sexta-feira, abril 15, 2022

APOLLO 10 E MEIO – AVENTURA NA ERA ESPACIAL (Apollo 10 1/2: A Space Age Adventure)



Infelizmente o nosso sonho de ver um quarto filme estrelado pelo nosso casal de personagens favorito do cinema americano, Jesse e Celine, não se materializou. Pela regra dos nove anos de intervalo entre os três filmes, a continuação de ANTES DA MEIA-NOITE (2013) deveria sair neste ano. Julie Delpy já afirmou que não haverá um quarto filme dos personagens. Os três, o diretor Richard Linklater, Delpy e Ethan Hawke conversaram e viram que não havia ideias suficientemente boas que justificassem um quarto filme. E, de fato, se for para estragar a magia, melhor mesmo que não haja.

No entanto, eis que Linklater volta com um filme delicioso e que surge com bem pouco alarde na Netflix. APOLLO E MEIO – AVENTURA NA ERA ESPACIAL (2022) é a terceira animação que o diretor faz usando o recurso da rotoscopia. E talvez o mais visualmente bonito, ainda que, pela minha memória, o meu favorito dos três continue sendo WAKING LIFE (2001), pelo tanto que me deixou entusiasmado com os questionamentos filosóficos feitos um atrás do outro. Era como se o filme necessitasse de uma versão em livro, para que pudéssemos parar, pensar, pesquisar, estudar.

De certa forma, APOLLO E MEIO é um pouco assim, mas em vez de buscar uma reflexão mais cabeça, o aspecto enciclopédico está nas inúmeras referências – musicais, cinematográficas, televisivas, comportamentais, históricas – daqueles anos finais da década de 1960. E dentro de uma visão deliciosamente nostálgica. Há uma subtrama envolvendo o jovem protagonista entrando numa missão secreta da NASA, como que mostrando o quanto aquele momento da corrida espacial fez a cabeça do jovem Linklater, mas o mais importante, e o que mais agrada, é mesmo a viagem no tempo para a infância de Stan (Milo Coy).

Na voz de Jack Black, a versão adulta de Stan, claramente o alter-ego de Linklater, pegamos na mão do personagem e seguimos nessa viagem rumo a 1968/69. E quem me conhece sabe que o ano de 1968 é particularmente especial para mim, já que é o ano do meu filme favorito (2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, claramente uma referência explícita já no título) e do meu álbum favorito (o “Álbum Branco” dos Beatles). E muitas coisas são vistas rapidamente nessa lista de motivos para celebrar o passado. As sessões duplas ou triplas no cinema têm tanto valor afetivo quanto o sabor do sorvete que ele tomava com os irmãos, ou as disputas pela posse da televisão em uma época de ouro das séries. Sem falar naquilo que movimentava a sociedade da época, a corrida espacial, que culminou na chegada do homem à lua, evento televisionado para todo o mundo em 20 de julho de 1969. O fato de Linklater ter crescido no Texas e mostrado já em outras obras as dores e as delícias de ter vivido nesse estado o aproxima ainda mais da NASA e daquele momento histórico.

E há aquilo que afeta de maneira muito intensa a memória afetiva, que é a música. E o que dizer da música produzida nos anos 1960? Especialmente aquelas da segunda metade dessa década?! Há muitos trechos de canções que aparecem no filme e outras são citadas verbalmente também. Há Credence Clewater Revival, The Byrds, Johnny Cash, Pink Floyd, entre outras. Acho que Linklater só não incluiu mais porque ia custar uma fortuna pagar os direitos autorais por tanta música. De todo modo, já há o bastante para conferir ainda mais empolgação para o filme.

E sabemos a forte relação que Linklater tem com a música, sendo que sua juventude mais adulta foi representada nos filmes JOVENS, LOUCOS E REBELDES (1993) e em sua continuação espiritual, JOVENS, LOUCOS E MAIS REBELDES (2016), filmes que representam um Linklater menos intelectual e mais em sintonia com o jovem americano médio. Esses filmes talvez possam ser vistos, inclusive, como continuações de APOLLO 10 E MEIO, se pensarmos sua história do ponto de vista cronológico.

Como temos uma história de um menino de nove anos, há toda uma carga de inocência, que só fica um pouco de lado quando o espectador adulto percebe as diversas aberturas, ainda que discretas, de crítica social, que, afinal, era algo presente e de muito mais interesse das irmãs mais velhas do protagonista. Em fins dos anos 1960, os Estados Unidos estavam vivendo um momento de lutas pelos direitos civis. Dá até um pouco de inveja de quem pôde vivenciar e testemunhar tudo isso.

+ DOIS FILMES

AMBULÂNCIA - UM DIA DE CRIME (Ambulance)

Um dos acertos (poucos, diria) na carreira de Michael Bay, AMBULÂNCIA – UM DIA DE CRIME (2022) tem um espírito de filme B com orçamento de filme A. Me vi pensando nisso na cena em que um homem se mete no para-brisa do carro. Além disso, o senso de humor afiado está presente principalmente na cena da cirurgia de emergência. Jake Gyllenhaal parece estar se divertindo bastante com seus overactings, Yahya Abdul-Mateen II é um astro em ascensão que só tem contra si o nome difícil de memorizar, e a jovem Eliza González brilha em cena e segura a onda nos momentos de tensão dentro da ambulância. E falando em brilho, podemos destacar a fotografia solar, mas também podemos seguir reclamando da montagem excessivamente picotada, que já é a cara do Michael Bay e aqui não é muito diferente. Na cena do assalto eu fiquei completamente zonzo. Além do mais, quem toma um café e vai ver o filme na sala IMAX com o som no talo fica ainda mais zonzo. Tiro, porrada e bomba que me fez esquecer os problemas e até sorrir. Então, tá valendo demais.

MEDIDA PROVISÓRIA

Eu achei o ponto de partida de MEDIDA PROVISÓRIA (2020) muito interessante, como mais um desses contos distópicos, mas senti falta de um desenvolvimento que funcionasse dramaturgicamente e que tivesse um aprofundamento maior dos personagens. As frases feitas e meio batidas me incomodaram também e há momentos em que o diretor Lázaro Ramos parece não saber onde colocar a câmera (isso é sentido principalmente no começo do filme, depois ele parece desistir de fazer algo diferente visualmente). Como objeto político e de contestação, acho que tem o seu valor. Vejo também valor como entretenimento popular, principalmente se o público é de gente de esquerda - acredito que seja o grosso da audiência presente. O Cineteatro São Luiz, pelo menos, estava bem cheio, e houve palmas e gritos em determinados momentos. Então, vejo isso como positivo, por mais que eu não tenha me sentido em sintonia com a alegria e com o contentamento do público.

Nenhum comentário: