quinta-feira, agosto 04, 2022

ROSA LA ROSE, GAROTA DE PROGRAMA (Rosa la Rose, Fille Publique)



“Se a paixão fosse realmente um bálsamo, o mundo não pareceria tão equivocado...”
(Renato Russo)


Eu sabia que quando voltasse às aulas minha energia ficaria cada vez mais limitada. Aliás, esse já é um problema meu há alguns anos, mas tenho notado que tem se tornado cada vez mais um lamento, tendo deixado de ser uma preocupação, pois a preocupação demanda também energia. E, por isso, uma coisa de que gosto muito de fazer, que é escrever para este espaço, tendo algo para falar e uma disposição física razoável ao menos, aliada a um tempo disponível, acabou se tornando artigo raro. Mas eis que aqui estou, tentando ver se consigo escrever sobre um filme que tanto me encantou, ROSA LA ROSE, GAROTA DE PROGRAMA (1986), de Paul Vecchiali, um cineasta tão brilhante quanto marginalizado pelo nosso circuito, cultuado por um pequeno círculo de cinéfilos que tiveram a alegria de entrar em contato com sua obra.

Até então, do cineasta, eu só tinha visto É O AMOR (2015), que fora exibido numa única sessão numa das valiosas mostras retrospectativas do Cinema do Dragão. Ou seja, nem chegou a ter uma semana de exibição comercial. E acredito que nenhum de seus filmes anteriores tenha ganhado espaço em nosso circuito. Seus filmes são pequenos no quesito produção e pelo que vi no IMDB trata-se de um cineasta incansável, já tendo no currículo 57 títulos na direção, entre longas, curtas e produções televisivas. Recentemente, dentro de uma bolha da cinefilia brasileira, Vecchiali voltou a chamar a atenção quando ROSA LA ROSE... e também UMA VEZ MAIS (1988) apareceram em diversas listas de melhores filmes dos anos 1980. Então, antes tarde do que nunca o reconhecimento maior de sua obra.

É muito bom conhecer poéticas estranhas, totalmente novas e não só por isso fascinantes. Ao ver ROSA LA ROSE, GAROTA DE PROGRAMA abracei sua estranheza com muita animação. E animação é a palavra certa no primeiro terço do filme, em que vemos o universo de garotas de programa como um espaço de riso, leveza, alegria e muita gentileza, especialmente da parte de Rosa (Marianne Basler, apaixonante), a protagonista cheia de vida e encanto, que de tão linda, simpática, sorridente e feliz, não lhe faltam clientes. E essa primeira parte do filme culmina com o aniversário de Rosa, que parece saído de um filme de Josef von Sternberg, pela estilização adotada. 

Essa primeira parte também lembra FRENCH CAN CAN, de Jean Renoir, tanto pela alegria quanto pelo quanto dá uma espetada no falso moralismo. Mesmo assim, nem tudo são flores, pois há algo de agridoce na situação das profissionais do sexo nessa primeira parte, especialmente aquelas que estão há mais tempo na profissão e que agora se sentem rejeitadas pelos clientes, ainda mais tendo uma jovem tão bela e requisitada quanto Rosa competindo.

Mas eis que surge algo para tirar os pés de Rosa do chão, um homem por quem ela se vê apaixonada. E notamos essa diferença logo no momento em que os dois entram no ambiente privado do quarto. O amor aqui (ou a paixão, na verdade, sua forma mais enlouquecida e mais ligada ao sofrimento) é um elemento trágico, febril, desnorteador. Tanto que em pouco tempo vemos o filme de tornar um melodrama, com direito a citação a TARDE DEMAIS PARA ESQUECER, de Leo McCarey, com a diferença no tipo de dramaturgia: sai o realismo romântico de Hollywood e entra um tipo de atuação mais próxima do teatro, talvez. 

Com o surgimento da paixão, os pensamentos ficam nublados, obscurecidos, e a luz do sol do raiar do dia parece apenas um alento. Especialmente na cena perto do final, em que a personagem-título está na cama e pede para que abram a janela do quarto. O sol tem essa representação da alegria de viver que o filme apresentou tão bem no início. No mais, há uma cena de carnaval de rua com samba brasileiro que é linda. No entanto, é uma cena que já chega em um momento emocionalmente instável para Rosa. Eis o motivo de tantos de nós não estarmos dispostos a nos apaixonarmos. O cair do fall in love na língua inglesa é especialmente feliz ao retratar essa condição. 

+ DOIS FILMES

DEITE COMIGO (Lie with Me)

Confesso que o que me chamou a atenção para este filme foi a informação (não sei se totalmente verídica) de que as cenas de sexo são todas reais, embora não sejam explícitas. O curioso de DEITE COMIGO (2005), de Clement Virgo, é que engana um pouco ao ser apresentado como a jornada de uma jovem mulher pelo sexo insaciável. Acaba sendo uma história de amor, com alguns detalhes curiosos. Por exemplo, há a opção de não se falar em outra coisa nos diálogos a não ser o estar com a pessoa, o desejo, a saudade, a necessidade, a vontade de estar para sempre com ela. Até mesmo na subtrama dos pais da personagem feminina isso também se limita ao estar ou não com alguém. Por outro lado, o filme ganha com diálogos simples mas espontâneos, ganha com momentos de intimidade que passam uma liberdade com o corpo muito interessante. E curiosamente eu diria que um dos momentos mais fortes do filme é quando os personagens enfrentam a própria insatisfação amorosa e sexual. Detalhe presente em um dos cartazes de divulgação: uma comparação com 9 CANÇÕES, o musical erótico de Michael Winterbottom que fez um leve sucesso no cinema alternativo na época. Nem sei se faz sentido a comparação, mas para chamar a atenção, está valendo.

O SEGREDO DE MADELEINE COLLINS (Madeleine Collins)

Caso raro de atriz que se tornou "quente" no cinema internacional depois dos 40, Virginie Efira é tão bela quanto impressionantemente talentosa. O SEGREDO DE MADELEINE COLLINS (2021), de Antoine Barraud, foi o filme que ela fez logo após o impacto de BENEDETTA e explora ainda mais sua versatilidade. A princípio, achei que se tratasse de uma versão feminina de MONSIEUR VERDOUX (do Chaplin), mas a trama vai além do mostrar uma pessoa com vida dupla. No caso, começamos o filme vendo a personagem de Efira fazendo viagens constantes entre França e Suíça para duas famílias diferentes e estilos de vida diferentes, e vendo seu mundo desmoronar quando começa a não ter mais controle da situação de ser secretamente mãe e esposa de duas famílias. Aliás, a situação é bem mais complexa do que se imagina a princípio e Efira em certo momento lembra a Gena Rowlands em UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA, de John Cassavetes, tal a entrega física e mental aos abismos de sua personagem. Uma das melhores interpretações que vi recentemente

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