domingo, dezembro 25, 2022

21 CURTAS VISTOS NO 17º FEST ARUANDA



Um dos meus maiores erros quando estive no Fest Aruanda foi não ter me esforçado mais para escrever pequenos textos sobre todos os curtas que vi no festival. Foi tudo muito corrido e não ter um computador decente por perto prejudicou bastante a minha escrita durante o período. Além do mais, como vi todos os curtas das duas mostras (competitiva nacional e de curtas paraibanos), foram muitos os vistos. 21 ao todo. O bom é que, dentro da quantidade, se vê qualidade, e acabei vendo várias pequenas pérolas. Alguns deles, cresceram bastante na memória afetiva e espero que sejam lembrados nas listas de associações de críticos. Escrever sobre eles também está sendo um bom exercício de memória. 

O REBANHO DE QUINCAS

Um homem que mora só, Quincas (Buda Lira, de BACURAU), tem um rebanho de cabras. Ele cuida dos animais, enquanto também cuida dos seus negócios. O REBANHO DE QUINCAS (2022), de Rebeca Sousa, utiliza bem poucos diálogos e parece querer trazer uma sensibilidade quanto à morte dos bichinhos, ainda que seja para alimento do dono da propriedade. Há um cuidado interessante em torno dos sons do espaço rural, como o som dos pássaros, mas principalmente o som das cabras. O momento de mudança do filme acontece perto do final, com um tipo de conscientização maior por parte do protagonista em relação à sua realidade.

CALUNGA MAIOR

Um filme que aposta bastante na força de suas imagens e bem menos em uma história. Como a protagonista é uma jovem que ficou órfã recentemente e pretende se aventurar pela memória e pelo desconhecido de uma ilha, há um clima de mistério presente do início ao fim. CALUNGA MAIOR (2022), de Thiago Costa, é um caso de curta-metragem que seria bastante beneficiado por uma revisão, o que eu vejo como um elogio, já que se percebe um cuidado muito grande com a direção, a fotografia e os diálogos curtos e precisos. Soube que existe uma versão com uma metragem um pouco maior. Essa versão teve a duração diminuída para caber nas regras do festival. 

SAINDO COM ESTRANHOS DA INTERNET

Uma simpatia este SAINDO COM ESTRANHOS DA INTERNET (2022), de Eduardo Wahshaftig, que usa a animação (tradicional, simples e bonita) para enriquecer o registro documental que trata de pessoas contando suas experiências de procurar e encontrar parceiros através de aplicativos como Tinder, Grindr e Blender, mecanismos que mudaram a vida de muita gente, embora hoje em dia se questione o quanto eles não contribuíram para tornar a vida íntima e sentimental ainda mais líquida. Destaque para o ótimo senso de humor de vários dos entrevistados.

TIRO DE MISERICÓRDIA

Este é provavelmente o meu favorito de todos os curtas exibidos no festival. Fiquei encantado com a direção de Augusto Barros, mas também com o modo como ele cria um mistério aliado a uma sexualidade forte e poderosa (adoro quando essa junção de fatores ocorre). Na trama de TIRO DE MISERICÓRDIA (2022, foto), Francisco (Johnny Massaro) acorda na casa de Joana (Isabel Zuaa), na manhã seguinte à primeira noite do casal. Enquanto tenta entender melhor quem é a mulher com quem passou a noite, Francisco vai contando detalhes de sua vida e Joana o escuta com calma. O uso bem pouco vulgar da câmera, o aspecto poderoso e sensual da personagem de Zuaa e a entrega completa do rapaz tornou o filme uma das experiências mais intensamente eróticas que vi em 2022, até por ter um final cruel e misterioso. É certamente um filme que se beneficiará de novas revisões para se perceber detalhes.

CARTA PARA GLAUBER

O escolhido do júri da crítica que muito orgulhosamente participei é este filme "de montagem" que utiliza uma carta de Gustavo Dahl. Acredito que basta deixar a justificativa do júri para CARTA PARA GLAUBER (2022), de Gregory Baltz. “Algo tão 'fora de moda' como uma carta é trazida do passado pelo cinema como uma cápsula do tempo que guarda uma manifestação de afeto, uma síntese histórica do golpe de 1964 e uma crítica cinematográfica. As imagens dos filmes de Gustavo Dahl e Glauber Rocha são a materialização da presença dos amigos cineastas: remetente e destinatário.”

TEKOHA

Os filmes de Carlos Adriano são lindamente enigmáticos e utilizam a montagem para trazer inquietação e ênfase. Dele havia visto O QUE HÁ EM TI (2020) e SEM TÍTULO: RARA (2021) e certamente preciso ver mais coisas dele. TEKOHA (2022) está mais próximo de O QUE HÁ EM TI, no sentido de que é uma obra mais política, dessa vez destacando uma ação violenta ocorrida numa aldeia indígena na Reserva de Dourados, no Mato Grosso do Sul. A partir de um plano de dois minutos e 52 segundos filmado pelo Povo Guarani Kaiowá, Adriano atordoa e faz refletir.

SOCORRO

Outro filme que traz um grito de socorro para mais uma minoria tão massacrada nesse nosso Brasil, SOCORRO (2022), de Susanna Lira, nos apresenta à personagem-título, uma mulher quilombola que busca justiça ao ver sua família ser envenenada por resíduos tóxicos. O filme provoca muita indignação e tem uma força visual impressionante. Da diretora, eu havia visto três belos documentários em longa-metragem, TORRE DAS DONZELAS (2018), MUSSUM – UM FILME DO CACILDIS (2019) e PRAZER EM CONHECER (2020). É, definitivamente, uma diretora que merece bem mais atenção.

A ESPERA

Tive o prazer de conhecer a diretora de A ESPERA (2022), Ana Célia Gomes, no coquetel de abertura do festival. Simpática, constante e presente no Fest Aruanda, aqui ela comparece com seu filme-poema, lido com sua voz e cheio de afeto. O filme enternece aos nos colocar na visão de animaizinhos. Gravado em Sumé, há também uma valorização da cidade-natal da poeta e cineasta, com muitas imagens das paisagens locais. O filme necessita de um espírito receptivo para apreensão desse sentimento que ele traz.



ANJOS CINGIDOS

Animação tradicional e muito bonita que conta a história de uma família do sertão nordestino que tem dificuldade em manter vivas suas crianças, lembrando o tempo em que a mortalidade infantil no sertão era altíssima. ANJOS CINGIDOS (2022, foto), de Laércio Filho e Maria Tereza, também destaca a tradição nordestina de ver as crianças que morrem muito cedo e os natimortos como "anjinhos", além de cutucar a igreja com a questão da criança “pagã” (não batizada).

DÉJÀ VU

Um filme de ficção que apresenta duas situações: a de dois produtores de audiovisual que moram juntos e têm uma relação íntima entre si e de um garotinho que tem simpatia por eles, mas que é proibido pelos pais de ter contato com eles por causa, certamente, da orientação sexual dos rapazes. O momento mais interessante e também mais desconfortável de DÉJÀ VU (2022), de Carlos Mosca, se dá quando o menino se sente incomodado com o som da intimidade dos pais e houve o momento de carinho dos vizinhos.

DESEJO E NECESSIDADE

Um filme que faz um elogio à dança como expressão política. DESEJO E NECESSIDADE (2021), de Milso Roberto, nos apresenta à feira central de Campina Grande e a uma performance de integrantes do balé da cidade, com trilha sonora do Quinteto da Paraíba. Confesso que demorei um pouco a “entrar” no filme e a compreender sua proposta. Acredito que numa revisão gostarei mais.

SANGUE POR SANGUE

Um filme que se passa em apenas uma locação e com apenas três atores. Um deles é o ótimo Tavinho Teixeira, presente em alguns filmes do festival, inclusive em PROPRIEDADE, de Daniel Bandeira. Em SANGUE POR SANGUE (2021), de Ian Abé e Rodolpho de Barros, três homens se encontram em situação de tomada de decisão. Um deles está muito ferido, o outro não quer deixá-lo pelo caminho para morrer e o outro prefere seguir caminho. Uma obra que valoriza tanto a noite quanto esse sentimento contraditório de apego e desapego à vida.

NÃO EXISTE PÔR DO SOL

Olha o Tavinho Teixeira mais uma vez. Em NÃO EXISTE PÔR DO SOL (2022), de Janaína Lacerda, ele é um negacionista que, durante a pandemia, faz confusão num restaurante que só deixa entrar pessoas usando máscaras e faz vídeos sobre a “verdade” sobre a terra plana. O filme tem um senso de humor bem divertido e também nos permite lamentar a situação absurda a que chegamos, como humanidade.

ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO

Outro filme egresso da pandemia, ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO (2022), de Bruna Velden, foi o grande vencedor da mostra de curtas paraibanos. Trata-se de uma animação que apresenta a tristeza que foi o sentimento de se estar em isolamento social em 2020/2021 e que arranja uma linda solução ao trazer a música como elemento de alegria para a sociedade. Além do mais, é uma obra que homenageia de maneira muito bonita os grandes nomes da cultura paraibana.

FILME DE QUARTO

Este é um filme um pouco mais difícil de compreender, mas talvez justamente por isso eu tenha o achado tão envolvente e intrigante. Em FILME DE QUARTO (2021), de Raffaela Rosset, Denise Fraga é uma mulher que está sozinha em seu apartamento assistindo a um vídeo utilizando um projetor. Mais à frente, teremos acesso à essa imagem que ela está vendo e o filme faz um jogo entre as duas imagens: a imagem da própria personagem projetada e a filmada por Rosset. A fotografia adota um estilo de cores de baixa saturação que combina com o sentimento de difícil compreensão que o filme traz. Outro curta que necessita de uma revisão mais atenta, seguida de uma boa reflexão (ou um bom debate).

QUARENTENA

Muito bem cuidado filme de terror que utiliza de maneira exemplar alguns clichês de certos filmes do gênero produzidos nos Estados Unidos e na Europa. QUARENTENA (2021, foto), de Adriel Nizer e Nando Sturmer, já traz em sua primeira imagem uma sensação de horror, já capta um sentimento forte, ao mostrar apenas uma fotografia na parede. A trama se passa durante a quarentena do COVID-19 e mãe e filho descobrem que não estão sozinhos na casa.

RENDEIROS

Um documentário que poderia muito bem ser bastante banal, tematicamente falando, se o sertão nordestino não fosse um local tradicionalmente famoso por seu machismo. Assim, RENDEIROS (2021), de Romero Sousa, deixa perceber o quanto os entrevistados se sentem constrangidos ao falar da profissão de rendeiros, geralmente feita por mulheres. O filme apresenta três gerações que cuidam da chamada renda renascença.

ARATU

Curta curtinho (7 minutos de duração) que mais uma vez nos lembra que nosso rico folclore pode servir de inspiração para a criação de filmes de gênero bem interessantes. Na trama de ARATU (2022), de Firmino de Almeida, uma mãe solteira luta contra uma empreiteira que consegue na justiça expulsá-la de sua casa. Ao mesmo tempo, uma figura do folclore entra em cena. Com uma produção maior e mais dinheiro, seria um filme e tanto.

A PRAÇA DO JOÁS

Eis um curta que certamente será melhor compreendido por quem mora em João Pessoa-PB, já que trata de uma praça popular da cidade. A PRAÇA DE JOÁS (2021), de Gutenberg Pequeno, procura contar, com a ajuda de pessoas que conheceram o amigo e líder comunitário que deu nome à praça, sua história e sua importância. Trata-se de um documentário bem tradicional, mas que tem sua relevância como objeto de resistência.

ELES NÃO VÊM EM PAZ

O menor curta-metragem do festival, ELES NÃO VÊM EM PAZ (2021), de Pedro Oranges e Victor Silva, tem apenas quatro minutinhos. E passa tão rápido que até me confundi com o começo do filme seguinte, achando que se tratava de uma continuação. Confusão de quem já estava um pouco cansado. Aqui, dois irmãos conversam sobre uma matéria a respeito de seres extraterrestres e o mais velho dos dois faz uma analogia sobre seu mundo ser invadido, sobre a própria questão do abuso sofrido pela população negra brasileira frente a certas autoridades.

MERGULHO

Um garoto passa dez anos afastado da família e reaparece na casa, despertando sentimentos conflitantes. MERGULHO (2022), de Marton Olympio e Anderson Jesus, é desses curtas que possuem blocos de cenas muito bem construídos, mas que parecem sofrer com aparentes lacunas temporais ou algum tipo de problema de coesão. Ou seja, eu adoraria ver o mesmo filme transformado em longa, com os mesmos personagens e tendo sua trama melhor desenvolvida e com todas as cenas mostradas presentes, inclusive a última, que no curta me pareceu deslocada.



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