terça-feira, janeiro 18, 2022
CIÚME – O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO (L’Enfer)
Mais uma revisão, desta vez de um filme visto em VHS - CIÚME – O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO (1994) foi exibido nas salas de cinema de Fortaleza em 1995, mas comi mosca. Ainda assim, foi muito marcante tê-lo visto na telinha na época. Além do mais, como a janela de aspecto dele é 1,66, a perda de imagem não foi tão grande assim. Não lembro se foi o meu primeiro Claude Chabrol – muito possivelmente foi, mas isso não chega a ser algo de tanta relevância assim. O que mais me pegou foi o aspecto perturbador da obra, a exploração da mente alucinada de um homem enfurecidamente ciumento.
Para nós, brasileiros, é possível fazer comparação com o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Ambas as obras nos colocam dentro da cabeça de um indivíduo perturbado e doente, mas o Paul do filme de Chabrol é muito mais perturbador e muito mais perigoso. Vê-lo nos dias de hoje talvez seja ainda mais incômodo, pois as máscaras de muitos abusadores caíram nos últimos anos, quando várias mulheres agredidas passaram a denunciar o perigo de seus maridos. Inclusive, eu diria que exibir este filme do Chabrol para uma mulher que está prestes a casar pode fazê-la pensar mais de duas vezes antes de se decidir.
CIÚME – O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO é um filme feito a partir de um projeto inacabado do cineasta Henri Georges-Clouzet chamado "L’Enfer", que contava com Romy Schneider e Serge Reggiani vivendo os papeis que iriam, no filme dos anos 1990, para Emmanuelle Béart e François Cluzet. Reggiani adoeceu no terceiro dia de filmagens e enquanto o cineasta estava com o substituto Jean-Louis Trintignant, sofreu um ataque cardíaco. E apesar de o cineasta não ter morrido naquela ocasião, o filme nunca foi concluído.
Após a morte de Clouzet, sua viúva entregou o roteiro para o produtor Marin Karmitz, que por sua vez endereçou a Chabrol. E foi uma escolha muito acertada. Chabrol sabe usar a linguagem cinematográfica aliada à música, de modo a construir um incômodo crescente, até chegar aquele último ato fantástico.
No começo, fiquei muito irritado com o personagem de Cluzet, e também um pouco irritado com a passividade da personagem de Béart, mas isso faz parte do processo de envolvimento com o filme. Eu ficava me perguntando: "meu Deus, por que essa mulher não vai embora, não cai fora dessa roubada, que é ficar com esse maluco?" Nem se tratava de estar ou não traindo, ter ou não um caso com outro homem.
Talvez, nos anos 1960, a uma mulher traidora fosse mais vilanizada, a ponto de justificar muitos julgamentos em que homens saíram livres de assassinatos, mas vivemos em outros tempos. Pelo menos, quero acreditar. Por isso, não sei se caso o filme fosse feito nos dias de hoje a personagem feminina seria mostrada da mesma maneira ou um pouco menos submissa.
É interessante notar que o cartaz original do filme mostra um homem e uma mulher felizes e recém-casados com o título “Inferno” (“L’enfer”) acima, contrastando – ou enfatizando, para aqueles que acreditam que o casamento é mesmo um inferno na Terra. No cartaz da versão restaurada em 4K, por outro lado, temos a imagem pintada de uma mulher de costas, com sua lingerie fechada com um cadeado. Isso já pode dizer mais do que se pensa do filme hoje, tirando-se um pouco o aspecto dúbio da esposa, de uma imagem de culpa da parte dela.
Na trama, Paul (Cluzet) é um homem rico, dono de um hotel à beira de um lago em uma cidade do interior, que se casa com uma bela e jovem mulher, Nelly (Béart). O casamento começa muito feliz, mas essa felicidade é logo substituída pelo ciúme crescente de Paul, que vê a esposa como uma traidora compulsiva. Agora, é importante perceber que Nelly não é exatamente uma personagem real, mas uma projeção da fantasia de Paul.
Eu gosto do filme em seus dois primeiros terços, mas acho absolutamente genial seu terço final, quando CIÚME ganha uma atmosfera próxima a de um filme de horror ou a um suspense hitchcockiano (inclusive pela trilha sonora). As últimas cenas são impressionantes no quanto exploram a loucura e as alucinações de Paul. O que são as imagens de Béart amarradas na cama, pelo amor de Deus? E como é brilhante a interpretação de Cluzet. É possível que seja seu melhor papel. Pelo menos, dos que pude ver até hoje.
Agradecimentos a Paula pela companhia durante a sessão.
+ DOIS FILMES
@ARTHUR RAMBO - ÓDIO NAS REDES (Arthur Rambo)
O tema me interessa e o filme oferece pano para manga para discussão. Não há dúvida quanto a isso. O problema de @ARTHUR RAMBO - ÓDIO NAS REDES (2021) é o quão raso Laurent Cantet trata a situação, que causa mais irritação (em relação ao protagonista) do que algum tipo de solidariedade de nossa parte. Afinal, passar por uma situação de cancelamento perturba o espírito e passa a impressão de que o mundo está se despedaçando. E o roteiro deste filme até que se esforça um pouco para passar essa impressão de vermos alguém ver todo mundo lhe dando as costas. Talvez haja uma única cena que passe um pouco a complexidade da situação do sujeito, que ganha prestígio com o lançamento de um livro, mas na mesma noite vê tudo desabar por causa de tuítes ofensivos feitos sob um pseudônimo. Trata-se da conversa (boa) com o irmão mais novo. Mas já é meio tarde.
CASA GUCCI (House of Gucci)
Bem que eu queria ter gostado mais de CASA GUCCI (2021). Não sei ainda quais foram as motivações para Ridley Scott contar essa história, mas, ao que parece, ele tem mostrado interesse por histórias reais, como aconteceu com TODO O DINHEIRO DO MUNDO (2017) e o mais recente O ÚLTIMO DUELO (2021). E há também o interesse por situações ocorrendo nos bastidores de um império. No caso de CASA GUCCI, esse império é mostrado de maneira, a princípio, modesta, sendo que o personagem de Al Pacino (Aldo Gucci) é que é o homem que alavanca os negócios da família para o ramo de roupas, acessórios e moda. O que vemos no início é uma família tradicionalmente rica, mas sem muito foco para os negócios. E é curioso ver que a pessoa com mais sangue nos olhos para fazer a coisa acontecer seja alguém de fora, a personagem de Lady Gaga, que se casa com um dos herdeiros, Maurizio Gucci (Adam Driver), para conseguir galgar um caminho mais ambicioso. O problema é que ela não leva as coisas de maneira inteligente, sendo dominada pelo ciúme e rancor, para cometer um ato terrível. Ainda assim, é curioso como se trata do segundo filme seguido de Scott que lida com uma personagem feminina forte dentro de um universo masculino tradicionalmente machista. Demorou para eu me acostumar com o inglês com sotaque italiano adotado. Não sei o quanto isso é necessário nos dias de hoje.
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