sábado, dezembro 31, 2022

TOP 20 2022 E O BALANÇO DO ANO




1. MEMORIA, de Apichatpong Weerasethaku
2. NÃO! NÃO OLHE!, de Jordan Peele
3. O ACONTECIMENTO, de Audrey Diwan
4. A MORTE HABITA À NOITE, de Eduardo Morotó




5. MOONAGE DAYDREAM, de Brett Morgen
6. OS GRANDES VULCÕES, de Fernando Kinas e Thiago B. Mendonça
7. SPENCER, de Pablo Larraín
8. MÃES PARALELAS, de Pedro Almodóvar




9. OS PRIMEIROS SOLDADOS, de Rodrigo de Oliveira
10. BENEDETTA, de Paul Verhoeven
11. A PIOR PESSOA DO MUNDO, de Joachim Trier
12. AFTERSUN, de Charlotte Wells




13. X – A MARCA DA MORTE, de Ti West
14. PROPRIEDADE, de Daniel Bandeira
15. IRRADIATED, de Rithy Panh
16. NOITES BRUTAIS, de Zach Cregger




17. DRIVE MY CAR, de Ryûsuke Hamaguchi
18. A ILHA DE BERGMAN, de Mia Hansen-Løve
19. DESTERRO, de Maria Clara Escobar
20. CRIMES OF THE FUTURE, de David Cronenberg

Menções honrosas

21. APOLLO 10 E MEIO – AVENTURA NA ERA ESPACIAL, de Richard Linklater
22. BATMAN, de Matt Reeves
23. FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA, de Victor Lopes
24. CONTRATEMPOS, de Éric Gravel
25. MARTE UM, de Gabriel Martins
26. THE DARK AND THE WICKED, de Bryan Mertino
27. CARVÃO, de Carolina Markowicz
28. DIÁRIOS DE OTSOGA, de Maureen Fazendeiro e Miguel Gomes
29. PÂNICO, de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett
30. ATÉ OS OSSOS, de Luca Guadagnino

Do ponto de vista coletivo, especialmente brasileiro, 2022 talvez tenha sido o ano mais feliz que tivemos desde 2016. Ou talvez ainda não, já que ainda estamos lidando com um luto que nos foi negado das nossas perdas nos dois anos pandêmicos passados. De todo modo, ter um ano com uma volta da democracia, do que chamam de normalidade, depois de tanta sandice e de atos criminosos da gestão bolsonarista, não deixa de ser um alívio. Inclusive, só para a cultura, teremos um valor recorde de investimento em 2023. Então, vontade não está faltando de recuperar este país e de fazer as pessoas felizes novamente.

O ano foi de recuperação das salas de cinema, após (ou durante) essa tendência de migração cada vez maior dos filmes para as casas, aumentada bastante desde 2020. Mesmo assim, tivemos pelo menos um filme que se destacou pela popularidade nas bilheterias, que foi o retorno de Tom Cruise ao seu sucesso de aviação. Acabou não entrando no meu top 20+10, mas é uma obra muita querida por vários críticos e cinéfilos. Mas falemos dos vinte filmes e um pouco do que eles representam. 

O título que encabeça minha lista, MEMORIA, de Apichatpong Weerasethaku, é uma obra enigmática que, mesmo não sendo compreendida nem pela metade, traz algo que muito me atrai. No caso, o sonho ou a lembrança (essas duas entidades quase irmãs que às vezes se confundem) de um som, e a busca obsessiva de uma mulher pela reconstrução desse som no mundo material. É uma espécie de filme de investigação que se encaminha pelas memórias de povos e entidades das florestas, algo muito caro pelo celebrado cineasta tailandês.

Memória é também o tema de mais alguns títulos vistos neste ano. MOONAGE DAYDREAM, de Brett Morgen, presta tributo a um dos maiores artistas que vimos habitar neste planeta, David Bowie. E o modo como o filme faz para nos fazer perceber sua importância só mesmo o cinema é capaz de criar. A memória (junto com imagens registradas em vídeo, que também funcionam como memória) é também uma palavra-chave para AFTERSUN, de Charlotte Wells, que segue mexendo com as emoções de muitas pessoas por onde tem passado, por lidar com o afeto e a lembrança entre filha e pai. 

O cinema pode usar a memória para tratar de coisas que fazem doer a alma, como é a investigação de Rithy Panh sobre a extrema maldade humana. A maldade que faz criar bombas e guerras e experiências científicas com seres humanos. Ver IRRADIATED é sair desacreditado da espécie humana, é verdade, mas há certas coisas que não podem ser esquecidas como poeira debaixo do tapete. E há cineastas que lidam com essa tarefa nada agradável, mas essencial. Outro documentário muito inventivo que me entusiasmou bastante foi OS GRANDES VULCÕES, de Fernando Kinas e Thiago B. Mendonça, usando um grande texto, uma grande atriz e arquivo de filmes e canções para costurar o mundo da pós-verdade e da política americana.

Falando em política, o cinema de horror segue sendo o gênero que melhor tem trabalhado esse tema da maneira mais criativa. Que o diga Jordan Peele, com seu maravilhoso NÃO! NÃO OLHE!, o mais sutil dos filmes políticos dele, já que o amor pelo cinema parece vir em primeiro lugar. Mas as questões relativas à escravização do povo negro nos Estados Unidos e o modo como isso ainda reverbera estão presentes até na necessidade de desviar o olhar do monstro opressor. Enquanto isso, no Brasil, Daniel Bandeira faz em PROPRIEDADE  algo que muito lembra um filme de zumbis inspirado em Romero, mas para falar de forma bem provocadora do abismo social entre burguesia e classe trabalhadora pobre.

O cinema de horror foi também grande quando optou por trazer de volta certos estilos, como o slasher. O melhor exemplo disso é X – A MARCA DA MORTE, de Ti West, que tanto usa um estilo visual sujo para nos remeter aos anos 1970, quanto para tornar a experiência do filme mais especial e ao mesmo tempo perigosa e divertida. NOITES BRUTAIS, de Zach Cregger, é outra recriação de um tipo de cinema que lembra a década de 1980 e que empolga, diverte e assombra.

Podemos voltar para o assunto memória e trazer duas personagens femininas da história que protagonizaram dois grandes filmes. Enquanto SPENCER, de Pablo Larraín, nos leva aos instantes angustiantes e opressivos da vida da Princesa Diana no palácio, Paul Verhoeven traz o hoje pouco usual subgênero nunsploitation para contar a história de uma freira famosa pelos supostos milagres, mas principalmente por sua postura agressivamente sensual no incrível BENEDETTA.

Outras personagens femininas não-biográficas, mas muito reais ao serem transpostas para as telas, estão em trabalhos lindos como O ACONTECIMENTO, de Audrey Diwan, sobre uma jovem tentando fazer um aborto na França da década de 1960; como MÃES PARALELAS, a volta de Pedro Almodóvar ao melodrama feminino, tratando das dores de duas mulheres em questões envolvendo a maternidade; como DESTERRO, de Maria Clara Escobar, sobre diferentes pontos de vista para contar a história de uma mulher depressiva; e como A PIOR PESSOA DO MUNDO, de Joachim Trier, sobre uma jovem e suas ações em experiências afetivas.

O drama de figuras masculinas também está presente em obras ricas e inspiradas em grandes romancistas, como DRIVE MY CAR, de Ryûsuke Hamaguchi, e A MORTE HABITA À NOITE, de Eduardo Morotó, dois filmes tão distantes, mas tão próximos desse sentimento de empatia que o cinema é capaz de provocar em seus melhores momentos. Outro filme que desperta esse sentimento é OS PRIMEIROS SOLDADOS, de Rodrigo de Oliveira, que nos leva para a vida de pessoas que viveram e experimentaram os primeiros anos da AIDS no Brasil. Ao ver tais filmes, vemos que sentir dor é fundamental para compreender a vida. Tanto que, sabendo disso, David Cronenberg criou uma distopia sobre uma sociedade que não sente dor, e que sofre com isso, em seu retorno ao sci-fi com body horror CRIMES OF THE FUTURE. Fechamos a lista de filmes com A ILHA DE BERGMAN, de Mia Hansen-Løve, filme que, entre outras coisas, homenageia um dos artistas que mais trabalharam com as dores mais profundas do ser humano.

Quis o destino que a dor estivesse presente neste texto para nos fazer lembrar da nossa existência terrena, que também traz as delícias, mas a dor precisa ser valorizada como parte intrínseca de nossa experiência. É essa ambivalência, entre dor e prazer, que faz a vida interessante. E a gente que gosta de arte (de cinema, de literatura, de música) tem muitos motivos para querer ficar presente neste plano de existência por mais uns bons anos, pois ainda há muitos filmes para assistir antes de morrer, que o digam os maravilhosos títulos antigos listados abaixo, na seção "filmes vistos na telinha pela primeira vez".

Top 5 - Piores do Ano (Que tistreza!)

1. MOONFALL - AMEAÇA LUNAR
2. MORBIUS
3. JURASSIC WORLD - DOMÍNIO
4. ADÃO NEGRO
5. MORTE NO NILO

Top 5 - Musas do Ano

Margot Robbie talvez seja a mais bela estrela de cinema da década. Ainda falta um pouco para analisarmos isso com distanciamento, mas é quase covardia sempre que tem filme com ela se mostrando exuberante. Ela apareceu no bagunçado AMSTERDAM, de David O. Russell.


Kate Siegel é presença fiel nas obras de seu marido, um dos maiores mestres do horror contemporâneo, Mike Flanagan. Sempre quis destacá-la nesta seção, mas eu usava a regra boba de ela estar em minisséries, não em filmes. Neste ano, a vi no mediano HYPNOTIC, de Matt Angel e Suzanne Coote, e isso já foi motivo de alegria.


Muito se falava da beleza de Lupita Nyong’o, mas eu só fui reparar de verdade nessa que é uma das atrizes  mais importantes de sua geração em PANTERA NEGRA – WAKANDA PARA SEMPRE, de Ryan Coogler, um dos grandes lançamentos da Marvel em 2022. Fiquei encantado com Lupita. 



Uma das atrizes europeias mais queridas da atualidade, Virginie Efira tem uma espécie de aura misteriosa que encanta e hipnotiza. Neste ano, perdi de ver um dos dois filmes exibidos no Festival Varilux, mas ela já compareceu em duas obras no mínimo muito interessantes, BENEDETTA, de Paul Verhoeven, e O SEGREDO DE MADELEINE COLLINS, de Antoine Barraud. Ela é um exemplo clássico de atriz que chegou ao auge em plena maturidade física.


Quem viu O ACONTECIMENTO, de Audrey Diwan, certamente ficou muito impressionado com a história e com o quanto o drama da protagonista nos faz sofrer. Mas é importante destacar que sem a presença da jovem romena Anamaria Vartolomei o filme não teria conseguido tanto assim. E mesmo diante de tanto mal estar que o filme provoca é impossível não perceber sua beleza tão especial.

Clássicos revisitados ou vistos pela primeira vez no cinema

AMOR À FLOR DA PELE, de Wong Kar-Wai
AS AVENTURAS DE MOLIÈRE, de Laurent Tirard
AVATAR, de James Cameron
CLÉO DAS 5 ÀS 7, de Agnès Varda
E.T. – O EXTRATERRESTRE, de Steven Spielberg
LEVEL FIVE, de Chris Marker
PARIS 1900, de Nicole Védrès
POUR DON CARLOS, de Musidora e Jacques Lasseyne
SEM SOL, de Chris Marker

Top 20 vistos pela primeira vez na telinha em ordem alfabética

A ESPADA DA MALDIÇÃO, de Kihachi Okamoto
A HISTÓRIA COMEÇOU À NOITE, de Frank Borzage
A ROTINA TEM SEU ENCANTO, de Yasujiro Ozu
ANJO NEGRO, de Jean-Claude Brisseau
AO CAIR DA NOITE, de Frank Borzage
BODA BRANCA, de Jean-Claude Brisseau
COMUNHÃO, de Alfred Sole
ESTRELA DITOSA, de Frank Borzage
HARAKIRI, de Masaki Kobayashi
HUMANIDADE E BALÕES DE PAPEL, de Sadao Yamanaka
MUITO RISO E MUITA ALEGRIA, de Peter Bogdanovich
MURIEL, de Alain Resnais
O MATADOR, de Henry King
ONIBABA – A MULHER DEMÔNIO, de Kaneto Shindô
OS SETE SAMURAIS, de Akira Kurosawa
PAIXÃO, de Jean-Luc Godard
PAIXÃO SELVAGEM, de Jacques Tourneur
REBELIÃO, de Masaki Kobayashi
ROSA LA ROSE, GAROTA DE PROGRAMA, de Paul Vecchiali
VERÃO VIOLENTO, de Valerio Zurlini

As séries e minisséries (Top 5)

1. BETTER CALL SAUL - SEXTA TEMPORADA
2. EUPHORIA - SEGUNDA TEMPORADA
3. SERVANT - TERCEIRA TEMPORADA
4. CONVERSATIONS WITH FRIENDS
5. IRMA VEP

Revisões na telinha

A FOGUEIRA DAS VAIDADES, de Brian De Palma
ALEMÃO, de José Eduardo Belmonte
CIÚME – O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO, de Claude Chabrol
CONSCIÊNCIAS MORTAS, de William A. Wellman
GRITO DE HORROR, de Joe Dante
HELLRAISER – RENASCIDO DO INFERNO, de Clive Barker
IRMA VEP, de Olivier Assayas
O DESERTO VERMELHO, de Michelangelo Antonioni
O DESTINO BATE À SUA PORTA, de Bob Rafelson
OS INTOCÁVEIS, de Brian De Palma
PÂNICO 2, de Wes Craven
PÂNICO 3, de Wes Craven
PÂNICO 4, de Wes Craven
PECADOS DE GUERRA, de Brian De Palma
SCARFACE, de Brian De Palma
SÍNDROME DE CAIM, de Brian De Palma
THE SOUVENIR, de Joanna Hogg
TOP GUN – ASES INDOMÁVEIS, de Tony Scott
TOTALMENTE SELVAGEM, de Jonathan Demme

Feliz Ano Novo!

Um feliz ano novo para todos nós, com muita saúde, arte, amor, paz de espírito e sabedoria para fazer a coisa certa na maior parte das vezes. Meu muito obrigado a você, que está lendo este texto até o final, seja pela primeira vez, seja quem acompanha fielmente este espaço que completou 20 anos em 2022.

Nenhum comentário: