quinta-feira, setembro 11, 2025

O SEGREDO DAS JOIAS (The Asphalt Jungle)



Mais de um mês depois da publicação anterior, consigo uma brechinha para escrever para o blog. Mas posso dizer que tenho boas razões para isto: minha mudança com a Giselle para um apartamento só nosso (ainda que tenha que ficar revezando com minhas irmãs na casa de minha mãe em alguns dias). Então, está uma delícia, mas mexeu com toda a rotina, o que é natural. Então, estamos numa fase de adaptação e de retomada de uma nova rotina, além de ser uma fase também de realização pessoal muito boa. Como não quero deixar este espaço abandonado, vou fazer o possível para atualizá-lo sempre que puder.

O filme brindado dentre tantos que eu tenho para falar a respeito, filmes ótimos que não ganharão espaço aqui com um texto maior, já que o trabalho em escola de tempo integral cada vez me é mais cansativo e cada vez mais suga minha energia, é o clássico O SEGREDO DAS JOIAS (1950), de John Huston. Aliás, é quase uma coincidência eu ter visto esse filme no mesmo ano que vi pela primeira vez também o ainda mais melancólico OS DESAJUSTADOS (1961), que também traz Marilyn Monroe no elenco, agora uma estrela consolidada, mas, infelizmente, prestes a deixar este mundo pouco tempo depois das filmagens.

Huston, depois de ter criado o que talvez tenha sido a base do que se passou a chamar film noir com RELÍQUIA MACABRA (1941), aqui ele cria a base para os heist movies, os filmes de roubo previamente planejados, arquitetados. Devido à cadência mais lenta do estilo de Huston, eu até fiquei surpreso com o quanto se inicia até que rapidamente a cena do roubo à joalheria. Que é uma cena muito empolgante e cheia de suspense, em que nos vemos torcendo pelos ladrões, já que são eles os pobres coitados desesperados por uma chance na vida. Talvez seja difícil sentir dó apenas do aristocrata falido que contrata, por assim dizer, os serviços, mas não dos demais. Isso porque o aristocrata é um sujeito que usa de má fé com os colegas e não tem uma moralidade íntegra como os demais.

E que cena mais linda e mais triste, a da despedida de Sterling Hayden em cena, hein. Que plano magnífico! Acontece algo ali que faz com que o filme saia do ambiente urbano e entre no rural, que simboliza uma espécie de paraíso, de fuga da “selva de asfalto” do título original. Essa cena ganha uma conotação espiritual, em especial com os movimentos de câmera e com o distanciamento que essa mesma câmera dá de seu corpo. Huston mais uma vez se mostra um artista que se solidariza com os perdedores, com os marginalizados, com os espíritos que caíram, mas que ainda lutam contra os obstáculos imensos para atingirem seus objetivos, para alcançarem seus sonhos.

Nesse sentido, os personagens que mais amamos são os de Sterling Hayden, que faz o papel de Dix Handley, um brutamontes de bom coração que sonha voltar para o campo, logo depois que conseguir um serviço bom o suficiente para que ele saia desse círculo vicioso de precisar fazer pequenos bicos e ainda dever à máfia; e o de Jean Hagan, que faz Doll, a mulher de coração partido e sem ter onde morar que vai parar no apartamento de Dix. As cenas em que os dois personagens conversam ou estão juntos são particularmente devastadoras, em especial as cenas de fuga, quando ela se revela disposta a ser também procurada pela polícia para ficar com ele.

A trilha sonora é outra belezura, a cargo de Miklós Rózsa, que já havia trabalhado no fundamental PACTO DE SANGUE, de Billy Wilder. Quanto a Marilyn Monroe, seu papel é bem pequeno, mas já antecipa o que ela faria a seguir, com muita sensibilidade, inclusive na parceria futura com Huston  na pedrada que é OS DESAJUSTADOS. Ainda assim, seu papel também é brilhante. A cena que ela é encurralada pela polícia ajuda e muito a perceber o quanto ali estava uma grande estrela.

Vale destacar também a fotografia de Harold Rosson, que foge um bocado ao estilo comumente adotado nos noirs da época, com muita utilização de sombras e muita estilização. Rosson e Huston optam por um estilo mais cru, mais realista, o que ajuda a conferir um pouco mais de intensidade dramática à obra, uma vez que não estamos ficando deslumbrados com algum jogo de sombras. O que não quer dizer que Huston também não impressione na direção, em especial no uso dos close-ups, que conferem mais urgência ao drama desses personagens. Sobre Rosson, é bom lembrar que ele é um diretor de fotografia de filmes tão distintos quanto CANTANDO NA CHUVA e EL DORADO.

Na trama de O SEGREDO DAS JOIAS, Sam Jaffe interpreta um velho especialista em grandes assaltos, que conseguiu a liberdade depois de um tempo atrás das grades. Sua primeira ação é consultar uma pessoa que possa financiar seu próximo trabalho: um roubo a uma joalheria. Para isso, ele precisará de certo capital, mas também de alguém especialista em cofres, um homem forte para o caso de enfrentar a polícia e um motorista, além de um sujeito que forneça o dinheiro necessário. O filme valoriza cada um desses atores da ação. Os atores-personagens da ação e os atores em si – suas interpretações. E Huston faz isso abrindo mão de um elenco estelar. Não há nenhum ator de fato de primeiro escalão nessa sua obra, e foi sua escolha. E não é porque é um filme B: Huston já havia trabalhado com astros classe A, como Humphrey Bogart, Bette Davis, Edward G. Robinson, Jennifer Jones e Lauren Bacall. Ele escolhe seus atores não por seu currículo em grandes produções, mas por eles se encaixarem nos personagens do romance de W.R. Burnett, mesmo autor do livro que seria traduzido no cinema em SEU ÚLTIMO REFÚGIO, de Raoul Walsh. 

Filme visto no box em BluRay Clássicos Noir.

+ TRÊS FILMES

LADRÕES (Caught Stealing)

É interessante ver Darren Aronofsky fazendo um filme menos pretensioso na temática, já que é um diretor que gosta de abordar, com frequência, diferentes tipos de religiosidade, mas sem deixar de lado sua solidariedade a pessoas vivendo infernos pessoais. Foi assim com RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000), com O LUTADOR (2008) e mais recentemente com A BALEIA (2022). Em LADRÕES (2025), ele até busca um tipo de humor que torna as desventuras do personagem de Austin Butler um pouco mais leves. Butler é um homem que trabalha como barman, e que vive a frustração de não poder ser um jogador de beisebol profissional por causa de um traumático acidente na juventude. Certo dia, ao tomar conta do gato do apartamento vizinho, apanha feio de um grupo de criminosos, e isso vai mudar sua vida, uma vida que até então tinha como prioridade as campanhas de seu time de beisebol do coração. Aronofsky constrói aqui um personagem cativante e outros personagens secundários igualmente bons, como é o caso do interesse amoroso do herói, a jovem vivida por Zöe Kravitz. Mas o que salta aos olhos deste filme é sua dinâmica narrativa, sua montagem e o quanto um roteiro de certa forma simples, mesmo com os plot twists, ganha força com a condução. Gosto muito da última cena do herói, bem representativa da mudança que se opera em sua vida e de seu crescimento pessoal depois de tanto sofrimento, tantas perdas. No mais, adorei a trilha sonora anos 90.

OS ENFORCADOS

Um tempo atrás estreou um filme que muita gente resolveu jogar pedras, A FLORESTA QUE SE MOVE, de Vinícius Coimbra, baseado na tragédia Macbeth, de Shakespeare. Eu achei bem interessante e talvez até mais do que este trabalho de um outro diretor com Coimbra no sobrenome, o homem por trás do ótimo O LOBO ATRÁS DA PORTA (2013). Em OS ENFORCADOS (2024) ele repete a parceria bem-sucedida com Leandra Leal e muda um bocado o registro: sai o realismo mais cru e violento e entra um outro tipo de violência, igualmente grotesca, mas com um toque de humor mórbido, como que para suavizar um pouco para o espectador. Além do mais, Coimbra usa diversas referências, do corpo preso numa parede de um conto de Poe a um banho de sangue de filmes como os de Brian De Palma e horror europeu. Talvez o que eu mais tenha gostado foram as cenas interiores de Leandra Leal andando pela casa reformada e com ares de assombração, com imagens que remetem aos filmes noir americanos clássicos. Já Irandhir Santos, é o homem que herda a fortuna do tio por meios nada recomendáveis. Assim como a própria peça shakespeariana e tantos outros filmes que tratam de matar para obter dinheiro ou poder, OS ENFORCADOS é um conto moral, que às vezes funciona muito bem, mas que carece de mais personalidade. Irandhir Santos está gigante na cena em que demonstra sua psicopatia na quadra da escola de samba, logo após a confirmação da morte do tio (por ele, a partir da ideia de sua Lady Macbeth, Regina). 

MILÃO CALIBRE 9 (Milano Calibro 9)

Nos extras do box Eurocrime, da Versátil, ao ver Fernando Di Leo falando sobre a influência do filme noir para os poliziotteschi, e mais precisamente para seus filmes, só então, quando repensei a estrutura de MILÃO CALIBRE 9 (1972), vi que realmente tem tudo a ver. E não só pela femme fatale (aqui vivida por Barbara Bouchet), mas pela figura do herói solitário, que no caso é também um criminoso (o parrudo Gastone Moschin). Ele é Ugo, um homem recém-saído da prisão, depois de uma estadia de três anos, após um assalto a banco. Todos acreditam que ele esconde 300 mil dólares, tanto a polícia quanto a máfia para quem ele trabalhava, mas ele nega de forma bem convincente. O que se destaca de diferente neste filme, se compararmos com os policiais americanos, mesmo os da década de 70, é o grau de violência, que não se apresenta apenas nas ações de seus personagens, como num PERSEGUIÇÃO IMPLACÁVEL, por exemplo, mas na própria poética, na própria maneira de usar a câmera, nos cortes, na sonoplastia, nos closes. O murro que é desferido contra a câmera, é como se o próprio espectador sentisse a agressão. Ainda assim, quando penso no nome de Fernando Di Leo, o que ainda vou recordar com mais intensidade, carinho e terror é de VINTE ANOS (1978), seu trabalho marcante com Gloria Guida e Lilli Carati.

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