quarta-feira, agosto 20, 2008

BODAS DE PAPEL



Tem alguns filmes que, apesar de suas falhas, simplesmente nos conquistam. Não posso dizer que gostei de tudo que existe em BODAS DE PAPEL (2008), mas foi um filme que me "pegou", digamos assim. Talvez pela estranheza de se parecer demais com o cinema francês de cineastas da Nouvelle Vague. Assim, vemos o jeito de falar dos personagens e as cores esmaecidas do Rohmer oitentista, um aspecto metafísico de algumas obras de Jacques Rivette e uma narrativa à moda antiga, herdeira de François Truffaut. Nunca vi um filme brasileiro tão parecido com cinema francês. E isso muito me agradou. Mas não apenas isso. Se Helena Ranaldi não estivesse tão encantadora ou a estória de amor não fosse tão comovente, o filme não teria me entusiasmado tanto. Soube, através do blog do Merten, que a esposa de André Sturm, o diretor do filme, morreu em trabalho de parto, junto com o bebê. Se eu já havia ficado comovido com o enredo do filme em si, fiquei ainda mais ao saber que o filme, ao lidar com a perda, deve ser extremamente pessoal e especial para o diretor.

O filme mostra o encontro de duas pessoas que se conhecem durante a "ressurreição" de uma cidade fictícia do interior de São Paulo chamada Candeias. A cidade havia sido evacuada para a construção de uma nova hidrelétrica que inundaria a região, mas, através da notícia de um jornal, tanto a personagem de Helena Ranaldi quanto o do argentino Darío Grandinetti ficam sabendo que o governo desistiu do projeto. Por isso, muitas pessoas retornam à cidade. Nina, a personagem de Ranaldi, resolve voltar para o lugar onde ela foi criada, o lugar onde ela guarda, principalmente, recordações ternas do avô carinhoso interpretado por Sérgio Mamberti, que surge nos flashbacks. Miguel, o arquiteto vivido por Grandinetti, é contratado para executar um serviço na cidade. E encontra-se por acaso com Nina. Aliás, acaso talvez não seja a palavra mais adequada, a não ser que ela seja sinônimo de força do destino, ou o termo em inglês "serendipity", citado diversas vezes durante o filme.

BODAS DE PAPEL se inicia com uma cena do personagem de Walmor Chagas recebendo uma ligação que o deixa surpreso, o que já dá um tom de mistério ao filme, tom esse já esperado por quem já havia visto o trailer, no qual Sturm escolheu, em vez da usual colagem de cenas como nos trailers convencionais, uma cena do casal no jardim, falando de forma enigmática sobre ter que fazer um sacrifício. Depois da ligação recebida pelo personagem de Chagas, entram os créditos com uma bela música, enquanto os nomes dos atores e da equipe técnica aparecem com belos arranjos visuais, dando ao filme, logo de início, um aspecto meio anacrônico, como se estivéssemos vendo um trabalho realizado há pelo menos uns vinte anos. Esse ar de perfume antigo que impregna o filme, junto com as interpretações dos atores e a estória de amor que é entrecortada por várias estorinhas que Nina resgata do que ouviu de seu avô, um sujeito que mais lembra a Dona Benta da primeira versão do SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO, tal a simpatia e o modo pausado como ele conta as suas estorinhas que tanto encantam a jovem Nina. E por mais que essas estorinhas não tenham tido em mim nenhum efeito atrativo ou de particular interesse, a estória de amor entre Nina e Miguel despertou e muito, tendo lembrado, inclusive, o CONTO DE INVERNO, de Rohmer. Mas o melhor mesmo não é ficar lendo sobre o filme. O melhor é curtí-lo e se deliciar com o seu andamento, com as surpresas e sua mágica toda própria.

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