sexta-feira, outubro 14, 2022

AMSTERDAM



Olhando a carreira de David O. Russell em retrospecto, é possível ver que aconteceu algo parecido com AMSTERDAM (2022) em algum momento. Depois de uma comédia ousada sobre masturbação e incesto (A MÃO DO DESEJO, 1994), de acertar na comédia mais fácil e agradável com PROCURANDO ENCRENCA (1996), e de entrar de vez no primeiro time de Hollywood com a comédia de guerra TRÊS REIS (1999), o diretor tentou ir por caminhos menos fáceis e talvez emular um Wes Anderson sem TOC nem talento em HUCKABEES – A VIDA É UMA COMÉDIA (2004). Porém, boa parte desses filmes ficaram hoje no esquecimento e o que mais vem à mente quando pensamos em O. Russell são os filmes mais recentes, estrelados por nomes de sucesso como Christian Bale, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper, Robert De Niro, Amy Adams, entre outros.

Ou seja, o diretor entrou numa onda de prestígio na mesma medida que passou a ser visto com desconfiança ou até preguiça por boa parte dos críticos. Colocar no mundo um filme como AMSTERDAM é como dar um tiro no pé, já que é um filme bem descuidado em vários aspectos, mas pode, eventualmente, chamar a atenção de alguns poucos críticos que se sintam dispostos a defendê-lo, por mais difícil que seja. Logo, é bem possível que o realizador possa ser visto como um autor incompreendido e que merece uma revisão mais atenta.

Por enquanto, a impressão que eu tenho é de que AMSTERDAM é um filme que tem todo o jeito de detonar de uma vez por todas a carreira de David O. Russell, esse cineasta que havia conseguido se manter nas corridas do Oscar, mesmo não entregando filmes inspirados (eu, pelo menos, não consigo me lembrar de cenas memórias de seus filmes, e vejo isso como algo que depõe contra o diretor). Seus filmes traziam, no entanto, algum entretenimento com um elenco luxuoso que só se vê em filmes de super-heróis de grande porte ou justamente em filmes de Wes Anderson.

Aqui o elenco é o grande chamariz e ele faz questão de deixar isso registrado no cartaz, mas o que temos é um filme tão enfadonho, verborrágico (no pior sentido) e tão pouco interessado na imagem, que só vai deixando claro o quão qualquer nota é o diretor. O tema do filme tem a boa intenção de contar uma história de combate ao fascismo, em tempos de ascensão mundial da extrema direita, mas fica apenas nas boas intenções.

Ao longo da projeção, fiquei com a impressão de estar vendo um especial de natal ruim de televisão. Especial de natal por trazer um elenco de luxo e pouco se importar com forma ou conteúdo e que só traz aquela angústia tradicional dos finais de ano. Preso em seu estilo caótico, o diretor não consegue atrair a audiência, diferente do que aconteceu em filmes como O LADO BOM DA VIDA (2012) ou TRAPAÇA (2013), comédias bem mais facilmente digeríveis.

O roteiro de AMSTERDAM é problemático, e acredito que outro diretor conseguiria ter feito bom proveito do texto original, em vez de tentar emular Scorsese com voice-over, imagem congelada e flashback. Outra coisa que muito me incomodou foi o fato de haver uma timidez demasiada em mostrada o sentimento de amor entre os personagens de Margot Robbie e John David Washington. Teria sido uma intervenção do diretor ou dos atores? Ou será do próprio racismo estrutural americano que ainda não consegue ficar à vontade com casais de etnias diferentes?

O filme tem um início interessante, mostrando o médico torto e de visão monocular vivido por Christian Bale, sendo chamado pelo melhor amigo (Washington) a efetuar uma autópsia no general dos tempos de guerra. Foi na guerra que ele perdeu o olho e passou a sofrer dores diárias. Foi lá que os dois conheceram a enfermeira adorável vivida por Margot Robbie. Isso aparece num eventual flashback, que traz um momento de alegria fugaz dos três personagens, em sua passagem por Amsterdã, para viver uma vida separada da dor e mais próxima da fantasia, ainda mais levando em consideração que os anos pós-primeira guerra têm toda essa aura de euforia. É como se fosse um momento de respiro para o que viria a seguir.

Margot Robbie também representa a arte do século XX, não apenas o cinema, mas as vanguardas e as artes plásticas, nascidas da dor e do aspecto mais doentio da alma. Com seu rosto perfeito, sorriso angelical e figurino sempre estiloso, ela representa o que há de melhor naquele mundo. Mas como o filme opta pelo registro da comédia (de poucos risos) e uma quase ausência de sentimento, deliberado ou não, o sentimento entre os personagens de Robbie e Washington parece sempre atenuado.

O melhor momento do filme acontece com a entrada em cena do personagem de Robert De Niro, que consegue trazer um pouco mais de força para esse filme que tem tanto torpor quanto as drogas que o personagem de Christian Bale toma o tempo todo. Mas, a essa altura, a vontade que o filme acabe está acima da vontade de seguir acompanhando esses personagens ou de ver seus destinos finais.

+ DOIS FILMES

NÃO SE PREOCUPE, QUERIDA (Don’t Worry Darling)

Um filme que tem recebido mais críticas negativas do que positivas, e que talvez por isso tenha me surpreendido positivamente. NÃO SE PREOCUPE, QUERIDA (2022), de Olivia Wilde, parece um episódio de ALÉM DA IMAGINAÇÃO, e isso me chama a atenção. Só achei bem problemática a conclusão, embora tenha gostado da revelação sobre a condição das pessoas que vivem naquele mundo ambientado em casas de subúrbio americanas dos anos 1950. É nesse ambiente que a personagem de Florence Pugh começa a questionar a realidade, principalmente depois que duas outras mulheres fazem questionamentos antes. Dentro dessas ideias que remetem a WAYWARD PINES e O SHOW DE TRUMAN, há críticas ao mundo patriarcal, em sua tentativa de calar as mulheres. Há coisas bem positivas no filme e eu acredito que se fosse melhor editado e com um final melhor pensado renderia uma obra lembrada mais por suas qualidades do que pelas tretas de bastidores.

AVATAR

Certamente gostei bem mais de AVATAR (2009) agora, nesta revisão, em cópia 4K lindona, e vendo na gloriosa sala IMAX. Pena que as notícias sobre o novo 3D ser sem os óculos foram infundadas. Ou ao menos essa tecnologia ainda não está pronta. Ainda assim, pude enxergar agora algo que a própria tecnologia havia atrapalhado na primeira vez, que é sua história de espionagem e ficção científica cuja mensagem, para os dias de hoje, parece ser ainda mais atual. Hoje em dia precisamos lembrar que é, no mínimo, muito errado destruir florestas. Além do mais, a trama do marine que age como agente duplo vai ganhando força à medida que se aproxima de seu clímax. As cenas das batalhas finais são grandiosas e envolventes. Ainda acredito que, para o tipo de catarse que o filme propõe, fica faltando emoção, mas James Cameron é um homem da ação, antes de tudo. Tanto que o filme que eu mais lembrei ao rever AVATAR foi ALIENS – O RESGATE (1986). Ao que parece, o novo vai fazer uma espécie de dobradinha com O SEGREDO DO ABISMO (1989), pelos efeitos revolucionários envolvendo água. Aliás, quem for rever no cinema, uma informação: após os créditos, vemos um aperitivo da continuação.

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