domingo, dezembro 21, 2025

VALOR SENTIMENTAL (Affeksjonsverdi)



Senti um desapontamento bem considerável com este filme do Trier. Não tanto por admirar sua obra - só havia visto dele MAIS FORTE QUE BOMBAS (2016) e A PIOR PESSOA DO MUNDO (2021), que são filmes de que gostei, mas que não permaneceram fortes em minha memória afetiva -, mas por todo esse hype que está se tendo por VALOR SENTIMENTAL desde sua recepção em Cannes.

Não consegui me conectar emocionalmente com o filme e comecei a pensar nele como aquelas produções tediosas e esquecíveis que eram indicadas ao Oscar nos anos 80 e 90, sem muito brilhantismo, embora não faltasse certo luxo.

Neste aqui até temos uma atriz hollywoodiana muito querida, Elle Fanning, como se para validar para os americanos ou para chamar-lhes a atenção. No entanto, Fanning está bem apagada, e pelo menos em determinado momento da narrativa isso chega a ser funcional. Fanning é trazida como um enfeite bonito de um cineasta frustrado com sua própria carreira, mas também com seu fracasso como pai. Quando ela pinta o cabelo de preto, até lembramos de UM CORPO QUE CAI, tão referenciado por outros tantos cineastas, mas é só mais uma de outras referências de um cinema frágil. A referência a PERSONA, do Bergman, é tão explícita quanto desnecessária.

Se o filme é sobre controle, ou falta de controle de um cineasta, acaba chamando a atenção pela falta de um rigor formal que valorize a encenação. A crítica à Netflix é válida, mas bem menos válida do que quando sai da boca de um Nanni Moretti, que faz isso tão bem em O MELHOR ESTÁ POR VIR. 

As cenas com Stellan Skarsgård são estéreis, carecem de vigor (ou mesmo de melancolia genuína) e o próprio personagem é desinteressante. Já as duas irmãs têm uma dinâmica que quase salva o filme, principalmente graças à interpretação de Inga Ibsdotter Lilleaas, atriz que até então desconhecia, mas que me deixou atento em cada momento que entrava em cena.

Nem Renate Reinsve conseguiu, repetindo aqui a parceria que fez com Trier. Se em A PIOR PESSOA DO MUNDO ela se saiu muito bem como aquela mulher que machuca as pessoas não necessariamente por maldade, aqui ela, como alguém machucada pelo pai, não me pareceu tão eficiente em trazer empatia por sua personagem. De todo modo, gosto da cena inicial, do ataque de pânico nos bastidores de uma tragédia a ser encenada no teatro. Talvez isso queira representar algo sobre o que o filme pretendia, sobre sua paralisia diante da vida e das relações amorosas (a personagem tinha um potencial ótimo a ser explorado), mas não creio que tenha havido um resultado final satisfatório.

Ou seja, é como se houvesse dois filmes ali se debatendo: um interessante e cheio de potencial, sobre as duas irmãs que perderam a mãe e agora precisam lidar com a presença do pai, então ausente; e um desinteressante, sobre esse cineasta veterano em busca de um último trabalho muito pessoal.

+ TRÊS FILMES

SORRY, BABY


Tenho achado incrível o quanto tem surgido uma nova leva de jovens realizadores com a capacidade de lidar com dores profundas com humor e delicadeza. Mais recentemente vi obras de James Sweeney e Cooper Raif, e ver logo em seguida este SORRY, BABY (2025), estreia na direção de Eva Victor, foi muito enriquecedor. Não é que o filme de Victor fuja dos temas duros de estupr0, su1cídio e depressã0. Eles estão lá o tempo todo. Mas o modo como isso é tratado é de uma beleza incrível. O próprio cartaz, com a diretora/protagonista segurando um gatinho, surgido na rua num momento em que ela passa por uma situação difícil, é representativo dessa beleza que o filme quer mostrar, apesar das sombras. Inclusive, o momento do ocorrido que deixa a heroína traumatizada também é contado de modo inteligente, delicado e formalmente rico. O filme começa com uma conversa entre duas melhores amigas, Agnes (Victor) e Lydie (Naomie Ackie), sobre o quanto suas vidas na época da faculdade foram horríveis, para depois nos levar para aqueles anos. De vez em quando o filme toca no assunto do su1cídio, ainda que sutilmente, seja quando Agnes anda pelos corredores da universidade, seja na própria citação a Virginia Woolf, escritora célebre que tirou a própria vida. Então, é como se houvesse uma sombra pairando no ar. No entanto, Eva Victor, que faz lembrar em seus traços Phoebe Waller-Bridge, inclusive no senso de humor, faz com que a luz entre para cuidar com carinho desses seus personagens. Cada cena que poderia ser descrita como pouco importante tem uma carga poderosíssima: a conversa de Agnes com o homem que vende sanduíche, a conversa com o namorado na banheira, ela falando com o bebê da amiga etc. Lindo demais.

SONHOS DE TREM (Train Dreams) 

As primeiras imagens de SONHOS DE TREM (2025) já causam maravilhamento. A janela estreita em 1,46:1 valoriza a altura das árvores, a imensidão daquela natureza que parece ir até as nuvens, parece deixar cada ser humano ali muito pequeno. Então, o que sentimos é um misto de angústia pelo drama do protagonista e de alegria por tanta beleza visual - a direção de fotografia é do brasileiro Adolpho Veloso, de RODANTES, mas também do primeiro longa de Clint Bentley, o praticamente desconhecido JOCKEY (2021). E vendo essa maravilha que é SONHOS DE TREM, logo fica na cabeça a pergunta: quem é esse Clint Bentley? Por que ele faz um tipo de cinema parecido com Terrence Malick, mas melhor que o próprio Malick? Há também imagens que lembram a luz dos filmes de John Ford, e saber da luz natural captada pode trazer à mente BARRY LYNDON, do Kubrick. Na trama, Joel Edgerton é um operário ferroviário que se casa com uma mulher feliz e entusiasmada com a vida, interpretada por Felicity Jones. O romance dos dois, desde o começo, é enternecedor. Torcemos pelo sucesso do relacionamento e da vida dos dois, naquela cabana situada no meio da floresta e próxima a um rio. Parece o cenário de um sonho, mas há também um problema, nem tudo são flores para aquele espaço paradisíaco. Quando vemos SONHOS DE TREM, por maior que seja a TV, ficamos sempre pensando em como seria vê-lo na telona, mais ou menos como aconteceu quando vi TÁR na telinha, mas esse tive a chance/provilégio de ver na telona. Esse aqui, a Netflix faz um impedimento, o que é uma pena. Por outro lado, é um trabalho tão belo, que estar no serviço de streaming mais popular do mundo pode ser uma chance para que mais pessoas entrem em contato com essa obra, que deixa a gente vendo os créditos finais com os olhos brilhando. Vale destacar também a presença de atores coadjuvantes muito bons em cenas comoventes, como Paul Schneider, William H. Macy e Kerry Condon. Além do mais, ouvir a voz do narrador (Will Patton) é tão bom quanto ler alta literatura. Um dos melhores filmes do ano, sem dúvida.

TWINLESS - UM GÊMEO A MENOS (Twinless)

A indicação de TWINLESS - UM GÊMEO A MENOS (2025) ao Independent Spirit Awards 2026 chamou a atenção de parte da plateia para o (tímido) lançamento do filme no Brasil. Por sorte, este segundo longa de James Sweeney estreou numa sala de Fortaleza em duas sessões diárias. O ideal é ver o filme sabendo o mínimo possível a respeito da trama, já que, logo após o prólogo, já somos presenteados com uma surpresa relativa a um dos protagonistas, e que estabelecerá a dinâmica da narrativa a partir de então. Sobre a trama, o que posso dizer é que se trata da história de amizade de dois rapazes que se conhecem num grupo de apoio a pessoas enlutadas que perderam seus irmãos ou irmãs gêmeos. O aspecto trágico do filme remete aos melodramas clássicos, aos quais artistas tão distintos quanto Almodóvar e Fassbender beberam da fonte, mas há algo de mais contido e também de mais melancólico, típico dos dramas indies. Então, os arroubos melodramáticos do cinema clássico são substituídos pelo tom depressivo que permeia não apenas a história dos dois rapazes, mas também de uma terceira personagem que será fundamental para uma mudança de rumo do enredo. A história de amizade é improvável pois um dos personagens é gay (Sweeney) e o outro é um hétero agressivo e meio ignorante, embora muito gentil (Dylan O’Brien, de MAZE RUNNER). O que torna o personagem hétero mais próximo do personagem gay vem do fato de seu irmão falecido ser gay e ele havia estado distante do irmão por preconceito e revolta. Nesse sentido, o filme se apresenta muito sensível ao drama desses personagens, assim como muito simpático à personagem feminina de Aisling Franciosi. Já vejo TWINLESS como uma das melhores surpresas deste ano e torço para que mais pessoas possam conferi-lo.

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