
O gato é um animal incrível. Ele faz acrobacias impossíveis, parecendo uma espécie de super-herói. E ainda tem toda essa elegância no andar e no se portar. Além disso, o olhar do gato, especialmente quando endereçado à pessoa que ele ama e admira é tão tocante e bonito. O Jorginho, que vive comigo há mais de dez anos, é uma das criaturas de que mais gosto muito. E sei também que sou a pessoa que ele mais ama, justamente por ser quem mais se importa com ele. Quando ele desapareceu por uma semana durante a pandemia, eu ficava falando o nome dele na noite, esperando que ele me ouvisse, onde quer que estivesse. E quando ele chegou seriamente ferido, eu o recebi com um misto de alegria e dor, mas principalmente de alegria. Ele estava vivo e eu podia ajudá-lo a se curar, com a ajuda dos veterinários.
Foram meses em que ele teve que ficar trancado num compartimento para não fugir e porque estava com pontos na barriga, enquanto eu ficava muitas vezes sozinho conversando com ele. E a gente estabeleceu um vínculo muito forte nesse tempo. Demorou, e todos os dias eu tinha que fazer a assepsia cuidadosa, coisa que seria difícil em tempos em que tivesse que passar o dia fora trabalhando. O Jorginho é o gato que vive comigo, mas sempre que vejo gatos nas ruas ou nos filmes, fico encantado.
Então, fui ver FLOW (2024) já sabendo da possibilidade de me envolver com o filme, por ser um gato o protagonista. Não um gato falante, mas um gato que mia, assim como os outros bichos também não falam, mas latem ou fazem seus sons particulares. FLOW, do ponto de vista emocional, não é um filme fácil. Ao mesmo tempo que é fácil se envolver emocionalmente, além de nos pegarmos maravilhados com as imagens impressionantemente belas.
Logo no começo, o gatinho preto e solitário, que vive numa casa que provavelmente foi de seu antigo tutor num mundo pós-apocalíptico, aproveita a deixa para roubar o peixe pelo que um grupo de cães brigava. Ele foge com o peixe na boca, mas logo isso passa a ser a menor de suas preocupações, já que todos os animais da floresta correm de uma grande inundação, de uma forte onda que avança por aquele espaço verde. Essa cena já nos coloca numa situação de preocupação diante da vida daquele gato, ao mesmo tempo que nos deixa maravilhados diante do que os animadores foram capazes de fazer com tão pouco dinheiro, especialmente se compararmos com a animação produzida nos Estados Unidos ou no Japão.
O fato de o gato ser um animal que por natureza evita a água faz com que aquelas ondas gigantes e o nível das águas subindo serem elementos de muita preocupação e o gato tem nossa solidariedade o tempo todo. O mais bonito é quando ocorre uma reunião de diferentes bichos: um labrador, uma capivara, um lêmure e depois um pássaro. E esses bichos, naquela espécie de Arca de Noé sem Noé, como alguns disseram por aí, ou seja, numa solidão e tendo que se virar diante das intempéries daquele novo mundo mais aquático, esses bichos conseguem vencer suas diferenças e se unir para ajudarem um ao outro.
Ou seja, se no começo, o gato olha para o reflexo da água e se vê sozinho, agora ele tem uma trupe de amigos, o que diminui um pouco o clima de melancolia e de fim de mundo. Não sei o quanto o filme pode ser adequado para crianças menores (na minha sessão só havia umas três crianças, os demais eram adultos), mas diria, sim, que é um filme para ser visto por todos. Até por ser um lembrete, sem falar uma palavra sequer, de como o mundo pode se tornar se não cuidarmos dele a tempo.
FLOW ganhou o Oscar de melhor animação em longa-metragem, vencendo competidores de peso, como ROBÔ SELVAGEM e DIVERTIDA MENTE 2. O filme dirigido por Gints Zibalodis foi a primeira produção da Letônia a chegar ao Oscar. E representou uma verdadeira festa no país, que até estátua do gato ganhou, assim como um maior interesse do governo em investir mais no cinema a partir de agora.
+ TRÊS FILMES
WISH – O PODER DOS DESEJO (Wish)
O estúdio de animações da Disney precisa se reinventar se quiser voltar a ser interessante para seu público-alvo, que é (ou era) bem grande até um tempo atrás, e composto não apenas de crianças. Este aqui é mais um filme que tenta se aproveitar das fórmulas que o estúdio desenvolveu ao longo desses 100 anos de existência e que aqui busca homenagear. Para não dizer que desgostei de tudo de WISH – O PODER DOS DESEJOS (2023), de Chris Buck e Fawn Veerasunthorn, gostei um pouco da heroína, Asha, especialmente de sua rebeldia revolucionária. Não deixa de ser um belo exemplo para a molecada que quer se livrar de tiranos, especialmente os disfarçados de bonzinhos, como é o caso do rei feiticeiro Magnífico. A história até tem seus momentos interessantes, especialmente próximo da conclusão, mas chegar até lá é puxado. E quando chegam os momentos das canções, então? Imagino que sejam ruins no original, pois só ouvi dubladas - só tem cópia dublada nos cinemas daqui. Parece canção gospel industrial da pior qualidade.
WICKED (Wicked – Part I)
Na verdade, eu gostei mais de WICKED (2024), de Jon M. Chu, do que esperava, ainda que seu efeito sobre mim tenha sido ora de chateação (as cenas musicais raramente me ganham), ora de certa empolgação. Principalmente quando o filme ganha um tom mais sombrio, quando certas coisas parecem ganhar mais sentido, quando eu passo a me importar mais com a Elphaba ou com os animais. E as duas atrizes, Cynthia Eribo e Ariana Grande, também estão muito bem no papel. Isso é difícil negar. Minha questão com o filme talvez seja mesmo de pouco interesse por fantasia, por O MÁGICO DE OZ ou por musicais da Broadway no geral. E aqui há tudo isso junto. Por outro lado, quando a Glinda passa a contar a história de sua relação com Elphaba, que se tornaria a "Bruxa Má do Oeste", e depois vemos uma personagem que sofre bullying, passo a simpatizar com a ideia de dar voz a uma personagem amaldiçoada, e inicialmente pela cor. Ou seja, é bem provável que eu até veja a continuação no cinema. No ano passado, não estava muito bem de saúde e não quis encarar 2h40 de filme. Ainda mais que ele estreou na época do Cine Ceará, quando eu já me esforçava para ir do trabalho ao festival durante toda a semana. E teve toda a antipatia que o trailer me causou de início. E, sim, não teria visto se não fosse pelo Oscar.
AQUI (Here)
Para alguém que está com uma carreira praticamente apagada há quase 10 anos - lembro que ALIADOS (2016) teve uma repercussão razoavelmente boa – Robert Zemeckis conseguiu chamar a atenção com AQUI (2024), a adaptação da cultuada graphic novel de Richard McGuire. Nem lembro mais da história da HQ, mas talvez porque a história não seja importante. Já Zemeckis se ampara numa história, ainda que não abra mão da ideia original do quadrinho, principalmente a história da família de Paul Bettany, Tom Hanks e Robin Wright. As demais acabam perdendo a importância, justamente por não serem abordadas com interesse, a não ser por justificarem a própria lógica e ideia do filme de centrar as histórias apenas na sala de uma casa, ou no que seria essa sala no futuro. É um filme que nos lembra do caráter fugaz da vida, e cuja memória sendo desvanecida se explicita na personagem de Robin Wright, inclusive pelas falas dela. Diferente do marido, sua personagem quer fugir da paralisia enquanto a morte não a leva embora. Achei que ia ficar mais incomodado com os efeitos visuais, mas na verdade eles são incríveis. Quem não conhece Tom Hanks, por exemplo, pode comprar muito bem a sua imagem de adolescente perto do começo do filme. Gosto muito da conclusão também, muito sensível.
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