terça-feira, julho 19, 2022

O TELEFONE PRETO (The Black Phone)



Um dos filmes mais interessantes e bem-vindos do ano, especialmente para quem gosta do gênero, é O TELEFONE PRETO (2021), muito provavelmente o melhor filme dirigido por Scott Derrickson – mais até do que O EXORCISMO DE EMILY ROSE (2005), um de seus trabalhos mais festejados. Um dos grandes méritos deste novo trabalho é conseguir unir o terror da vida real com o sobrenatural. São poucos os filmes que conseguem ou mesmo que procuram fazer essa união. Um dos que eu lembro com carinho é A ENTIDADE 2 – não o primeiro, curiosamente dirigido pelo Derrickson –, mas o segundo, que trata de violência doméstica de maneira forte, para em seguida ainda colocar a heroína sofrendo em uma casa amaldiçoada. Uma pena que este segundo filme, dirigido por Ciarán Foy, seja pouco lembrado.

Pois bem, voltando aO TELEFONE PRETO. O filme, já no início, nos mostra que o terror pode vir (e vem com muita frequência, infelizmente) de situações do cotidiano: seja o pai alcoólatra agressivo, seja o bullying e a violência dos meninos na escola. Tudo isso é violência física e psicológica. O filme trazer essa ambientação logo de cara, apresentando uma briga de crianças como algo sangrento e assustador, e crianças sendo desacreditadas e agredidas pelo pai, é um elemento que traz as bases para que a trama principal se torne forte o suficiente.

A direção de fotografia é um dos destaques, nos levando para o final dos anos 1970, com citações a O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA e OPERAÇÃO DRAGÃO, sucessos da década. A bela fotografia granulada ficou a cargo de Brett Jutkiewicz, responsável pelos filmes CASAMENTO SANGRENTO e PÂNICO. Mas o que mais chama a atenção mesmo é a dupla de jovens personagens/atores, o garoto Finney (Mason Thames) e sua irmã caçula Gwen (Madeleine McGraw). O fato de o menino se sentir fragilizado diante de tudo que está a seu redor, inclusive o ataque dos meninos intimidadores, traz um elo de identificação com boa parte dos espectadores. Para o garoto, há algo de paralisante na violência. Ele não consegue, por exemplo, reagir quando o pai está batendo na irmã, em cena bastante incômoda.

Além de tudo, o medo começa a ficar mais intenso naquela pequena cidade comum americana, com aspecto que lembra HALLOWEEN – A NOITE DO TERROR quando crianças conhecidas de Finney desaparecem. E apenas a pequena Gwen talvez possa ajudar, já que ela vem tendo sonhos sobre esse sequestrador e suas vítimas. O dom da garota também aparece com sua fé e sua comunicação desesperada com Deus. Ela tem um pequeno altar, escondido do pai, onde faz suas orações. 

Baseado em um conto escrito por Joe Hill, o mesmo autor dos quadrinhos de sucesso que deram origem à série da Netflix LOCKE & KEY, percebe-se um elemento comum entre as duas obras, que é o carinho entre os dois irmãos. Ambas as obras também contém fortes elementos sobrenaturais, mas O TELEFONE PRETO prefere usar o sobrenatural como um auxílio para o jovem protagonista, e não como um horror a somar. Quando ele se encontra sozinho em um porão, depois de ter sido sequestrado pelo personagem de Ethan Hawke, a única ajuda que ele tem é vinda desse contato com os espíritos dos amigos mortos, e que àquela altura já estavam se esquecendo de suas identidades quando vivos.

Sobre o personagem de Hawke, ele aparece pouco, mas sua presença é forte o suficiente, trazendo certa ambiguidade no que se refere à maldade. Em certo momento ele parece simpatizar com o garoto, mas isso só torna a relação entre os dois ainda mais incomoda. Há uma máscara que ele usa e que é montável e que contribui com essas mudanças que o personagem demonstra. O fato de o filme não contar nada de suas origens é mais positivo do que negativo.

O que pode trazer também um sentimento ambíguo para o espectador é o quanto a violência, que até então era vista como algo odioso e ramificado na sociedade americana, se transforma na única arma possível para derrotar o inimigo. Por isso ela é abraçada, uma vez que essa mesma violência vem de um sentimento de catarse, de vontade de libertação, potencializada com o emotivo abraço final dos dois irmãos e o pedido de desculpas do pai, seguido de um perdão que pode ficar para depois. Bem depois.

+ DOIS FILMES

A NOITE DAS BRINCADEIRAS MORTAIS (April Fool's Day)

O legal de A NOITE DAS BRINCADEIRAS MORTAIS (1986) é que o filme traz a questão das pegadinhas do 1o. de abril para o próprio gênero. Por outro lado, pode frustrar as expectativas de quem quer ver um autêntico slasher, já que as supostas mortes que surgem não tem um mínimo de gore - o que é compreensível para a proposta. A diversão fica por conta, em boa parte da metragem, das brincadeiras e dos atritos que surgem entre a turma de colegas de escola que passam alguns dias em uma casa afastada, numa ilha. A anfitriã prepara uma série de pegadinhas logo de início, muito caprichadas, mas a coisa começa a ficar preocupante quando um deles desaparece. E depois outro. O filme é leve. Algo como um quase slasher para a família, com pouco sexo e pouca violência. O diretor, Fred Walton, havia feito um baita filme em 1979, QUANDO UM ESTRANHO CHAMA aka MENSAGEIRO DA MORTE, que acredito ser a melhor coisa que fez em sua carreira. Nos extras do box Slashers VII há uma entrevista dele de mais de 40 minutos.

A GAROTA DA FOTO (Girl in the Picture)

Não tenho o hábito de ver esses documentários de true crime e por isso não tenho como saber quais deles se distinguem pela excelência. Lembro de DEAR ZACHARY – UM CASO CHOCANTE, que é um troço pesado demais para rever, mas talvez esse seja um caso à parte. Este A GAROTA DA FOTO (2022), de Skye Borgman, tem chamado a atenção e tendo em vista o hype criado e os elogios dos amigos, lá fui eu ver. Até porque também gosto de histórias de mistério e crime - mais de mistério do que de crime. E o caso da jovem mulher de 20 anos que é encontrada à beira da morte na estrada se desenrola para situações tão bizarras que não há como não ficar impressionado com o quanto a vida real consegue ultrapassar a ficção. Li uma crítica comparando a curta vida da garota com a de Laura Palmer, de TWIN PEAKS, e acho sim que tem tudo a ver. E com um toque de realismo ainda mais pungente, sem termos o conforto de saber que a alma da moça será recebida em paz do outro lado. E é difícil também conter a raiva e a indignação dos atos terríveis do psicopata da história. Um filme para nos deixar refletindo sobre o quão terrível este mundo pode ser, principalmente para as mulheres.

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