sábado, dezembro 24, 2022

O AMOR DÁ VOLTAS



É interessante como a magia das cartas ainda segue inspirando filmes, mesmo aqueles que se passam num momento como o nosso, em que as respostas para nossas perguntas podem aparecer instantaneamente com mensagens por celular. 

O AMOR DÁ VOLTAS (2019) é, segundo o IMDB, o quinto filme na direção de Marcos Bernstein, um profissional do cinema que tem um longo currículo como roteirista e cujo filme mais famoso nessa função, CENTRAL DO BRASIL (1998), de Walter Salles, é justamente um filme sobre uma mulher que escreve cartas para outras pessoas. No caso de O AMOR DÁ VOLTAS, as cartas são o motivo de uma confusão que poderia muito bem estar em uma comédia americana dos anos 1930, mas que Bernstein procura encontrar desculpas, justificativas para que tenha acontecido no mundo digital.

Na trama, André (Igor Angelkorte) é um jovem médico que passou uma temporada na África e fez o que ele chamou de detox digital. Ou seja, todas as comunicações que fez para a namorada Beta (Juliana Didone) foram através de cartas. Acontece que quem estava respondendo as cartas, sem ele saber, era a irmã de Beta, Dani (Cleo). Assim, quando ele chega ao Brasil e vê que sua namorada já estava casada e com um filho pequeno, fica totalmente desnorteado. Não demora muito para ele saber toda a verdade, até porque Dani está sempre por perto, visitando-o em seu apartamento, convidando-o para festas etc.

Assim, é fácil encontrar aos poucos em Dani o verdadeiro amor, a pessoa que de fato escreveu as melhores e mais belas cartas para ele. Foi ela que manteve acesa a chama da paixão, embora ele demore a perceber que ela de fato está apaixonada por ele. De certa maneira o filme me fez lembrar uma comédia romântica oitentista muito legal chamada ADMIRADORA SECRETA, estrelada pela lindíssima Kelly Preston. A situação era semelhante, assim como é semelhante o fato de as duas moças serem uma loira e uma morena, sendo que a morena é quem de fato se correspondia com o protagonista masculino em ambos os filmes.

O que Bernstein faz para diferenciar seu filme dessa e de outras tantas comédias românticas mais tradicionais do cinema americano é antecipar algumas situações, de modo que o filme quebre as expectativas e assuma novos rumos, como quando, no segundo ato, se transforma num road movie. A desculpa: André não quer novamente entrar num avião e ele e Dani fazem uma longa viagem de carro para contar toda a verdade para Beta. E é nessa viagem juntos que, como é esperado, André passa a se apaixonar por Dani, a vê-la de forma diferente. Nesse sentido, Cleo (antes Cleo Pires) tem um carisma admirável – como a atriz e cantora fez poucos filmes realmente bons, a melhor lembrança que eu tinha dela era de BENJAMIN, de Monique Gardenberg, filme de quase vinte anos atrás. Então, acredito que o mérito é de Cleo, mas também de Bernstein ao vê-la como uma atriz que se sairia bem no papel. Há, inclusive, um momento muito bonito em que ela canta para o amado, numa churrascaria cafona, um trechinho do clássico sertanejo “Pensa em mim”, de Leandro & Leonardo.

No terceiro ato, gosto de como o diretor procura meios para fugir de uma direção televisiva, e até parece beber do cinema europeu, apresentando imagens que enfatizam a situação de gravidade dos três, sem, no entanto, deixar de lado o humor, como quando traz um personagem extra para alívio cômico.

No mais, fiquei impressionado com o fato de O AMOR DÁ VOLTAS ter tido sua primeira exibição pública em 2019, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ou seja, ele deve ter sido finalizado em 2018. E só agora estreia nos cinemas. Tanto é que basta vermos entrevistas com o elenco sobre o filme para promover o lançamento, que percebemos as mudanças físicas por que já passaram o trio de atores. Bom, pelo menos o filme estreou. Acredito que há muitos por aí ainda represados. Ah, e quanto ao título, acho muito apropriado para os novos ventos.

+ DOIS FILMES

PRONTO, FALEI

Uma bela surpresa esta comédia que tem ares até que bem sombrios em seu desenvolvimento. Na trama, um rapaz que trabalha em um jornal tem dificuldade em expressar as verdades para os amigos e até para a namorada. Assim, ele vive uma vida de engolir sapos e fazer o que não gosta com medo de desagradar aos outros. Sua válvula de escape é um caderninho onde ele compõe cartas que viram e-mails para diversas pessoas que ele conhece. Nesses textos, ele pode falar coisas de que não tem coragem de falar. O problema é que ele não envia os e-mails, que ficam guardados na pasta de rascunhos. Até que um dia todos eles são enviados, por algum motivo. O que importa é o quanto isso passa a ameaçar sua rotina de vida, e o quanto passa a revelar a figura de um vilão na trama. Interessante como o filme parece uma espécie de conto de natal (embora não tenha nada que remeta ao natal na trama), por causa da natureza moral de sua história. PRONTO, FALEI (2022), de Michel Tikhomiroff, é um filme que poderia muito bem ter um desfecho pessimista e talvez até fosse mais corajoso nesse sentido, mas que poderia parecer cínico se assim o fosse. Felizmente o diretor prefere optar por um caminho convencional mas feliz, no sentido amplo do termo.

NA RÉDEA CURTA

É um bocado decepcionante ver esta comédia dirigida por uma dupla de diretores que vinha seguindo uma carreira com 100% de aproveitamento. Mas não dá para dizer que eles não se arriscaram, pois cada filme deles é diferente. Ary Rosa e Glenda Nicácio podiam repetir o que fizeram com CAFÉ COM CANELA (2017) e não fizeram isso. Neste quinto trabalho para o cinema, eles aproveitam os personagens de uma websérie e montam uma comédia possivelmente inspirada em MINHA MÃE É UMA PEÇA (há até uma citação a Paulo Gustavo no final). Na trama, o jovem Júnior (Thiago Almasy) se vê preocupado quando sua namorada diz estar grávida. Mesmo sabendo que sua mãe (Sulivã Bispo) não ia gostar nada da notícia, ele conta tudo a ela, e também decide conhecer seu pai biológico. NA RÉDEA CURTA (2022) traz um fiapo de história, e história nem é o que mais importa aqui. Para mim, se as gags funcionassem eu ficaria feliz. Mas sei o quanto fazer comédia é difícil. Ainda mais comédia popular. Salvam-se alguns bons momentos, mas há também o incômodo de uma duração mais longa do que a necessária.

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