quarta-feira, abril 27, 2022

PEQUENA MAMÃE (Petite Maman)



Acho curioso como eu, que tenho tantas memórias afetivas e/ou complexas da infância e até hoje as levo para o divã, tenho uma relação um pouco estranha com filmes protagonizados por crianças. Fico me perguntando o motivo de muitos deles me fazerem dormir ou não me despertarem tanto o encanto. Claro que há casos e casos e alguns exemplares me trazem mais atenção (VENENO PARA AS FADAS, de Carlos Enrique Taboada; OS INCOMPREENDIDOS, de François Truffaut; O LABIRINTO DO FAUNO, de Guillermo del Toro; ABC DO AMOR, de Mark Levin; ou o maravilhoso ONDE FICA A CASA DO MEU AMIGO?, de Abbas Kiarostami; entre outros). Sei que colocar isso num mesmo balaio é injusto, mas acontece e é algo que eu vivo me perguntando por que acontece.

PEQUENA MAMÃE (2021) não chegou a me causar sono, não, mas digamos que, depois do entusiasmo e do encantamento que eu senti com RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS (2019), o novo filme de Céline Sciamma não me trouxe tanta alegria. Claro que são filmes e propostas muito diferentes e eu mesmo não tenho conhecimento suficiente da poética da cineasta para buscar muitos elos entre os dois filmes e outros dois que vi vários anos atrás. De todo modo, é possível perceber sua sensibilidade ao tratar de relações entre mulheres, seja de natureza romântica, familiar ou entre amigas.

É também preciso compreender o momento da gestação de PEQUENA MAMÃE, que foi durante a pandemia. E isso fica claro de notar na economia do elenco (e muito provavelmente da equipe de filmagem) e da grande quantidade de cenas em espaços abertos e distantes de uma cidade grande. Na trama, a pequena Nelly (Joséphine Sanz) sofre o luto da morte muito recente da avó e lamenta o fato de não ter conseguido dizer adeus a ela. Logo uma pessoa que ela tanto amava. Ao mesmo tempo, ela tem percebido o distanciamento físico de sua mãe, que está passando por uma situação provável de separação ou crise no casamento. Não sabemos o que está havendo também, pois nosso olhar se limita ao olhar de Nelly.

Algo mágico ou fantasioso acontece quando Nelly está na casa de campo da avó: ela tem contato com uma menina da sua idade, que é na verdade a sua própria mãe, vivida pela irmã de Joséphine Lanz, Gabrielle – as duas meninas são tão parecidas que senti dificuldade de definir quem era quem. Esse encontro, além de fantástico, pois funciona como uma máquina do tempo, é uma maneira de Nelly entrar em contato de modo mais próximo com a mãe, agora com sua idade e ainda muito inquieta com o próprio futuro, mesmo sendo tão jovem. É também a oportunidade de Nelly conversar com a avó, que a recebe com carinho como a nova amiguinha da filha.

Algumas religiões espiritualistas dizem que nossas famílias são geralmente compostas por revezamento de funções, por assim dizer. Se nesta vida reencarnamos como filhos, no passado poderíamos ter sido pais ou irmãos uns dos outros, e isso vale para o futuro também. Eu acho essa ideia muito simpática e PEQUENA MAMÃE meio que materializa uma possibilidade que não acontece na relação mãe-filha, por exemplo: de haver um tipo de relacionamento entre pares, em vez de uma relação de autoridade ou de uma menor aproximação pelo simples fato de que essa relação é entre adulto e criança.

Sciamma repete a parceria com a diretora de fotografia Claire Mathon, a mesma de RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS, mas que também fez trabalhos muito distintos e muito especiais em obras como UM ESTRANHO NO LAGO, de Alain Guiraudie, e SPENCER, de Pablo Larraín. Em PEQUENA MAMÃE, o trabalho de Mathon traz cores leves que fundem uma melancolia até própria do período em que o filme foi realizado com uma sutil alegria do encontro de Nelly com a versão mirim de sua mãe.

PEQUENA MAMÃE é um filme modesto e que foi recebido com pouco alarde dentro do circuito alternativo, principalmente levando em consideração o filme anterior da cineasta, eleito o melhor do ano por várias associações de críticos no Brasil e no mundo. Mas, de todo modo, não é um filme que procura chamar tanta atenção para si, é um filme que parece se esconder para ser encontrado por uma plateia menor e merecedora.

+ DOIS FILMES

FLEE - NENHUM LUGAR PARA CHAMAR DE LAR (Flugt)

Chega com algum atraso nos cinemas este documentário realizado no curioso formato de animação, o que traz um forte acento ficcional para ele. Curiosamente, uma animação que também tratava de personagens afegãos, o excelente OS OLHOS DE CABUL, me pareceu trazer mais verdade e realidade do que esta produção indicada triplamente ao Oscar. Confesso que posso incluir FLEE - NENHUM LUGAR PARA CHAMAR DE LAR (2021), de Jonas Poher Rasmussen, como mais uma animação que me fez cochilar, mas tenho que reconhecer suas qualidades, como a questão da falta de pertencimento do protagonista, tanto no que se refere às suas erranças por conta da fuga de seu país natal, quanto por causa de sua orientação sexual, que a princípio o deixou muito confuso.

HYPNOTIC

A Netflix e outros serviços de streaming vêm fazendo o que pequenas companhias faziam na era das locadoras e, antes disso, na era dos filmes produzidos para a televisão. A maioria desses filmes são pouco confiáveis, mas alguns chamam a atenção por outros motivos, seja pelo elenco (me atraiu a presença de Kate Siegel), seja pelo tema e a trama (no caso, o uso da hipnose me atrai). Este HYPNOTIC (2021), de Matt Angel e Suzanne Coote, lembra bastante os thrillers veiculados no Supercine, com clichês manjados e uma história que tem seus momentos. Na trama, a protagonista tem alguns problemas de ansiedade e visita um psicanalista, que sugere a hipnose. O interessante do filme é perceber como ele lida com questões contemporâneas, relativas a abuso psicológico, a partir de uma trama de suspense e mistério. Às vezes funciona, mas muito por causa da Siegel, que, se não me engano, só tem encontrado bons filmes quando trabalha com o marido, Mike Flanagan.

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