
A minissérie mais comentada do momento conseguiu também me chamar a atenção, apesar de minha atual resistência a produções televisivas, por falta de tempo até mesmo para ver os milhares de filmes para cinema que tenho ainda para ver nesta curta vida. Mas todo mundo estava falando a respeito e, como a minissérie só tem quatro episódios, resolvi encarar. E ADOLESCÊNCIA (2025) é um trabalho que nos ganha logo nos primeiros minutos, nos carregando pelo braço e a gente não faz questão de soltar mais. E quando acaba, com o episódio mais centrado nos pais do garoto de 13 anos que é o centro da trama, eu me peguei chorando e soluçando em determinada cena.
A saber: a cena em que a filha mais velha do casal, Lisa (Amelie Pease, estreante), aparece arrumada para sair. Afinal, era aniversário do pai. A garota sabia o quanto o pai e a mãe estavam sofrendo, mas não estava a par da conversa que o casal estava tendo no quarto, uma conversa expondo feridas abertas e buscando, talvez, compreenderem suas possíveis falhas. Ao falarem do filho, é como se ele tivesse morrido. E de fato morreu. Pelo menos, do modo como eles o conheciam. Nada mais será como antes.
Àquela altura, já havíamos ouvido e nos solidarizado com aqueles pais que, com um sentimento imenso de impotência, se perguntam o quanto são culpados pelo que aconteceu, o quanto foram falhos na educação que deram para o filho mais novo, ou o quanto foram omissos e não perceberam que havia algo de errado. A interpretação do casal, os gigantes Stephen Graham (também cocriador da minissérie) e Christine Tremarco é impressionante. Ver uma interpretação tão intensa quanto a desses dois atores nos lembra da beleza e da grandiosidade do cinema e da teledramaturgia britânicos, cuja tradição é conhecida, mas cujos títulos acabam ficando restritos aos espectadores do Reino Unido mesmo. Os dois em cena não interpretam os personagens: eles os vivem.
Criada por Stephen Grahan e Jack Thorne, ADOLESCÊNCIA tem seus quatro episódios dirigidos por Philip Barantini, que faz um trabalho primoroso ao conseguir trabalhar com o plano-sequência em todos os quatro episódios, integralmente, não importando quão desafiador seria. E é bastante desafiador principalmente nos dois primeiros episódios, que se passam em lugares diferentes: o primeiro na casa do menino Jamie (Owen Cooper, estreante e escolhido entre cerca de 500 outros candidatos ao papel), depois no carro da polícia a caminho da delegacia e depois em diversas áreas da delegacia. É de se imaginar que a forma pudesse atrapalhar o conteúdo, mas os realizadores conseguem a proeza de nos deixar tão envolvidos com o aspecto mais emocional que quase nos esquecemos desse aspecto particular adotado. O uso do plano-sequência em cada um dos quatro episódios não é apenas um gesto de exibicionismo por parte dos realizadores: ele funciona muito bem para nos deixar mais próximos da ação.
O plano-sequência de longa duração vez por outra surge. Sempre lembramos de FESTIM DIABÓLICO, de Alfred Hitchcock, e depois aparecem outros exemplos, como ARCA RUSSA, de Aleksandr Sukurov, todo filmado em um só plano, mas podemos nos lembrar de obras maravilhosas, como LONGA JORNADA NOITE ADENTRO, de Bi Gan, FILHOS DA ESPERANÇA, de Alfonso Cuarón, OLHOS DE SERPENTE, de Brian De Palma, O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER, de Michelangelo Antonioni; e PIECES OF A WOMAN, de Kornél Mundrunczó, entre outros.
Voltando a ADOLESCÊNCIA, eis um trabalho cujo hype se justifica até pelo tema. O boca-a-boca tem trazido mais e mais espectadores para a minissérie. Também pudera: o tema é quente e tem chamado a atenção de pais, professores e estudiosos da toxicidade masculina facilitada pelas redes sociais, que tem ajudado a culminar em crianças e adolescentes agredindo ou mesmo matando outros garotos e garotas. No filme, o menino Jamie é acusado de ter matado uma menina de sua idade da escola onde estuda. E por mais que isso pareça impossível de acreditar, tudo indica que é mesmo verdade, isso aconteceu. Para os policiais, resta agora descobrir o motivo e a arma do crime, uma faca.
E essa busca dos policiais acontece no segundo episódio, que se passa quase inteiramente na escola. E é nesse episódio que vemos o quanto o abismo geracional que sempre existiu entre adultos e adolescentes, mas que agora está muito maior. Já na década de 1950, esse tema veio à tona em JUVENTUDE TRANSVIADA, de Nicholas Ray, que flagrava uma mudança que estava acontecendo na sociedade naquele momento do pós-guerra. A rebeldia, a fúria juvenil e a incompreensão dos adultos de seus dramas viviam lado a lado com o rock’n’roll e a contracultura.
Atualmente, porém, essa distância parece muito maior, já que o mundo habitado pelos adolescentes, o mundo das redes sociais, é um outro muito distinto, com regras próprias, uma outra linguagem e muitos perigos, como o do movimento Incel, fenômeno recente que tem afligido e intoxicado muitos meninos que se sentem rejeitados pelas meninas, por algum motivo, sendo que muitos desses motivos são fictícios, trazidos à tona por pessoas maliciosas, e que acabam gerando uma cultura misógina. A série convida à discussão sobre a masculinidade nos dias de hoje, e esse aspecto é tratado em especial no terceiro episódio, em que Jamie tem uma sessão de terapia com uma psicóloga (Erin Doherty), numa cena cheia de muita tensão e incômodo.
+ TRÊS FILMES
SING SING
É tanto um espaço para o brilho das atuações de Colman Domingo e do ator-revelação Clarence Maclin, quanto um filme sobre o quanto a arte pode trazer dignidade e compreensão da própria existência, ainda que dentro dos muros de uma penitenciária. Gosto muito da fala de um dos diretores da companhia de teatro, que fala sobre a importância de se abrir, de ser vulnerável, e o quanto isso é raro entre os homens. Senti falta de uma maior conexão emocional (de minha parte) com o filme e com os personagens, embora tenha gostado muito dos personagens e de seus dramas pessoais. SING SING (2023) também tem o mérito de não julgar e nem nos incentivar a julgar os erros daqueles homens. Não se trata de novidade no cinema, é claro, mas talvez o diretor Greg Kwedar tenha conseguido mostrar isso de maneira diferente, com uma intenção deliberada de usar uma fotografia despojada, com um negativo em 16 mm e depois ampliado para 35, para passar depois para o digital. A câmera na mão não chega a incomodar e ajuda a trazer dinamismo para um filme quase sempre centrado num espaço fechado. Destaque também para o roteiro que se adequou bem às vozes daqueles ex-detentos.
A VERDADEIRA DOR (A Real Pain)
Esta nova experiência na direção de Jesse Eisenberg é uma espécie de road movie. E como acontece nesse subgênero, durante a jornada, as pessoas vão se conhecendo e algo muda em suas percepções de mundo. No caso dos primos vividos por Eisenberg e Kieran Culkin, eles não podiam ser mais diferentes: Eisenberg é o sujeito fechado, tímido, desconcertado diante das relações sociais; Culkin é o rapaz que por vezes esconde sua condição de depressivo na figura de alguém que brilha sem muito esforço, é descolado e corajoso. Ambos fazem uma viagem para conhecer a terra natal da avó, recentemente falecida, na Polônia. E na excursão, há até uma visita a um campo de concentração. Mas eu diria que a melhor cena de A VERDADEIRA DOR (2024) não vem de Culkin, o vencedor do prêmio de coadjuvante no Oscar 2025 (sendo ele um dos protagonistas), mas a cena em que Eisenberg faz um oversharing, ou seja, compartilha muitas informações delicadas ao grupo, durante um jantar. Esse é talvez o melhor momento do filme. Gosto também das cenas finais, destacando ainda mais as condições psicológicas e de vida dos dois. É um filme pequeno que tem seus momentos tocantes.
TODO TEMPO QUE TEMOS (We Live in Time)
O título original em inglês faz mais sentido para o filme do que o brasileiro. Ou seja, "Nós Vivemos no Tempo" pode não ficar tão poético, mas dá uma dimensão melhor do que o filme apresenta. Com uma narrativa fragmentada e montada fora da ordem cronológica em boa parte do tempo, todos os momentos que vemos o casal vivido por Florence Pugh e Andrew Garfield são importantes, desde o dia que se conheceram, passando pelo diagnóstico de câncer, pela gravidez e o que viria na conclusão, cada cena parece importante (a cena do parto é ótima!). Eu até destaco um momento em que nada realmente importante parece acontecer e que me deu um senso de força maior do que na maior parte da trama: acontece quando a personagem de Pugh se estressa diante de um desafio, vomita do lado de fora do restaurante e olha para o céu e a câmera mostra uma inclinação na imagem por alguns segundos. Até poderia dizer que um dos méritos de TODO TEMPO QUE TEMOS (2024), de John Crowley, é trabalhar com certa sutileza o registro do melodrama, quando se tem tudo para apresentar uma história muito mais carregada, levando em consideração os ingredientes. Acontece que já se contou muita história sobre pessoas que lutam contra o câncer (eu até tenho meus favoritos: LAÇOS DE TERNURA, MINHA VIDA, A GUERRA ESTÁ DECLARADA etc.) e o desafio agora é contar uma história de maneira tão diferente quanto sensível. E creio que o filme consegue esse feito. E muito pela ótima química entre seus atores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário