terça-feira, dezembro 27, 2022
IRMA VEP
Neste ano fui acometido por sentimentos (ou sensações?) de aflição, impaciência e ansiedade no que se refere às séries e minisséries. Deixei algumas pelo caminho (DEXTER: NEW BLOOD, WHAT IF...?, CAVALEIRO DA LUA, BONECA RUSSA – SEGUNDA TEMPORADA) e tenho outras que devo dar continuidade no ano seguinte (CLUBE DA MEIA-NOITE, DAHMER). O que acontece é que, enquanto eu via o episódio da série, ficava pensando num filme (ou vários filmes possíveis), ficava achando que estava deixando de ver vários filmes.
É um sentimento que tem se apresentado em leituras também. Tenho pilhas de HQs e livros (e até revistas) para ler na minha mesa de trabalho, vários deles emprestados de um amigo querido e paciente, inclusive. Mas acredito que esse meu caos pessoal não fica muito visível para os amigos. Alguns acham que eu vejo filmes demais, mas eu sei o quanto isso é relativo e na verdade eu vejo filmes de menos, se levar em consideração que também fui juntando muita coisa para ver em mídia física, depois que voltei a ser um colecionador assíduo dos boxes de DVDs e BluRays, a partir de 2020, graças ao excelente trabalho da Versátil.
Mas voltemos para as séries e minisséries. IRMA VEP (2022) foi uma minissérie que sofreu com esse meu problema. Comecei a ver assim que começou a ser veiculada, em junho, e só terminei agora, em dezembro. Até revi o filme homônimo de 1996, e com muito prazer, para me aquecer para o retorno de Olivier Assayas a sua personagem e ao universo criado como homenagem à série de cinema OS VAMPIROS (1915), de Louis Feuillade.
Inclusive, na minissérie, Assayas deixa muito mais explícito esse apreço pelo trabalho de Feuillade, até por ter mais tempo para fazê-lo, incluindo várias cenas originais obra cinematográfica, em comparação com as imagens em scope da refilmagem no filme dentro do filme. Ou na série dentro da série, melhor dizendo. Aliás, essa fronteira entre cinema e televisão fica bem borrada neste trabalho de Assayas, e creio que é mesmo intenção dele.
Na trama, Alicia Vikander é Mira Harberg, uma atriz hollywoodiana que aceita o convite de ser a protagonista de “Irma Vep”, uma minissérie dirigida por René Vidal (Vincent Macaigne, sempre simpático e bem-vindo). Mira se sente à vontade, apesar de perceber a diferença que é estar trabalhando em um set francês, em comparação com sua experiência em grandes produções. Sua intenção é se afirmar como atriz, trabalhando com um cineasta cultuado – ainda que também visto como muitos como um cineasta ultrapassado.
Adoro o primeiro episódio, justamente por causa dessa busca por adaptação por parte de Mira, mas também por nos apresentar a alguém tão entusiasmado quanto Vidal. E há personagens coadjuvantes que chamam e muito a atenção. Há uma ex-namorada de Mira que traz um veneninho para esse pequeno momento, ao se revelar uma mulher que brinca sadicamente com o coração de Mira, em uma cena particularmente bastante sensual. A atriz é Adria Arjona (MORBIUS), que infelizmente tem um papel menor do que deveria. Outra atriz de que gostei muito foi Devon Ross (estreante), que faz Regina, a assistente de Mira. Apaixonada pela chefe, ela procura ser o mais profissional possível. Mira, aliás, é adorada e desejada por muitos naquele novo universo. Principalmente por mulheres. Estranhamente são poucos os homens que a procuram.
Mas eu vejo que há um problema nessa materialização de Alicia Vikander em IRMA VEP: ela é boazinha demais, doce demais, para interpretar uma personagem que é “pure evil”. Claro que isso é bom para que simpatizemos com sua personagem – ela é adorável, sem dúvida –, mas chega um momento que essa sua beleza e bondade atrapalham um pouco. Afinal, em determinado momento ela é meio que capturada pela personagem Irma Vep e vai saindo por aí com super-poderes e invadindo espaços privados, chegando até a roubar joias. Ou seja, como ela é muito legal, roubar joias alheias é permitido, ainda mais quando é para se vingar da ex, por exemplo.
E há o personagem de Macaigne, que é um homem que ainda não se desapegou do passado, da saudade que sente da atriz original do filme. Não sei se é verdade, mas a minissérie parece uma tentativa de Assayas de exorcizar a falta que sente de Maggie Cheung, sua companheira na vida e na profissão durante um bom tempo – fizeram, além de IRMA VEP, o belíssimo CLEAN (2004), realizado quando Assayas e Cheung já estavam divorciados. Na minissérie, o fantasma da ex-mulher segue assombrando o cineasta.
IRMA VEP tem uma serenidade que pode ser tanto um trunfo quanto um problema. Eu vejo mais como um problema, pois preferiria sentir as dores dos personagens. E acredito que Assayas não tenha conseguido esse feito (ou eu não tenha entrado em sintonia com sua obra, quem sabe). Outro trunfo da série está nas reflexões que faz sobre as mudanças que vivemos atualmente no modo como as pessoas veem filmes, por exemplo, incluindo cenas de personagens vendo filmes em seus celulares. Como se trata de uma série que valoriza bastante os diálogos, é natural que o diretor use mais uma vez o cinema para refletir sobre as mudanças na sociedade em que vivemos – como acontece em filmes como HORAS DE VERÃO (2008), ACIMA DAS NUVENS (2014) e VIDAS DUPLAS (2018).
No mais, vale destacar a trilha sonora autorreferencial de Thurston Moore (agora separado de sua banda, Sonic Youth) e uma participação especial e carinhosa de uma atriz muito importante para os melhores momentos de Assayas nos anos 2010.
+ DOIS FILMES
BEM-VINDOS A BORDO (Rien à Foutre)
Um filme que funciona melhor quando nos apresenta à rotina de trabalho de comissária de bordo da protagonista (Adèle Exarchopoulos) e um pouco menos quando somos apresentados à sua família, no terceiro ato. Ou seja, a melancolia, por vezes doce, da personagem impregna de maneira agradável o filme, que adota cores frias para combinar com seu estado de espírito e com o trabalho, que exige frieza, adaptabilidade e praticidade por parte dos empregados. Gosto de como BEM-VINDOS A BORDO (2021), de Emmanuel Marre e Julie Lecoustre, usa os quartos de hotel e os espaços apertados da aeronave para acentuar a condição da jovem. Além disso, há a busca por contatos efêmeros nos momentos entre os voos, que enfatizam o forte sentimento de solidão da protagonista. Cena de destaque: quando ela recebe uma chamada para aumentar a qualidade de dados móveis de seu celular.
ARGENTINA, 1985
Difícil não se emocionar ao final de ARGENTINA, 1985 (2022). Difícil não comparar com a história do Brasil, com a palhaçada que foi a nossa anistia, que, além de ser um desrespeito enorme aos familiares das vítimas da ditadura brasileira, acabou ajudando a criar mais fascistas na história recente do país. Santiago Mitre (PAULINA, 2015) utiliza uma estrutura bem semelhante à usada pelo cinema clássico americano para criar um drama de tribunal. É uma estrutura que funciona muito bem e que, muito provavelmente, é a ideal para fazer nascer uma obra que possa ter um alcance suficientemente grande. Porém, acredito que se eu tivesse visto no cinema, teria me emocionado mais, teria me envolvido mais. Em casa, a tentação de pausar algumas vezes é grande e acaba por diminuir o impacto. Grande momento a cena da leitura do texto acusatório por Ricardo Darín. Que grande ator! Aliás, uma coisa que não dá para criticar neste e em tantos outros filmes argentinos é o ótimo trabalho de atuação. E sei que o filme não quis ser exploratório das maldades sofridas pelas vítimas da ditadura militar do país, mas destacar mais exemplos talvez deixasse muito mais plateias (quem sabe até simpatizantes do fascismo) incomodadas. Sendo ou não um grande filme, trata-se de uma obra que merece ser vista por todos.
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