quinta-feira, julho 07, 2022

COMUNHÃO (Alice, Sweet Alice / Communion / Holy Terror)



Ninguém merece passar o aniversário de molho em casa, com COVID. Saudade de 2019, quando programei meu aniversário para passar em São Paulo. Mas podia ser pior, claro. Então, melhor não reclamar. Ao menos estou conseguindo visualizar melhoras para o futuro breve. E, hoje, se me dispus a escrever para o blog, por mais simples que seja o texto, já é um bom sinal, já que ontem não consegui escrever coisa alguma. Um dos problemas de estar doente é que a cabeça fica como se estivesse com uma névoa, impedindo o raciocínio. Triste para quem gosta de ler e de escrever.

Porém, mesmo no meio disso tudo, vi um filme que justifica eu tomar um pouco do meu tempo para escrever a respeito, que é o proto-slasher COMUNHÃO (1976), dirigido por um sujeito chamado Alfred Sole, que antes disso só havia dirigido um filme pornô em 1972! É impressionante como Hollywood já foi mais ousada. De todo modo, dentro desse subgênero, e dentro do horror como um todo, é possível ver vários casos de diretores que não tiveram uma carreira brilhante, mas que deixaram um filme brilhante para a posteridade. E certamente é o caso deste que é um dos filmes mais bárbaros, violentos e transgressores que eu já vi. Dá para ver a influência explícita do giallo (lembrei na hora de PRELÚDIO PARA MATAR, de Dario Argento), mas como o giallo é um gênero que tem uma estranheza toda própria, ver isso sendo transposto para um tipo de dramaturgia mais familiar, como a do cinema americano, acaba fazendo uma diferença enorme.

Inspirado em PSICOSE, de Alfred Hitchcock (a história se passa em 1961 e até vemos um poster do filme do mestre do suspense na rua), e também em INVERNO DE SANGUE EM VENEZA, de Nicolas Roeg (o uso da capa de chuva amarela não deve ser uma coincidência), COMUNHÃO nos apresenta à história de uma família que passa por uma situação traumática. Durante a cerimônia de comunhão da filhinha pequena (Brooke Shields, em seu primeiro papel no cinema), acontece um assassinato em plena igreja. A principal suspeita é Alice, a irmã mais velha da garota, vivida pela excelente Paula E. Sheppard.

E nós espectadores também somos levados a acreditar na culpa de Alice. Afinal, é ela quem usa a máscara e a roupa, é ela quem costuma implicar com a irmã caçula, é ela que tem um comportamento de aparente sociopatia. Mas surpresas não faltam e com elas aumenta também nossa relação de respeito com a obra de Sole, que demonstra um cuidado impressionante com a direção, com o modo como movimenta a câmera, o modo como a posiciona e também pela opção por atuações mais intensas de seu elenco. Há muitas cenas de arrepiar, mas adoro uma em especial, quando a tia de Alice é esfaqueada na escada e a mãe da garota grita, pedindo socorro. Que cena brutalmente magnífica!

Como precursor do slasher, COMUNHÃO também antecipa HALLOWEEN – A NOITE DO TERROR, de John Carpenter, ao trazer tanto a questão da psicopatia com crianças quanto o uso de uma máscara que causa um terror quase inexplicável. Há também um forte elemento transgressor, já que boa parte das cenas envolvendo as mortes acontece durante a missa. Além do mais, os rituais católicos são mostrados de maneira a apontar para um grau de estranheza fora do usual. A cena de Alice oferecendo a língua para receber a hóstia momentos antes de ser noticiada a morte de uma criança na igreja causa algo de desconcertante.

O filme chegou a ser relançado para capitalizar com o nome de Brooke Shields nos créditos, devido ao sucesso de MENINA BONITA, de Louis Malle. COMUNHÃO é desses filmes que é melhor visto sabendo o mínimo possível. O que eu acho impressionante é que hoje em dia não vemos filmes de terror que consigam trazer tanto impacto quanto este.

Visto no box Slashers IV.

+ DOIS FILMES

WATCHER

Eis um filme que poderia ter rendido mais suspense, mais tensão. Pelo menos acredito que era isso o pretendido. Ao final de WATCHER (2022), ficamos sabendo que se trata mais de uma obra sobre o descrédito dado às mulheres num mundo dominado pelos homens. A exploração da condição de estrangeira em um país estranho e que fala uma outra língua completamente diferente (a Romênia, no caso) também ajuda a compreender um pouco mais o drama da protagonista (Maika Monroe), embora lá pela metade eu tenha começado a acreditar que o que ela sentia era sim algum tipo de paranoia. E falo isso com tristeza, inclusive. Será essa a intenção do filme de Chole Okuno?

COM AS HORAS CONTADAS (D.O.A.)

Um filme que está sempre acima do tom, até mesmo quando se utiliza do humor. Há um momento em que o protagonista (Edmond O'Brien) viaja para San Francisco para se afastar um pouco de sua namorada e, a cada mulher bonita que vê, ouvimos uma espécie de fiu-fiu na trilha. Achei bem desconcertante isso, e é de certa forma contrastante com a intenção aparentemente mais séria do filme, embora o ponto de partida já seja em si para trazer interesse e diversão. Na trama de COM AS HORAS CONTADAS (1949), de Rudolph Maté, um homem chega a uma delegacia de polícia para reportar um assassinato: o assassinato dele mesmo. Ele havia sido envenenado e conta em flashback o ocorrido. Tudo ocorre em ritmo alucinante (ou quase) e o tom melodramático também é bem over, em especial na última cena do protagonista com a namorada. O filme rendeu um remake em 1988 chamado MORTO AO CHEGAR, estrelado por Dennis Quaid. Visto no box Filme Noir Vol. 20.

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