Uma das coisas que têm me deixado triste nos últimos anos é o fato de eu não poder mais ler livros velhos. A laringite alérgica tem incomodado bastante e basta eu pegar um livro empoeirado ou com qualquer coisa que faça minha garganta formigar que eu já vejo que aquilo é material para eu manter distância. Para quem tem uma mini-biblioteca com livros de cinema e quadrinhos, entre outros gêneros (romances, poesia, livros sobre música, espiritualidade etc.), isso é motivo para algum desânimo.
Por isso estava demorando para ir lá no "quarto dos livros" buscar o meu livro de entrevistas do Martin Scorsese, por Richard Schickel, a propósito de ter assistido a O REI DA COMÉDIA (1982) recentemente, muito por culpa da turma do Cinema na Varanda, mas também, por tabela, pelo efeito CORINGA. E para poder ler com tranquilidade as páginas em que o diretor trata do filme eu as fotografei. Que bom que ao menos os dias de hoje oferecem algum tipo de compensação: certas facilidades que um smartphone pode trazer, por exemplo.
Quanto à entrevista, o que me incomodou foi que o aspecto desagradável que o filme passa em nos colocar no lugar do personagem de Robert De Niro também se apresenta em toda a entrevista do Scorsese. É como se ele tivesse guardado todo o mal estar provocado por aquele período das filmagens e o materializasse para aquele momento. O fato de ele ter lembrado de um momento das gravações, quando Jerry Lewis o chama para conversar e lhe pedir para avisar quando não precisar dele naquela gravação, e como isso o deixou um pouco transtornado, tudo isso tem a ver com o que o filme passa.
O conceito de vergonha alheia talvez nunca tenha sido tão bem explorado por outro diretor. E se nos filmes de gângster do diretor isso aparece poderosamente (basta lembrar da cena do Joe Pesci sendo lembrado que foi engraxate em OS BONS COMPANHEIROS), aqui essa vergonha é elevada à enésima potência. Não basta apenas o sujeito chegar com uma fitinha para visitar o seu ídolo e ser reconhecido como ótimo comediante a ponto de ser apresentado na televisão; é preciso que ele seja tão inconveniente que passa a humilhação de ser jogado para fora pelos seguranças.
O personagem me lembrou muito um colega meu, da época do estágio no Banco do Nordeste. O sujeito, com o tempo, foi cada vez mais trazendo delírios sobre ter tido contado com tal artista, ou diretor, ou produtor, que iria viajar para os Estados Unidos para fazer curso de cinema etc. Um dia, encontrei-o na rua e ele falou que tinha acabado de tomar um café com a Norah Jones. É o tipo de coisa que me deixa bem perturbado, já que todos nós temos sonhos e temos frustrações, mas há pessoas que não conseguem lidar com a realidade. Talvez ela seja dura demais para elas.
No caso de Rupert Pupkin, o personagem de De Niro, ele nem se mostra engraçado em momento algum. A montagem do filme também não oferece nenhum momento que justifique o fato de ele ser minimamente engraçado ou inteligente (a inteligência e o humor andam lado a lado). Talvez apenas quando ele não se dá conta de sua doença, ao conversar com fotos em tamanho grande de Liza Minelli e Jerry Langford (o personagem de Jerry Lewis). Mas talvez nem seja realmente engraçado, apenas patético.
No mais, impressionante ver o filme e notar o tanto de citações e referências explícitas usadas por Todd Phillips para compor o seu CORINGA. Ou seja, o que Phillips fez foi uma nova versão de O REI DA COMÉDIA, ainda que menos brilhante e mais explícito na violência - o filme de Scorsese, por sua vez, eu tinha a má recordação de que era mais tenso na cena do sequestro.
+ TRÊS FILMES
VICE
Acabei gostando mais do que de A GRANDE APOSTA, talvez por já saber o que me esperava. E também por tratar de um assunto mais importante, no sentido de ter uma repercussão maior no mundo como um todo. E também por mostrar os bastidores do jogo de poder nas últimas décadas. Gosto da primeira metade do filme e acho que ele perde a força quando se aproxima do final. A gente fica um pouco esgotado do ritmo, aborrecido um pouco. E às vezes o diretor parece querer só mostrar que é inteligente ou engraçado. Se bem que eu até que gostei de algumas brincadeiras. Então tá valendo. Direção: Adam McKay. Ano: 2018.
A PÉ ELE NÃO VAI LONGE (Don't Worry, He Won't Get Far on Foot)
Gosto do filme, mas não sei por que Gus Van Sant optou por uma cinebiografia tão convencional. Por outro lado, a entrega emocional que ele pretende fazer do personagem vivido por Joaquin Phoenix é muito bonita. Não há o menor pudor em lidar com seus problemas, seus traumas, etc. Jonah Hill está quase tão bom quanto Phoenix aqui. E Rooney Mara está mais uma vez apaixonante. Ano: 2018.
DENTE CANINO (Kynodontas)
Depois de apreciar tanto os últimos filmes de Yorgos Lanthimos, é natural querer conhecer um pouco de sua obra pregressa. Acabei não entrando muito no clima deste DENTE CANINO, mas é um filme coerente com o que se veria depois. O diretor gosta de brincar com o patético e de mostrar histórias que lidam com regras bem bizarras. Ano: 2009.
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