quinta-feira, janeiro 09, 2025

NOSFERATU



Dos novos cineastas que se dedicaram ao horror surgidos nos anos 2010, Robert Eggers era o que havia mais me deixado desapontado. Seu A BRUXA (2015) é um trabalho magnífico e suas obras posteriores foram um balde de água fria. Enquanto isso, seus colegas Ari Aster, Jordan Peele e Mike Flanagan obtiveram resultados melhores, trafegando por caminhos diferentes, a partir de suas próprias assinaturas e suas próprias obsessões. Eggers ficou parecendo o sujeito da turma que tinha um maior interesse por uma ambientação mais ligada ao passado e a uma preocupação maior com a direção de arte. Mas talvez eu esteja sendo injusto com o diretor, e talvez rever O FAROL (2019) e O HOMEM DO NORTE (2022) seja necessário para reavaliar com bons olhos o seu trabalho.

Digo isso pois fiquei muito impressionado com seu trabalho em NOSFERATU (2024), que já tinha de antemão uma tarefa complicada, no sentido de que hoje em dia o horror gótico não funciona muito bem como algo que assuste ou impressione. Se bem que eu não tenho muita certeza se esse tipo de filme um dia chegou a desempenhar verdadeiramente esse papel. Por muito tempo esse tipo de horror centrado em castelos medievais ou figuras mitológicas talvez desempenhasse mais um papel de prazer e certa familiaridade, algo que certos filmes do gênero costumam provocar em quem os aprecia.

Mas eis que Eggers traz algo que aproxima a história (e o drama especialmente da personagem de Lily-Rose Depp) tanto de uma grande tragédia quanto de uma relação doentia entre uma jovem e alguém que a abusou. Nesse sentido vejo NOSFERATU como o melhor filme do diretor desde A BRUXA. O trabalho de fotografia e de direção de arte é lindo, embora me incomode às vezes a dessaturação em demasia da cor, o que é tanto uma tendência dos dias atuais quanto uma necessidade do diretor de aproximar mais seu filme do original de F.W. Murnau, o NOSFERATU de 1922. Como vi o filme numa sala IMAX, não tenho como reclamar de fotografia escura. Até acredito que esconder o máximo que se pode o rosto do Conde Orlok (Bill Skarsgård) foi uma escolha acertada. A cena da chegada de Thomas Hutter (Nicholas Hoult) ao castelo do vampiro, seguida da primeira conversa com a criatura, é admirável e inquietante.

Tanto que, durante boa parte da metragem, o personagem de Hoult é o mais importante da trama, é aquele que nos guia em sua jornada de pesadelo, no sentido de onirismo mesmo, passando no caminho por uma comunidade de ciganos e assistindo a um ritual de enfrentamento do mal, com uso de uma moça nua montada num cavalo. Mas um dos pontos que vejo como positivos do filme é tornar sua trama um pouco menos fácil de cair direto em nosso inconsciente e em nosso esquecimento. Ou seja, gosto de como o enredo, o horror e o sofrimento dos personagens se tornam mais compreensíveis, e até mais concretos, em comparação com as versões mais "etéreas" de 1922 e 1979, a celebrada versão de Werner Herzog.

Quanto à performance de Lily-Rose Depp como Ellen Hutter, achei admirável o quanto ela se entrega ao papel fisicamente e lindamente, aproximando este novo NOSFERATU de um body horror. Ela é a grande heroína do filme, embora se julgue a pessoa que trouxe o mal para aquela cidade e para os seus entes queridos. Caso comum de algumas mulheres que são abusadas em certos relacionamentos, mas que ainda veem culpa nelas mesmas. O NOSFERATU de Eggers explicita essa relação de desejo e de dependência existente entre Ellen e o vampiro. Enquanto ele é pura lascívia (em certo momento ele diz: “Eu sou um apetite e nada mais”), ela tem esse sentimento dúbio, essa relação de nojo e atração com esse ser, e que depois ela faz questão de esfregar na cara do marido: que o vampiro é melhor na cama do que ele.

A trama até pode parecer um pouco didática para alguns, ou outras pessoas podem reclamar de certa teatralidade nas encenações, mas acredito que isso tanto pode vir de um gosto de Eggers pelo teatral (vide O FAROL) quanto por uma vontade de se aproximar do expressionismo (alemão) do filme de Murnau, a primeira adaptação de Drácula, de Bram Stoker, ainda que não autorizada. E por isso mesmo acabou por criar outro personagem, outro monstro derivado, e que deu tão certo que hoje temos outros três remakes da obra-prima expressionista.

No mais, temos Willem Dafoe, que, para evitar se ligar tanto assim ao Conde Orlok (afinal, ele já havia feito o incrível A SOMBRA DO VAMPIRO, no papel do ator que interpretou o Conde Orlok no filme de Murnau), agora interpreta um Prof. von Franz com muita alegria. Ele é o personagem que surge depois do meio da trama e que investe certa leveza ao tom trágico, por mais que sua notícia sobre o mal que está no corpo de Ellen não seja um diagnóstico animador.

Sobre a ótima trilha sonora de Robin Carolan, que havia trabalhado com Eggers em O HOMEM DO NORTE, ela não é usada para assustar, mas para acentuar o tom mais trágico da história. Aliás, sobre o assustar, acho ótimo que Eggers use muito pouco o som para a criação de jump scares. Em determinada cena, por exemplo, ele usa o movimento de uma câmera numa sala escura mais para provocar medo e suspense do que susto. Um diretor de gestos nobres. 

+ TRÊS FILMES

A BESTA (La Bête)

É muito provavelmente o filme mais lynchiano de Bertrand Bonello. Há angústias, história de amor trágica, lembranças perdidas, Roy Orbison, tons de azul, enredo complexo, medo irracional. A BESTA (2023) não tem o mesmo impacto que os filmes (ou séries) de Lynch, claro, mas há que se dar o devido crédito a Bonello, que vem fazendo filmes inventivos e intrigantes desde os anos 1990. Aqui, Léa Seydoux (sempre ótima) é uma mulher que vive numa sociedade distópica que busca acabar com as emoções. Ela quer se apegar a essas emoções, mesmo que elas a perturbem, mesmo causando desconforto. É como tomar muito antidepressivo e não se emocionar mais com nada, o que é péssimo. Ela faz viagens a suas vidas passadas, sempre encontrando um rapaz que representa seu amor (George MacKay). Gosto muito de sua ida a uma Paris inundada.

ENCONTRO COM O DITADOR (Rendez-vous avec Pol Pot)

Terceiro filme de Rithy Panh que vejo. Não sei se é o terceiro lançado comercialmente no Brasil. ENCONTRO COM O DITADOR (2024) pode ser que tenha um alcance maior, pois os protagonistas são repórteres franceses com o objetivo de fazer uma matéria sobre o novo Camboja, então sob o domínio do Khmer Vermelho do ditador Pol Pot. O cineasta cambojano é um especialista no tema. Desde seus primeiros filmes ele faz questão de mostrar ao mundo os horrores da história de seu país. Sob o ponto de vista dos estrangeiros, não se sabe muito, pois o olhar deles é muito restrito. Logo que chegam ao país, seus quartos são como jaulas. Irène Jacob, nossa querida atriz de A FRATERNIDADE É VERMELHA e A DUPLA VIDA DE VÉRONIQUE, está ótima como a pessoa encarregada de fazer as entrevistas. Mas é uma pena que assisti ao filme com sono.

RED ROOMS (Les Chambres Rouges)

Presente em listas de melhores do ano de alguns críticos, indicado por um amigo em quem confio, e, muito provavelmente, sem possibilidades de chegar aos cinemas brasileiros, RED ROOMS (2023), de Pascal Plante, é desses filmes que conserva o mistério até o fim e, de certa forma, a vantagem de vê-lo em casa, pra mim, foi poder voltar à cena mais definidora e mais enigmática para revê-la e compreendê-la melhor. Na trama, Kelly-Anne (Juliette Gariépy) é uma modelo de sucesso que ganha boa parte de sua fortuna com sua incrível habilidade com os números, além de também saber penetrar no mundo da deep web e afins. Ela está bastante interessada no caso de um triplo assassinato brutal de crianças divulgado para fins comerciais nas chamadas red rooms, espaços feitos para exibição em locais fechados da internet. Um dos momentos mais interessantes do filme é quando a protagonista deixa de ser tão solitária e faz amizade, por assim dizer, com uma groupie do suposto assassino. A ambientação de mistério chama a atenção desde o início, quando vemos Kelly-Anne se dirigindo ao tribunal depois de dormir na rua, algo que depois vemos se tratar de um estranho hábito seu. Pode ser que eu esteja errado, mas vi referências a 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO pelo menos umas duas vezes. Será?

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