domingo, outubro 23, 2022

OS SETE SAMURAIS (Shichinin No Samurai)



No mês de julho passado, eu tive o prazer de fazer um curso online de cinema samurai com Fernando Brito, o curador da Versátil Home Video, o que me trouxe tanto conhecimento quanto compreensão e interesse maior por esses filmes que até então não me sentia motivado para vê-los. E olha que eu sou um cinéfilo com muito tempo de estrada. Por isso, imagino o quanto algo do tipo, que vejo como preconceito, acomete a tantas outras pessoas que preferem não se abrir para o cinema oriental, em especial o japonês, em especial o jidai-geki, o filme histórico com ênfase em lutas de espadas em um Japão medieval, ou até mais ou menos o século XIX.

O caso de OS SETE SAMURAIS (1954), de Akira Kurosawa, é especial, pois se trata de um desses filmes presentes em topos de praticamente todas as listas de melhores filmes de todos os tempos. O que me deixava adiando o filme, desde a época das videolocadoras, era sua duração, já que cheguei a locar outros títulos famosos do diretor, como RASHOMON (1950), YOJIMBO, O GUARDA-COSTAS (1961) ou SANJURO (1962), para citar realizações com o foco em samurais. Como não fiquei tão entusiasmado com esses filmes (e tenho certeza que isso vai mudar no momento de revê-los), comecei a perceber que eu tinha um problema com Kurosawa. Essa teoria cresceu quando descobri e me apaixonei pelo cinema de Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu. Enfim, isso é outro problema que pretendo resolver, até porque Kurosawa possui 33 títulos e há filmes bem diferentes entre si em sua filmografia.

Enfim, não querer levar para casa a fita dupla de OS SETE SAMURAIS era uma bobagem de minha parte. Afinal, nem se trata de um filme hermético ou coisa do tipo. Na verdade, é uma obra que agrada a um público amplo, como espetáculo, inclusive, embora seja bem mais do que isso, em suas quase 3h30min de duração. E ao ver o grande clássico de Kurosawa depois do impacto de ter visto HARAKIRI, de Masaki Kobayashi, tão mais intenso e violento e novo, achei difícil não fazer comparações, ainda que elas não tenham muito cabimento, já que são filmes de épocas distintas e com propostas distintas.

Além do mais, o que Kurosawa fez aqui foi muito revolucionário. Ele fez um filme de samurai como nunca se havia feito antes, trazendo tons de cinza para os sete personagens principais, embora seja sim um filme sobre heroísmo, com muita ação (em muitos momentos nos sentimos no meio da ação), tragédia e humor, a cargo principalmente do personagem de Toshiro Mifune. Ele, que é certamente o mais famoso dos atores da fase de ouro do cinema japonês, faz um sujeito esquentado e meio palhaço, e muito disposto a ir para a luta. Inclusive, ele fica muito feliz quando finalmente os inimigos aparecem para que ele possa empunhar sua espada e "se divertir", praticando atos de heroísmo, apesar de não ser um samurai de verdade, como os outros seis. Ele é como uma criança, e isso se explicita quando está vestido com trajes tradicionais de samurai que deixam seu traseiro de fora. 

O esqueleto da trama de OS SETE SAMURAIS é super-simples: um vilarejo pobre de fazendeiros está à mercê de bandidos que saqueia, mata e estupra as mulheres. Sem ter o que fazer e nem como pagar pessoas que possam ajudá-los a enfrentar os bandidos, eles tentam oferecer a única coisa que dispõem, ainda que em pouca quantidade, arroz. Naturalmente, é muito difícil encontrar samurais ou ronins que se solidarizem com eles, mas com sorte eles encontram um velho ronin chamado Kambei (Takashi Shimura), um homem honrado que acredita que o melhor a fazer é ajudar àquelas pessoas, mesmo sabendo que não ganhará nenhum dinheiro com isso, e ainda poderá perder sua vida. Então, Kambei se vê na missão de selecionar pessoas que se juntem a eles para que fiquem na linha de frente na luta contra os bandidos.

O roteiro parece ser simples, mas não é. Todo o trabalho de construção dos personagens e de aprofundamento deles, de detalhes de vestimentas e de estudo histórico e geográfico, além de maneiras de tornar as cenas de batalhas mais ágeis, através do uso de várias câmeras ao mesmo tempo, tudo isso e muito mais faz da preparação de OS SETE SAMURAIS uma das mais complexas do cinema japonês até hoje. É o caso de filme que parece nascido da simplicidade e da espontaneidade, quando na verdade há todo um rigor formal, de roteiro, direção e edição.

É importante lembrar que foi Akira Kurosawa que ajudou a popularizar o cinema japonês para o mundo ocidental, a partir de RASHOMON, quando ganhou o Leão de Ouro em Veneza. Essa relação de Kurosawa com o ocidente muito se deve à forte influência que ele teve dos westerns de John Ford. Então, seu OS SETE SAMURAIS poderia muito bem ser um western. Bastaria trocar as espadas por armas de fogo e, claro, as vestimentas e os costumes dos personagens. Então, devemos a Kurosawa esse olhar do ocidente para o rico cinema nipônico.

Na estrutura da trama, Kurosawa demonstra um interesse mais pelo indivíduo do que pelo coletivo, embora a compreensão de que se deva agir pelo coletivo esteja ali presente o tempo todo, até para que se possa encontrar a vitória ao fim da batalha. O filme mostra a singularidade de cada samurai e ainda tem tempo para nos apresentar à paixão do jovem samurai pela aldeã e a sua transformação, por assim dizer, em homem, seja pelo fato de ele ter passado a noite pela primeira vez com a moça, seja por ele ter matado outro homem, um dos bandidos.

Há também uma preocupação em mostrar as estratégias dos samurais, tanto em atacar os bandidos em seu acampamento, quanto em se preparar para o ataque deles da melhor maneira possível, inclusive treinando os camponeses para a batalha. E tudo isso é pensado de modo a tornar o filme sempre dinâmico, com o uso de muitos short cuts, que hoje são comuns em tantos filmes do cinema mais moderno, mas que talvez não fosse tão comum assim, em especial no cinema produzido no Japão. Isso vale tanto para as cenas de alistamento dos samurais, quanto para a contagem dos mortos na batalha entre samurais versus bandidos.

O cuidado com a edição de OS SETE SAMURAIS é tão impressionante que é preciso ler textos e depois rever o filme com atenção para perceber a crescente rapidez nos cortes de certas cenas, de modo a preparar o espectador para a impressionante cena final de batalha, sob chuva, com utilização de muitas câmeras para se obter as melhores imagens. O caos da guerra, a sujeira da lama, os cavalos caindo próximos à câmera, a emoção da batalha, a dor das mortes de personagens queridos. Por mais que o filme já tivesse apresentado boas cenas de ação antes, não estávamos preparados para algo tão intenso e tão cheio de vida até então. Há, claro, um monte de cenas no filme que merecem menções, mas há infinitos textos melhores do que o meu circulando por aí há décadas que podem ser lidos e que fazem jus – ou pelo menos tentam – à poesia das imagens do filme.

O BluRay da Versátil traz extras excepcionais, entre eles uma entrevista de quase duas horas de Kurosawa feita por Nagisa Oshima, dois gigantes de momentos diferentes do cinema japonês. Há também um ótimo making of e um documentário chamado Os Sete Samurais: Origens e Influências, que, para chegar em OS SETE SAMURAIS, dá uma aula sobre o bushi, o código dos samurais, sobre o momento em que o Japão resolveu ser uma nação forte o bastante para se defender de possíveis invasões dos povos ocidentais, até tratar mais especificamente do filme em questão. Só coisa fina. 

+ DOIS FILMES

ADÃO NEGRO (Black Adam)

Sério candidato a pior filme do ano, este ADÃO NEGRO (2022) é tão modorrento e tão desinteressante que nem seus problemas parecem convidativos no quesito charme. Por mais que possa parecer interessante o filme mostrar uma formação da Sociedade da Justiça, de modo a trazer de volta a talvez extinta proposta de um universo cinematográfico DC, o máximo que isso apresenta é um Pierce Brosnan com uma fleuma acentuada e que talvez ganhe sintonia com nosso sentimento pelo filme, que só não é de apatia completa porque o sono nos pega nas cenas de violência-sem-violência regadas a uma trilha sonora orquestradamente genérica e inserções de canções rock de dar vergonha. Uma pena, pois SHAZAM! (2019) é um filme simpático. Também é uma pena pelo diretor, Jaume Collet-Serra, que foi cooptado por Dwayne Johnson, quando o dirigiu na aventura JUNGLE CRUISE (2021), caindo nessa barca furada e perdendo a reputação de bom diretor que havia conquistado desde o início dos anos 2000.

ALERTA NOTURNO (Butcher, Baker, Nightmare Maker / Night Warning)

O barato de ver filmes um pouco na sorte, dos boxes de slashers, é que de vez em quando nos deparamos com umas surpresas incríveis. Claro que isso vale para outros gêneros e subgêneros também, mas os slashers costumam ser subestimados e muitos adotam um padrão que não oferece muito espaço para a criatividade. Felizmente não é o caso de ALERTA NOTURNO (1981), de William Asher, que desde o começo já salta aos olhos com a história de uma tia que corta os freios do carro dos pais de uma criança, de modo a criar o menino como seu, castrando-o de suas possíveis saídas para a vida na adolescência, como uma faculdade futura e o namoro com uma garota da escola. Ainda que desde o começo vejamos uma obra bem diferente e sempre interessante, o melhor fica para o final, com um eletrizante clímax. Grande momento de Susan Tyrrell no papel da tia louca. Ela aparece muito simpática nos extras do box, assistindo ao filme, junto com a produção desse extra, supostamente, pela primeira vez. Não sei se ela estava brincando ou se tinha mesmo a ideia de que o filme era um lixo. Destaque também para Bo Svenson, como o policial homofóbico. Filme presente no box Slashers IX.

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