quarta-feira, janeiro 04, 2006

GEORGES FRANJU EM DOIS FILMES



Simplesmente uma maravilha esse DVD de OS OLHOS SEM ROSTO (1959), lançado no Brasil pela Magnus Opus. Ao que parece, é copiado do DVD americano da Criterion. Além da obra-prima de Franju, o DVD ainda vem com o excepcional curta/documentário SANGUE DAS BESTAS (1948), primeiro trabalho solo de Franju. Antes desse filme, ele havia apenas dirigido um curta em parceria com Henri Langlois, o mais célebre dos diretores da Cinemateca Francesa. Aliás, Franju foi co-fundador da Cinemateca, ao lado de Langlois.

Além dessas duas preciosidades, o DVD ainda vem com duas pequenas entrevistas de Franju, onde ele esclarece alguns pontos importantes de sua obra, como a utilização de cenas de frieza cirúrgica com o objetivo de trazer o horror pra mais perto da realidade. O DVD também vem com textos diversos. Além de uma pequena biografia do cineasta, tem também um texto dele sobre Fritz Lang. Fiquei sabendo que Franju considerava Luis Buñuel o único surrealista do cinema e o melhor cineasta do mundo. O homem tinha bom gosto.

OS OLHOS SEM ROSTO (Les Yeux sans Visage)

Tinha enorme vontade de ver esse filme desde que li um texto sobre ele que saiu na saudosa Cine Monstro. (Digo "saudosa" porque sei que essa nova encarnação da revista, mais magrinha, não é a mesma coisa.) OS OLHOS SEM ROSTO é um filme que une o horror e a poesia como poucos. Na trama, cirurgião plástico tenta conseguir "doadoras" de rosto para que ele possa fazer um transplante na filha, que teve o rosto totalmente desfigurado num acidente. A jovem anda triste pela casa com uma máscara que lhe dá um ar ao mesmo tempo angelical e sinistro. O cirurgião conta com a ajuda de uma assistente - Alida Valli, de AGONIA DE AMOR, de Hitchcock, e O GRITO, de Antonioni - que lhe traz as jovens até sua casa, situada próxima a um bosque. Ela o ajuda como forma de gratidão pelo fato de o médico ter-lhe ajudado a reconstituir seu rosto. O filme tem uma cena de retirada da pele do rosto bastante realista. Deve-se louvar os efeitos de maquiagem. Uma outra cena inesquecível e que causa horror e angústia é a da moça que foge depois de ter seu rosto retirado. A seqüência final é igualmente bela e poética.

Curiosamente, no ano passado ocorreu o primeiro transplante de rosto. Só não sei se a cirurgia (parcial) foi bem sucedida, se não houve nenhuma rejeição do tecido.

SANGUE DAS BESTAS (Le Sang des Bêtes)

São apenas 20 minutos, mas foram suficientes para me deixar completamente desnorteado. SANGUE DAS BESTAS é um documentário sobre a rotina de um matadouro de animais em Paris. A narração fria contrapõe com as imagens cruéis de execução dos animais. O primeiro animal que o filme mostra sendo abatido é um cavalo, um dos pratos favoritos dos franceses, como também pode ser visto no curta CARNE, de Gaspar Noé. Mas o curta de Noé perde feio para o documentário de Franju, que toca fundo na perversidade e hipocrisia humana. Ver, por exemplo, uma vaca sendo despedaçada ou dezenas de ovelhas sendo abatidas é de uma crueldade tremenda. Engraçado que às vezes perdemos a noção de que aquilo que estamos comendo no prato um dia já esteve vivo e andando. Vi esse filme antes do almoço e cheguei a perder o apetite. O impacto foi até maior do que a primeira vez que ouvi "Meat is murder", dos Smiths. E nem foi preciso que Franju nos fizesse um apelo. O filme é frio como uma intervenção cirúrgica. Franju acreditava que mostrando o filme dessa maneira obtinha-se um resultado mais perturbador na mente do espectador. É mais ou menos como aquela cena do Hannibal Lecter comendo um pedaço do cérebro do Ray Liotta, enquanto ele está vivo em HANNIBAL, de Ridley Scott. O fato de Liotta estar vivo e sorrindo tornou aquilo muito mais impactante!

P.S.: No site do Cineprojeto 365, tem uma excelente crítica do Fabrizio Barberini sobre o filme. Aproveito para avisar que o novo site da turma já está pronto e que em breve contará com textos inéditos. Por enquanto, já é possível apreciar o belo trabalho de web design que o Estêvão nos prestou.

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