terça-feira, julho 11, 2023

PROFISSÃO: REPÓRTER / O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER (Professione: Reporter / The Passenger)



Algo que não ando com paciência atualmente de consumir dentre os extras de DVD e BluRay são os comentários em áudio. Para falar a verdade, eu conto nos dedos das mãos os comentários que ouvi/li que realmente achei prazerosos ou enriquecedores. O problema é que as pessoas responsáveis pela organização desses extras convidam pessoas que acabam não oferecendo muita informação relevante e o que vemos são, por exemplo, parte do elenco descrevendo cenas que já estamos vendo e às vezes ficando em silêncio porque não têm nada mais a dizer. Foram três os filmes que acabei desistindo de ver os comentários em áudio recentemente, mesmo já tendo passado de meia hora: UM DE NÓS MORRERÁ, com comentário do diretor Arthur Penn (até achei mais enriquecedor, na verdade, mas deu preguiça em determinado momento); ELES VIVEM, com comentário do diretor John Carpenter e do ator Roddy Piper; e este de PROFISSÃO: REPÓRTER (1975), de Michelangelo Antonioni, com comentários de Jack Nicholson.

Acredito que o próprio Antonioni, se estivesse vivo e com saúde, não toparia fazer esse tipo de coisa. Ele mesmo disse em entrevista que o papel do diretor é fazer o filme e não ter que explicar nada. Mas Nicholson tem uma ligação forte com o filme. Ele dizia que era o seu favorito, e chegou a comprar os direitos da obra, logo após seu lançamento nos cinemas. Isso fez com que O PASSAGEIRO (o título da mídia física no Brasil é “O Passageiro – Profissão Repórter”, enfatizando o título internacional mais que o italiano) ficasse fora de circulação até 2003, quando o ator entrou em negociações com a Sony para relançar a obra nos cinemas. Eu lembro que havia visto o filme em VHS, na aurora de minha cinefilia, sem compreender direito a trama ou sem entrar muito no clima.

Aí, escolhi este filme para 2023, assim como no ano passado havia aberto o ano com O DESERTO VERMELHO (1964), também de Antonioni. De certa forma, O PASSAGEIRO é até mais fácil de compreender e de acompanhar do que O DESERTO…, pois há um fiapo de trama, semelhante a um thriller convencional, mas que, Antonioni sendo Antonioni, acaba criando quase um anti-thriller, como já havia feito com BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO (1966), possivelmente o meu favorito do cineasta, embora eu tenha muitas lacunas e revisões para fazer ainda de seus trabalhos.

Tanto O PASSAGEIRO quanto O DESERTO VERMELHO fazem parte de uma possível obsessão do cineasta por espaços desérticos – ele também usou o deserto em ZABRISKIE POINT (1970) – para a construção de uma paleta de cores bem própria. Antonioni tem um estilo de direção muito pensado, e por isso ele às vezes faz questão de fazer mudanças nas cores de uma determinada parede de um edifício de locação, por exemplo. Mas o grande momento dessa coreografia do diretor no filme é o famoso plano-sequência final, tão fantástico e que é uma dica e tanto para que o espectador pense e repense os significados, as motivações e as intenções do mestre da incomunicabilidade.

Há algo de muito enigmático na figura de David Locke (Jack Nicholson), um repórter que assume a identidade de um homem morto, sem saber que esse homem é um traficante de armas. É um tipo de situação que renderia uma boa comédia, aliás, mas há pouco espaço para o humor aqui. Ainda assim, eu diria que é uma situação que Nicholson já havia vivenciado de maneira diferente em CADA UM VIVE COMO QUER, de Bob Rafelson, que também trazia um protagonista que queria se desfazer de sua vida, se transformar em outra pessoa, e atua geralmente num estado de tédio frente à vida e às situações por que passa.

Como há muito silêncio, há espaço para que o espectador tente decifrar os personagens de poucas palavras vividos por Nicholson e Maria Schneider. A atriz, cuja maior lembrança vem do controverso ÚLTIMO TANGO EM PARIS, de Bernardo Bertolucci, replica seu jeito doce e frágil. Ela quer entrar na vida de David Locke, ela quer ajudá-lo nesse processo de ser outro homem, mesmo sabendo que se trata de uma aventura perigosa, já que essa nova identidade pertence a um traficante de armas. Daí o tom de crônica de uma morte anunciada que o filme promove de maneira muito particular.

Filme visto no box Antonioni Essencial, que traz comentário em áudio, extras e livreto com ensaio de Raphael Cubakowic para esse filme.

+ DOIS FILMES

MILAGRE EM MILÃO (Miracolo a Milano)

Eis um filme que até hoje ainda confunde aqueles que esperam por um "autêntico" filme neorrealista, seja lá o que isso signifique. Eu, que havia visto outros sete filmes de Vittorio De Sica, não estava preparado para MILAGRE EM MILÃO (1951), justamente por estar habituado com o tom mais realista deles - até uma comédia como NEGÓCIO A ITALIANA (1963), de uma outra fase, tem um pé bastante fincado na realidade. O que vemos aqui é uma fábula sobre um rapaz que tem uma visão de mundo muito otimista dentro de uma Itália afogada na miséria do pós-guerra. Recém-saído de um orfanato, ele ainda guarda os ensinamentos de sua mãe adotiva, e se mostra sempre generoso e disposto a ajudar as pessoas. Às vezes generoso até demais, como no momento em que ele dá de presente a sua valise ao ladrão que a havia roubado. O tom mais milagroso presente no título começa no terceiro ato, quando o personagem, líder de um grupo de desabrigados e que cria uma nova comunidade junto com eles, recebe um presente mágico do fantasma de sua falecida mãe. Isso muda o curso dos acontecimentos e mostra a que veio o filme, o que o tornou até mais atraente para mim, justamente por esse aspecto inusitado. Filme visto no box Neorrealismo Italiano.

SANCTUARY

Um banho de água fria para quem vai ver o filme pela sinopse. Ela é uma dominatrix. Ele é o dominado do jogo que resolve despedi-la. Ela não aceita. Os primeiros minutos de SANCTUARY (2022), de Zachary Wigon, trazem algo que mistura algum tipo de excitação interessante para quem curte ver jogos desse tipo, mas há, desde o início, algo também muito incômodo. Sem falar no fato de que o filme é muito limpinho. Acho mais problemático ainda o final, que escancara que a intenção do filme era outra o tempo inteiro. Não deixa de ser um jogo curioso que lida mais com as inseguranças dos personagens do que com suas fortalezas. Como Margaret Qualley e Christopher Abbott são os dois atores em cena o tempo inteiro, há que se dar o devido crédito pelo esforço. O diretor também se esforça para fazer do filme mais cinema do que teatro filmado.

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