sábado, junho 27, 2020

VIVE-SE UMA SÓ VEZ (You Only Live Once)

Todo homem - em seu nascimento - é dotado da nobreza de um rei. Mas a mancha do mundo logo o faz esquecer até o direito de nascimento.
Padre Dolan (em cena de VIVE-SE UMA SÓ VEZ)


Retomo hoje a peregrinação pela obra de Fritz Lang com seu segundo filme realizado nos Estados Unidos. É também sua segunda parceria com a atriz Sylvia Sidney, que combina muito bem com um ar de mulher carinhosa e amável. De fato sua personagem é tudo isso e muito mais. Ela espera o namorado (Henry Fonda) sair de um período de três anos da cadeia. E o filme começa justamente no momento da saída do personagem da prisão, sem aquela cara de alegria. Não foi sua primeira vez na cadeia e ele tem suas razões para acreditar que o mundo lá fora pode não deixar que ele sobreviva como uma pessoa honesta. Esse já era um assunto tratado, ainda que de maneira não tão direta, em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933).

VIVE-SE UMA SÓ VEZ (1937) é uma espécie de mix de Romeu e Julieta com Bonnie & Clyde. Seus heróis, Joan (Sidney) e Eddie (Fonda), estão destinados a um final infeliz, como já podemos prever desde as primeiras cenas do filme. Em determinada cena, o casal está em um de seus momentos mais felizes, recém-casados, em uma hospedagem bonita e bucólica e veem sapos. Eddie diz que quando um sapo morre, o outro morre também: não consegue viver sem o outro. Daí a lembrança de Romeu e Julieta logo nos primeiros momentos.

Herdeiro de uma safra de filmes de preocupação social dos anos 1930, da qual o anterior de Lang, FÚRIA (1936), também faz parte, VIVE-SE UMA SÓ VEZ também é uma espécie de proto-film noir. A atmosfera hostil está no ar. Mas aqui há uma tendência, inclusive pelo uso da música, muito presente, em canalizar para um melodrama, o que não chega a ser um problema, mas que em alguns momentos incomoda um pouco.

O filme também apresenta a sociedade como extremamente cruel. Primeiramente pela incapacidade de lidar com ex-presidiários, o que os deixa à margem e muito mais propensos a voltarem ao mundo do crime. O sistema judiciário é questionado, pela facilidade de levar pessoas inocentes para a prisão. A crueldade se manifesta de maneira mais forte em dois momentos do filme: quando Eddie corta os pulsos deliberadamente às vésperas da execução e é imediatamente levado para fazer uma transfusão de sangue para estar apto a ir para a cadeira elétrica (isso é muito cruel!); e na cena da expectativa dos editores dos jornais, que já têm guardadas três opções de primeira página no dia do julgamento, de acordo com o resultado, mas com uma espécie de torcida pela infelicidade do homem.

O filme possui umas elipses curiosas. Quando corta para a cena em que Eddie já está na véspera de ir para a cadeira elétrica, fiquei com a impressão de que aquilo tudo tinha sido resolvido da noite para o dia, quando na verdade são cinco meses. Ainda assim, um espaço de tempo curto. Não sei o quanto era condizente com o que de fato ocorria. O mesmo ocorre com o nascimento do bebê. Não deixa de ser um tipo de montagem mais moderna. Não sei se já era comum na época.

+ TRÊS FILMES

JOVEM MULHER (Jeune Femme)

Que baita filme esse, hein! Do início ao fim, respira e passa uma vitalidade impressionante. Que atriz que é essa jovem Laetitia Dosch. É mais um exemplar de um grande filme dirigido por uma mulher que pudemos ver no brilhante ano de 2017 de nosso Senhor. JOVEM MULHER nos pega pelo braço e não nos deixa desinteressados. Ao contrário: o desfecho é lindo. Direção: Léonor Serraille. Ano: 2017.

VICTORIA E ABDUL - O CONFIDENTE DA RAINHA (Victoria & Abdul)

O que houve com Stephen Frears? De toda maneira, este VICTORIA E ABDUL não deixa de ser um filme bem simpático e divertido, e que ajuda a enriquecer mais um momento da vida da Rainha Victoria nos cinemas. Os protagonistas estão ótimos e o outro ator que faz o segundo indiano é hilário. Ano: 2017.

NÃO SE PREOCUPE, ESTOU BEM (Je Vais Bien, Ne T'En Fais Pas)

Acho que nem sabia quem era Phillippe Lioret (o diretor), mas foi só ver o cartaz e as fotos da Mélanie Laurent no MKO que quis logo ver este filme.. E é um belíssimo filme sobre amor de irmã. E um bocado doloroso também. E que bom ver a Mélanie assim novinha, antes de fazer BASTARDOS INGLÓRIOS. E quanta força ela imprime na tela. Maravilhosa. Ano: 2006.

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