quinta-feira, janeiro 16, 2025

SOMBRAS DO MAL (Night and the City)



O livro Film Noir, da editora Taschen, editado por Paul Duncan e Jürgen Müller, adquiro em setembro por mim, traz um top 50 de filmes noir. E este SOMBRAS DO MAL (1950), de Jules Dassin, faz parte dessa lista, que conta com bons textos. Mas o que me motivou a ver, enfim, o filme desta vez foi ele ter integrado também o primeiro livro da Versátil de filmes noir (a e distribuidora publicou quatro pequenos livros dedicados a esse “gênero”, além de um sobre neo-noir e outro de noir francês).

Denunciado por Edward Dmytryk, Dassin optou pelo exílio. Recusou a ter que escolher entre delação e desemprego, como muitos de seus colegas tiveram que fazer. O próprio Dmytryk passou seis meses em prisão federal e teve uma carreira bem mais longa com essa amarga denúncia do colega. Assim era o cenário político do pós-guerra nos Estados Unidos. Saindo de seu país, Dassin faria filmes na Inglaterra, na França, na Grécia, na Espanha e no Canadá.

Nos extras do box Filme Noir Vol. 3 há uma entrevista/depoimento adorável de Dassin sobre a realização do filme, sobre sua condição de estar proibido de voltar a fazer filmes nos Estados Unidos por conta do macarthismo e o modo criativo com que ele dirigiu e criou um filme a partir de um livro que ele sequer chegou a ler. Assim, saber que a personagem de Gene Tierney, por exemplo, só foi incluída na trama por pedido do chefão da Fox Darry F. Zanuck, pra ajudá-la a superar a depressão, é um entre vários motivos que nos fazem gostar mais de SOMBRAS DO MAL, que com seu protagonista Harry Fabian (Richard Widmark) correndo feito louco para ganhar algum dinheiro ou para se manter vivo, é um exemplo perfeito da própria situação de Dassin naquele início de exílio na Europa, começando pelo submundo de Londres.

Eis um filme que não tem personagens tão queridos assim, mas é possível se solidarizar com o trapaceiro vivido por Widmark, que só queria ser alguém na vida e acabava por agir de maneira maníaca, que pode ser vista como uma crítica ao capitalismo. Como vi o filme após o posterior ANJO DO MAL, de Samuel Fuller, talvez isso tenha aumentado minha simpatia pelo personagem. (Aliás, uma curiosidade que acabei de ler no livro da Taschen: Widmark era a favor do controle de armas, achava um absurdo a venda facilitada de armas nos Estados Unidos, e morreu, coincidentemente, uma semana antes de Jules Dassin, em março de 2008. Ou seja, é possível que sua parceria com o diretor em SOMBRAS DO MAL não tenha sido meramente profissional.)

SOMBRAS DO MAL tem um quê de O TERCEIRO HOMEM, de Carol Reed, feito um ano antes nas ruas de Viena, com exceção da fotografia. Se no filme de Reed há um alto contraste entre preto e o branco, no filme de Dassin, o preto é mais apagado, com o cinza se acentuando bem mais, o que pode denotar tanto uma produção mais barata, embora possa ser também uma escolha do próprio diretor de fotografia, o alemão Max Greene. Essa semelhança com O TERCEIRO HOMEM se dá inclusive em algumas tomadas em que o protagonista, quase sempre em fuga, aparece várias vezes encostado nas paredes das ruas.

Há algo de trágico em Harry Fabian, em seu desespero em conseguir dinheiro, até mesmo roubando de sua própria mulher, como um viciado em drogas. A mulher, vivida por Gene Tierney, trabalha como cantora numa casa noturna. Há uma pequena subtrama em que somos apresentados ao vizinho da personagem de Tierney, e esse homem, obviamente interessado nela, aparenta ser uma figura bem próxima de alguém que vive na paz, numa espécie de versão tipicamente idealizada dos Estados Unidos dos anos 1950.

O personagem parece até descartável da trama, mas gosto justamente de como o filme parece sempre estar tateando, como o protagonista Harry, ou como o próprio Jules Dassin, naquele momento de sua carreira incerta. Além do mais, é desse personagem que surge uma definição muito interessante de Harry Fabian: “ele é um artista sem uma arte.” Ou seja, é como se pessoas que têm dotes artísticos e não encontram um meio de expressão, acabassem despejando sua criatividade em meios perigosos.

Aliás, os personagens secundários são muito bons. Há o dono da casa noturna Silver Fox, um homem gordo chamado Phil (Francis L. Sullivan), que vem percebendo que sua esposa está se distanciando dele, se esquivando de ter sexo com ele. A esposa (Googie Withers) está na verdade muito interessada em Harry, e disposta a deixar o marido para recomeçar a vida com o trapaceiro loiro. Há outros personagens secundários ótimos, como o velho lutador de luta grego-romana Gregorius (Stanislaus Zbyszko), um lutador veterano de verdade, apreciado por Dassin na infância. E há o filho de Gregorius, chamado Kristo (Herbert Lom), o verdadeiro inimigo de Harry, o maior promotor de luta livre da cidade e bastante disposto a derrubar ou mesmo matar Harry, caso ele não saia de seu caminho.

+ TRÊS FILMES

A ÚLTIMA FUGA (The Last Run)

Desde as primeiras cenas, com a música emotiva de Jerry Goldsmith, que A ÚLTIMA FUGA (1971) me pegou. Já se estabelece desde o início a melancolia e a solidão de Harry Grimes, o piloto de fugas aposentado vivido por George C. Scott, que naquele início dos anos 1970 estava vivendo uma época perfeita para personagens dessa linha. No ano seguinte, ele repetiria a parceria com o diretor Richard Fleischer para criarem a obra-prima OS NOVOS CENTURIÕES (1972). Este aqui é mais simples, mas talvez por isso até mais fácil de ser apreciado. Harry Grimes é um homem que se sente um pouco morto em sua aposentadoria e por isso aceita a nova missão de resgatar um rapaz numa fuga da penitenciária e levá-lo em segurança para seu destino. No caminho, ele conhece a namorada do rapaz, e em algum momento da trama cria-se uma espécie de triângulo amoroso. Há ótimas cenas de perseguição, as locações em Portugal e Espanha junto com a música fazem com que o filme pareça um policial europeu, e acredito que era essa a intenção de Fleischer mesmo. Eis um diretor incrível, que soube se adequar perfeitamente ao clima soturno do cinema americano daqueles anos. Visto no box Cinema Policial VI.

PREMONIÇÃO (Sette Note in Nero / The Psychic)

Fiquei bastante surpreso com este giallo de Lucio Fulci, principalmente por ser um de seus trabalhos em que o roteiro é muito bem trabalhado e há bem pouco uso de gore. O prólogo de PREMONIÇÃO (1977) até vende uma obra um pouco mais violenta do que ela realmente é. Assim, uma vez que nos aproximamos da personagem de Jennifer O'Neill (HOUVE UMA VEZ UM VERÃO), que tem uma estranha visão enquanto atravessa um túnel, e esses vários recortes começam a fazer sentido quando ela encontra um esqueleto na parede da mansão do marido, tudo o mais se torna muito interessante, em especial sua investigação, junto com o amigo estudioso de fenômenos paranormais. Gosto muito dos close-ups e dos zooms que Fulci usa para enfatizar os olhos e a expressão da atriz em seus momentos de apreensão e horror. Há uma homenagem bem explícita a um conto de Edgar Alan Poe e o filme segue uma linha de investigação e mistério que mostra que o diretor estava indo na contramão do que se convencionava esperar de um giallo naquela época, com muito sangue, violência e mortes espetaculosas. Visto no box Giallo Vol. 3.

CORINGA: DELÍRIO A DOIS (Joker: Folie à Deux)

Não sou nada fã de CORINGA (2019), o filme que introduziu o personagem nesta versão de Joaquin Phoenix. Dito isso, e já levando em consideração a chuva de críticas negativas que esta continuação musical tem recebido, até que achei interessante, por mais que tenha ficado claro que o diretor não sabia muito bem como concluir seu projeto. Gosto da primeira metade de CORINGA: DELÍRIO A DOIS (2024), da entrada envergonhada no musical e das cores, mas ao que parece a principal intenção de Todd Phillips era matar seu projeto inicial, torná-lo mais ridículo, mais fraco, mais loser ainda. Até porque o interesse amoroso do agora presidiário Arthur Fleck é uma mulher que gosta dele pelo que ele se transformou principalmente após o assassinato em rede nacional do primeiro filme. Se o primeiro filme era uma espécie de homenagem à Nova Hollywood, esse procura buscar homenagear os musicais da era de ouro. A questão é que fica no ar um mal-estar em tratar o personagem com romantismo. Daí as canções serem propositadamente enfeiadas, por mais que em um par de momentos uma big band surja para trazer empolgação para a imaginação do protagonista e a Lady Gaga solte um pouco mais a voz. Saí do cinema me lembrando do difícil ato de contar a história de alguém odiado, algo que está presente no documentário de estreia de Phillips, HATED – GG ALLIN & THE MURDER JUNKIES (1993). O namoro com a agressividade e com o feio já estava presente antes de Phillips ingressar nas comédias. De todo modo, gosto de como a Warner tem dado liberdade criativa para os diretores que trabalham com os heróis (e vilões) da DC.

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