domingo, julho 02, 2023

BLACK MIRROR – SEXTA TEMPORADA (Black Mirror – Series 6)



A mais famosa série sobre possibilidades assustadoras relacionadas ao comportamento humano em consequência da tecnologia muda um bocado nesta sexta temporada (2023). Depois dos três episódios pouco memoráveis lançados em 2019, BLACK MIRROR está de volta com uma leva de cinco novos minifilmes dirigidos, desta vez, por nomes menos conhecidos. Um dos pontos mais marcantes desta nova série de episódios está no quanto eles passam a abraçar mais o horror em detrimento da ficção científica, o que não constitui problema nenhum para mim, na verdade. Até ajuda a trazer algo de novo e de marcante, no saldo final. Mesmo que não tenhamos nenhum episódio excelente, todos são no mínimo bons. Além do mais, é sempre bom lembrar: BLACK MIRROR sempre foi uma série/antologia de horror. 

A Joan É Péssima (Joan Is Alwful)

O primeiro episódio, dirigido por Ally Pankiw (não conheço nenhum outro trabalho do currículo dela), trata daquela cisma que costumamos ter sobre sermos ouvidos por nossos computadores e celulares e logo ganharmos uma propaganda de algo que foi objeto de uma conversa recente. Na trama, Joan é uma jovem mulher que trabalha no RH de uma empresa e que, numa manhã, demite uma das funcionárias de maneira um pouco fria. Depois disso, ela recebe uma mensagem de um ex, com quem se encontra. Ao chegar em casa, liga a Netflix, digo, a Streamberry, uma versão satirizada da Netflix, para escolher um filme com o marido. Eis que os dois dão de cara com uma série chamada “Joan Is Awful” com uma mulher com o cabelo igualzinho ao de Joan, interpretada por Salma Hayek. A protagonista fica desesperada de verdade quando o episódio conta exatamente como foi o seu dia, só que com algumas liberdades para fins dramatúrgicos. O episódio é bem divertido e possui uma conclusão idem, embora esteja longe do brilhantismo dos melhores da série. De todo modo, há muita coisa interessante posta à discussão sobre a nossa sociedade que se acostumou a viver com a internet, com as mídias digitais e com os streamings. A atriz que faz a Joan principal é Annie Murphy, mais conhecida de quem assistiu a série SCHITT’S CREEK.

Loch Henry

Este é o primeiro dos episódios que mais destoa do que se espera da série. Na trama, acompanhamos um jovem estudante de cinema que retorna à região rural da Inglaterra, à casa de sua mãe, levando consigo a namorada norte-americana. A intenção de ambos, aspirantes a cineastas, é fazer um documentário sobre uma pessoa excêntrica da cidade. Acontece que a moça fica sabendo que a cidade esconde uma série de assassinatos brutais e convence o rapaz a mudar o objeto de estudo. O curioso é que a tecnologia usada enfatiza mais o velho VHS do que os recursos digitais, embora a questão principal seja uma crítica aos documentários de true crime. Há algumas cenas memoráveis com a mãe do protagonista. O diretor, Sam Miller, é conhecido por ser responsável pelos 12 episódios da aclamada série I MAY DESTROY YOU, que eu não vi até hoje, mas acho que estou perdendo coisa boa.

Além do Mar (Beyond the Sea)

Talvez o episódio com mais cara de BLACK MIRROR desta sexta temporada, pelo menos no que se refere a trabalhar com tecnologias, mas também por ser um dos mais perturbadores e incômodos. Na trama, Aaron Paul e Josh Hartnet são dois astronautas que têm uma missão no espaço e que possuem réplicas sintéticas na Terra, onde eles podem ter uma vida mais ou menos normal e respirar um ar puro, longe daquele cubículo espacial, embora precisem voltar para seus corpos orgânicos com frequência. Achei a ideia bem interessante. E fica ainda mais após os eventos trágicos envolvendo a família de um deles. O diretor John Crowley (BROOKLIN, 2015) enfatiza bem as inseguranças dos personagens, seus desejos e seus aspectos mais sombrios.

Mazey Day

Frente à recepção no mínimo morna, surpreendi-me positivamente com "Mazey Day" (foto), dirigido por Uta Briesewitz, diretora de fotografia de THE WIRE. O chato é não poder falar muito da trama, nem mesmo de sua principal influência criativa, sob o risco de estragar as surpresas de quem ainda não o viu. Mas é possível dizer que o que temos é a história de uma fotógrafa (Zazie Beetz, CORINGA) que costuma ganhar dinheiro tirando fotos comprometedoras de celebridades. Depois de ser em parte responsável pela morte de um ator famoso, ela agora está à caça de uma atriz que esconde um grande mistério. Não se trata de um episódio tão bem dirigido ou com um rigor formal impressionante, mas são 42 minutos de interesse e envolvimento com a trama e os personagens, principalmente com a protagonista. Há algumas cenas desconfortáveis para quem tem sensibilidade a muitas luzes. Eu acabei tendo que virar o rosto alguns vezes por causa disso. Trata-se de mais um episódio que parece fugir um pouco da proposta inicial da série/antologia. Aqui a tecnologia apresentada é de 2006.

Demônio 79 (Demon 79)

Talvez "Demônio 79" tenha sido o episódio que eu menos gostei desta sexta temporada, embora o fato de trazer uma história assumidamente de horror, desde o começo, tenha me deixado feliz por essas escolhas de certa forma ousadas de Charlie Brooker, de mexer no template de sua série. A trama é de uma simplicidade tal que chegou a me incomodar em alguns momentos, principalmente pelas semelhanças com um filme recente de Shyamalan na ideia básica. O que acaba trazendo força e graça para a narrativa são justamente os momentos em que a heroína (uma jovem indiana que trabalha numa loja de sapatos, e que sofre preconceito em seu local de trabalho) segue em busca de matar as pessoas da maneira mais desajeitada possível. Aliás, outro ponto positivo de "Demônio 79" é o senso de humor. Ajuda muito a atuação de Paapa Essiedu (I MAY DESTROY YOU), como o tal demônio disposto a salvar a Terra, mas, principalmente, salvar a própria pele. Já a jovem Anjana Vasan é o oposto do estilo do demônio, com uma humildade que vai mudando à medida que ela vai assumindo a função de vigilante vingadora, no ato final. E por falar em final, adorei o modo como a história termina. O diretor do episódio, Toby Haynes, só tem no currículo trabalhos para a televisão.

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