O tempo vai passando, o corpo cansando devido à dura labuta e eu me peguei hoje lendo textos meus escritos para o blog em 2010. Era um tempo em que eu também reclamava da falta de tempo, de prazos para cumprir etc., mas tinha uma disciplina maior de escrever algo que justificasse a ida diária dos leitores ao espaço. Infelizmente, não é o que tem acontecido nos últimos anos por uma série de fatores. O maior deles, creio que seja o cansaço de estar dando aula durante dois turnos e o corpo ter reclamado bastante disso. Como estou também fazendo musculação, um dos outros motivos é o cansaço da academia, principalmente após um longo dia de trabalho.
Estou devendo meus dois tostões sobre um dos filmes mais badalados do ano. Confesso que me deu até um pouco de preguiça de escrever e mesmo refletir sobre, por mais que eu veja no filme várias qualidades. CORINGA (2019), de Todd Philips, chamou a atenção desde os primeiros trailers, mas, mais ainda, quando venceu o Leão de Ouro em Veneza. Afinal, não é todo dia que um filme de super-herói (super-vilão, no caso) ganha o prêmio máximo de um festival que tem o arthouse como produto principal.
Mas a verdade é que CORINGA não é um filme de super-herói como outro. Na verdade, Phillips poderia muito bem ter utilizado a imagem de qualquer palhaço que não o arquiinimigo do Batman para contar a sua história, derivada de O REI DA COMÉDIA. Aliás, só revendo o filme de Martin Scorsese que eu percebi o quanto CORINGA é devedor. É quase um remake ou uma reinvenção, inclusive com a participação especial de Robert De Niro, desta vez em um papel inverso, o papel de um comediante e apresentador de televisão famoso, e não o perseguidor maluco. Quem não reviu O REI DA COMÉDIA, veja. É impressionante a semelhança.
Mas CORINGA tem um ar mais trágico, é mais violento, e o sofrimento do protagonista, vivido com brilhantismo por Joaquin Phoenix, é até um pouco além da conta. Afinal, não basta sofrer bullying e ser rejeitado, ele também é espancado duas vezes no início do filme, em sequências que querem trazer o espectador para um sentimento de solidariedade, embora, nesse sentido, não seja bem-sucedido.
Afinal, por mais que possa haver uma identificação do público com o personagem, o que o filme parece querer é justificar os atos do personagem. Não necessariamente na primeira vez que ele mata, na cena no metrô, mas nas sequências mais próximas do final.
Por outro lado, a estranheza de certas cenas que parecem tentar trazer um pouco de glamour ou no mínimo dignidade para o personagem é um de seus maiores trunfos, e também o que mais deixa o espectador sem entender as motivações do realizador, como se o psicopata tivesse todo o direito de ser alçado a herói, com direito a canções e danças que remetem à velha Hollywood. A famosa cena da escada é um desses momentos bizarros.
Mas o que fica forte mesmo na memória do espectador é a risada de Arthur Fleck, uma risada que sai da dor e vem nos momentos mais inapropriados, como quando ele quer chorar e não consegue parar de rir. Isso acontece pelo menos umas três vezes em momentos bastante tensos do filme. Isso gera um desconforto impressionante. CORINGA também tem o mérito de trazer riso do público minutos após um momento de violência brutal, como na cena com o anão no apartamento. Enfim, é possível mesmo que CORINGA seja essa obra extraordinária que tantos críticos andam afirmando. O tempo dirá.
+ TRÊS FILMES
PROJETO GEMINI (Gemini Man)
Minha primeira experiência com high frame rate e em 3D. Muito interessante, mas acho que talvez a incompatibilidade com os novos aparelhos de projeção compliquem um pouco: às vezes gera má sincronia nos diálogos. Pelo menos foi o que aconteceu aqui, mesmo sendo numa sala ótima a que eu vi (uma XPlus da UCI). A trama é tão mais ou menos que imagina-se que ela tenha sido criada apenas depois da decisão de fazer um filme com a tal tecnologia e também de ter pensado os efeitos especiais de transposição de uma versão jovem do Will Smith. E ainda falham lá perto do final, com uns efeitos toscos. Mas gosto de um bocado de coisas do filme, desde os diálogos de filme de espionagem B, passando pela cena meio videogame com as motos, e os diálogos tortos do Smith com a Mary Elizabeth Winstead. Vale a ida ao cinema, especialmente para ver em 3D. É um dos poucos filmes recentes que valem a pena ver com essa tecnologia. Direção: Ang Lee. Ano: 2019.
SILVIO E OS OUTROS (Loro)
Acho tão difícil gostar de verdade dos filmes do Paolo Sorrentino. Mas não há como não negar uma marca, uma obsessão do diretor, o que não quer dizer que isso seja agradável. Ao menos é bom de ver pelo visual, pela beleza dos corpos femininos nus e seminus, pelo contraste entre velhice e juventude já bastante explorada em sua obra. Mas é também importante a gente ver pelo contexto político atual, de governantes de extrema direita. Perto de um tosco Bolsonaro, Silvio Berlusconi é de uma elegância fascinante. Fiquei na dúvida, aliás, se Sorrentino queria torná-lo patético. Toni Servillo, ótimo ator, acabou lhe dando até um pouco de honradez. Destaque também para uma outra ótima performance de Riccardo Scamarcio. Ano: 2018.
O GÊNIO E O LOUCO (The Professor and the Madman)
Eis um daqueles filmes acadêmicos chatos que só mesmo a presença de Mel Gibson e Sean Penn faz com que a gente fique até o fim da projeção. Há também o curioso caso da realização de um dicionário ambicioso, com o intento de congregar todas as palavras da língua inglesa. Gibson faz o estudioso de línguas escocês que lidera a difícil missão; Penn é o prisioneiro louco que o ajuda bastante, apesar das tantas dificuldades que sofre, inclusive pelo peso da culpa de uma morte. As cenas mais supostamente dramáticas são as que mais atestam a incapacidade do filme de funcionar. Direção: Farhad Safinia. Ano: 2019.
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