulo, espero que eles recebam o respeito merecido daqueles que detêm o dinheiro para as produções, para que possam nos mostrar mais dessas pequenas pérolas.

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