sexta-feira, março 19, 2004

A PAIXÃO DE CRISTO (The Passion of the Christ)



“Por isso é duvidoso ter-se despedido Cristo da vida com as palavras da escritura, as de Mateus e Marcos, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste, ou as de Lucas, Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito, ou as de João, Tudo está cumprido, o que Cristo disse foi, palavra de honra, qualquer pessoa popular sabe que é esta a verdade, Adeus, mundo, cada vez a pior.”
(José Saramago – "O Ano da Morte de Ricardo Reis")

Hoje fui ver o filme que eu mais aguardava nesse ano. Fiquei interessado desde as primeiras notícias que li sobre as filmagens. Achei fascinante a idéia de se fazer um filme relatando as últimas horas de Jesus, utilizando-se das línguas originais, latim e aramaico. Mas depois vieram as notícias polêmicas: o anti-semitismo que o filme tem provocado, o excesso de violência nas cenas do flagelo de Jesus, o sofrimento físico pelo qual passou Jim Caviezel durante as filmagens (dizem que até um raio caiu perto de sua cabeça), os depoimentos de Mel Gibson dizendo que o filme foi dirigido pelo Espírito Santo, a notícia de que uma mulher morreu de ataque cardíaco enquanto assistia ao filme nos EUA, entre outras.

Boa parte disso aí é verdade. Há, sim, no filme, uma tendência a depositar a maior parte da culpa da morte de Jesus aos judeus. Mas até que Gibson suaviza um pouco, colocando Satanás, perto dos fariseus, os enfeitiçando e os dominando. Nos evangelhos, Satanás nem aparece nessas últimas horas de Jesus na Terra. Na Bíblia, a culpa é toda dos homens, ao mesmo tempo que é um plano divino com o objetivo de se cumprirem as profecias de Isaías e Jeremias.

No filme, os homens são pintados de maneira exagerada, principalmente os fariseus, liderados por Caifás, e os flageladores romanos, que insistiam em ficar rindo a cada chibatada que davam em Jesus. Mas o que pode incentivar ainda mais o ódio do povo aos judeus é o fato de que, no filme, Pilatos, o governador romano da Judéia, é mostrado quase como um homem bondoso.

Tirando esses problemas, até difíceis de se evitar, levando-se em consideração a necessidade de se mostrar a maldade humana de maneira explícita, o filme é um sucesso (e não falo apenas financeiramente). As seqüências mais emocionantes são as cenas do afeto de duas mulheres: Maria, mãe de Jesus, durante o trajeto para o Calvário, falando com o filho, e a cena em que outra mulher tenta dar água a Jesus, mas é impedida pelos guardas romanos.

Por falar nisso, muito bonita a seqüência que mostra Jesus dando uma demonstração de afeto à sua mãe, enquanto exercia o ofício da carpintaria, durante um dos flashbacks. Isso foi uma das liberdades que Mel Gibson tomou, já que na Bíblia não há demonstração de afeto de Jesus para com Maria. Outra liberdade tomada por Gibson foi colocar a cena do corvo bicando o olho do ladrão crucificado que zombava de Jesus. Mas essas liberdades funcionaram muito bem.

O espetáculo de violência e perversidade humana termina em clima de alívio, com a cena da chuva no Calvário, da destruição do templo de Jerusalém, e o desfecho no sepulcro. A PAIXÃO DE CRISTO não é um filme que eu veria novamente tão cedo. É muito intenso e doloroso pra se ver várias vezes, mas é bom tanto quanto cinema, quanto como demonstração de fé.

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