quinta-feira, julho 28, 2022

O DESTINO BATE À SUA PORTA (The Postman Always Rings Twice)



Os cineastas da Nova Hollywood estão indo embora aos poucos. Não faz muito tempo que Peter Bogdanovich se foi. Monte Hellman partiu em abril do ano passado. E neste sábado, dia 23, foi a vez da partida de Bob Rafelson. Que bom que os cineastas mais ativos ainda estão muito vivos e atuantes (Spielberg, Scorsese, Eastwood, Coppola, De Palma, Malick, Lynch, Schrader, Polanski, Allen), mas há que se concordar que o tempo não poupa ninguém. Enfim, é melhor não pensar muito nisso. O momento é de celebrar a vida e a obra de um dos mais importantes cineastas desse movimento de renovação do cinema americano, ele que chegou chutando portas com OS MONKEES ESTÃO SOLTOS (1968) e CADA UM VIVE COMO QUER (1970).

Na verdade, Rafelson nem é dos meus diretores favoritos desse “movimento”. Mas é possível que a maneira que eu via os seus filmes é que não estava sendo a correta. Na época do VHS eu vi vários filmes que acabei não me envolvendo e coloquei na categoria injusta do “não gostei". Mas os clássicos, pelo menos os clássicos, merecem sempre uma segunda chance. Por isso, aproveitei a passagem de Bob Rafelson para ver, desta vez pra valer, O DESTINO BATE À SUA PORTA (1981), agora preparado para o andamento mais lento das obras do cineasta, tido por muitos como um mestre da Nova Hollywood que trouxe um tom europeu para o cinema americano. E de fato isso faz sentido, por mais que tenhamos um roteiro de David Mamet a partir de um romance de James M. Cain, e com um casal de protagonistas bem americanos.

Embora esse movimento para o neo noir tenha começado lá nos anos 1970 – lembramos logo de CHINATOWN, de Roman Polanski –, eu destacaria três exemplares da primeira metade dos anos 1980 como os que mais trazem características da fase áurea do subgênero (anos 1940 e 50) para o momento então presente. Falo de CORPOS ARDENTES, de Lawrence Kasdan, GOSTO DE SANGUE, dos irmãos Coen, e deste O DESTINO BATE À SUA PORTA, refilmagem de O DESTINO BATE À PORTA, de 1946, dirigido por Tay Garnett e estrelado por Lana Turner e John Garfield. Infelizmente não vi a versão de 46, isso fica para o futuro (próximo?), mas creio não ser preciso para apreciar esta atualização mais apimentada para uma época em que o cinema americano trazia mais cenas picantes. De certo modo, Hollywood estava ainda bem atrás do cinema europeu (e do brasileiro) nesse quesito, mas trata-se de um movimento bem-vindo e que certamente chamou a atenção de um público maior. Aliás, a presença de Jessica Lange, em si, pode ter sido um chamariz, levando em consideração que sua estreia no KING KONG de 1976 já trazia um teor apelativo para a sensualidade da atriz.

Na trama de O DESTINO BATE À SUA PORTA, Jack Nicholson é Frank, um homem que claramente não é dos mais honestos ou confiáveis. Sua chegada a um restaurante de beira de estrada já denota sua vontade de tirar vantagem. Ainda não sabemos de seu passado, mas podemos inquirir um pouco. Ele é bem recebido por Nick, o dono do restaurante, um grego vivido por John Colicos, e fica de olho na bela esposa do sujeito, Cora, vivida por Jessica Lange. Não demora muito para que Frank se aproxime de Cora, e isso surge de maneira até bastante agressiva (para os padrões de hoje). A primeira e famosa cena de sexo na mesa de cozinha cheia de massa de trigo, ganha força principalmente pela entrega e pela vontade de Cora. Um destaque da cena, do ponto de vista da evolução do sexo no cinema, é a maior ênfase (e tempo) na mão de Frank nas partes íntimas de Cora.

Ainda assim, eu diria que o forte do filme não é o sexo, embora ele seja fundamental para que certas coisas que eram impossíveis de ser mostradas no cinema da Velha Hollywood por causa do Código Hays passassem a ser possíveis, mas toda a situação que surge a partir do momento em que Cora deseja que o marido morra para que ela se livre de um relacionamento que ela atura com esforço e fique apenas com Frank. O que me deixa surpreso é que a primeira tentativa inicial de matarem Nick fica quase toda por conta de Cora. 

Por mais que Jack Nicholson seja brilhante, achei incrível o quanto Jessica Lange se agiganta a cada momento em cena. Como um exemplar do chamado neo-noir, este filme até que se distancia um pouco do que se espera dos destinos fatídicos desse subgênero, especialmente em seu terceiro ato. No fim das contas, trata-se de um filme de amor, por mais torto que seja esse amor. É impressionante o quanto torcemos pelo casal de criminosos e assassinos, pois o coitado do grego não era nenhuma presença maligna ou coisa do tipo.

Além do mais, vemos o quanto a vontade de Frank de agradar e de ficar com Cora até o fim é legítima e o mais próximo possível de um sentimento puro, por mais absurdo que isso seja. Por isso chega a ser doloroso o destino dos dois, que ocorre quase como se fosse uma obrigação do diretor e do roteirista para a sociedade. Afinal, seria amoral um final feliz para eles. Ainda assim, o casal foi feliz por um bom tempo, e isso é como uma espécie de prêmio para os anti-heróis.

Fechando o texto, não posso deixar de destacar a fotografia do lendário Sven Nykvist, também conhecido como o diretor de fotografia do Bergman, e que chegou a trabalhar com Woody Allen também em vários filmes.

P.S.: Uma quase coincidência: cerca de um ano atrás eu revi um outro filme de Rafelson, uma obra um pouco mais comercial mas que me agrada muito, o thriller O MISTÉRIO DA VIÚVA-NEGRA (1987).

+ DOIS FILMES

À MARGEM DA VIDA (Caged)

Quando a Warner vende o filme em seu trailer já levanta uma preocupação que ainda hoje é discutida: a situação das mulheres que entram na prisão como réus primárias e cujo novo ambiente funciona como uma verdadeira escola do crime. Não exatamente por serem persuadidas, mas às vezes por revolta com o sistema. É o que está prestes a acontecer com Marie Allen (Eleanor Parker), que entra na prisão como cúmplice de um assalto seguido de morte efetuado pelo marido. À MARGEM DA VIDA (1950), de John Cromwell, traz um contraponto forte à docilidade de Marie, que é a personagem de Hope Emerson, a mais cruel das responsáveis pela disciplina das detentas. Misto de film noir, melodrama prisional e filme de gângster, esta produção funciona tanto como uma obra a ser estudada para fins políticos e sociológicos, quanto como mais um exemplar do pessimismo de seu tempo e do ótimo duelo de personagens femininas. Título presente no box Filme Noir vol. 11.

PAIXÃO SELVAGEM (Canyon Passage)

Lindíssimo exemplar do western romântico, e que permanece encantando e impressionando, passados quase 80 anos de seu lançamento. Jacques Tourneur vinha do sucesso de seus filmes de horror para Val Lewton, mas já estava fazendo uma transição para outro tipo de cinema quando estreou em PAIXÃO SELVAGEM (1946), este western a cores que conta a história de um homem de negócios (Dana Andrews) dividido entre o amor de duas mulheres (Susan Hayward e Patricia Roc) e tentando livrar o amigo problemático e viciado em jogo (Brian Donlevy). Enquanto isso, ele é perseguido por um desafeto que tenta tirar sua vida algumas vezes e que rende uma das melhores cenas de briga em saloon que já vi. Fiquei impressionado como uma certa cena de beijo me deixou desconcertado, talvez por ser um filme dos anos 1940: trata-se da cena em que Susan Hayward permite ser beijada por Andrews na frente do namorado dela. Me pareceu tão "moderno". No mais, há toda aquela atmosfera que o filme apresenta muito bem do perigo de se estar próximo dos índios e do quanto a trégua pode acabar, bastando um gesto errado de uma das partes. Gosto muito do herói de Andrews, que carrega um sorriso de confiança o tempo todo, mas sem parecer desinteressado nas pessoas que lhe são caras. Grande filme! Título presente no box Cinema Faroeste (primeiro volume). 

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