quinta-feira, junho 11, 2020

A ASSISTENTE (The Assistant)

Em tempos de isolamento social, filmes que lidam com situações de isolamento dentro de circunstâncias normais, por assim dizer, também são bem-vindos, como elementos de identificação e empatia. É o caso de A ASSISTENTE (2019), primeira experiência na ficção da então diretora australiana de documentários Kitty Green. Como seu filme é um trabalho claramente feminista e de denúncia do clima de machismo e agressividade masculina a jovens mulheres em ambiente de trabalho, é bom destacar que Green é militante na causa, sendo que um de seus documentários, UKRAINE IS NOT A BROTHEL (2013), foca no movimento ucraniano feminista Femen.

Por mais que o movimento #MeToo esteja forte e popular, o que vemos em A ASSISTENTE (cuja ação se passa antes do movimento, é verdade) é um sentimento de certo ceticismo em relação aos resultados dessas lutas. Há, claramente, um tom de melancolia que perpassa tanto as cores um tanto frias da fotografia, quanto as expressões no rosto de Julia Garner, no papel de Jane, funcionária de uma produtora cinematográfica sediada em Nova York, que sofre assédios morais e escárnios por parte de seus colegas de trabalho, por mais que tudo isso possa ser encarado de maneira até sutil.

Como Jane tem enorme dificuldade de verbalizar as coisas que lhe incomodam, inclusive para seus familiares, com quem conversa às vezes por telefone, o momento que ela resolve contar a um executivo da empresa sobre algo que ela acredita estar muito errado na relação chefe e subordinado lhe demanda muito esforço. E poder acompanhar a frustração e a resposta que ela recebe é muito duro também, já que isso acontece após uma boa metragem do filme, quando já estamos próximos da personagem e de seu ambiente de trabalho.

Diferente de um filme como O ESCÂNDALO, de Jay Roach, que claramente lida de maneira menos sofisticada e apontando o bom e o mau, A ASSISTENTE é uma obra que trabalha essas questões de maneira mais complexa. Green, em entrevista à revista britânica Sight & Sound, afirmou que não se trata apenas de se livrar de homens como Harvey Weinstein. O problema é estrutural, para usar uma palavra que está na moda. Ela também disse que "todos nós temos o dever de examinar o que deu errado e por quê".

E o filme não trata apenas dessa questão, embora ela seja parte fundamental, mas do quanto Jane se torna alguém totalmente dedicada ao seu trabalho, sendo a primeira a chegar e a última a sair, se encarregando de responder as ligações mais complicadas e recebendo bronca tanto de patrão quanto de mulher de patrão, esquece o aniversário de seu pai por causa do trabalho, e seus colegas não são nada simpáticos a ela, o que acentua sua solidão. Tanto que uma das poucas cenas externas do filme é quase que um choro contido sendo mais ou menos desencarcerado. É, de certa forma, um filme de horror, mas um horror real, da vida cotidiana.

+ TRÊS FILMES

MINHA VIDA EM MARTE

Filme divertidíssimo. Desses de rir do começo ao fim. Timing ótimo da diretora, do Paulo Gustavo, da Mônica Martelli. Um feito e tanto isso, levando em consideração que o plot é muito simples. Mas o roteiro é muito bom e as situações são muito bem boladas. Tem cara de ser o grande hit brasileiro do ano. Direção: Susana Garcia. Ano: 2018.

UM DIA (Egy Nap)

Aqui não é filme para sentir prazer. É para incomodar mesmo. Câmera na mão, uma rotina de vida infernal na vida de uma mulher comum, que cuida de três filhos pequenos e um marido traidor. Aprendi a admirar ainda mais as mães e as pessoas que cuidam de seus filhos de maneira que quase se veem obrigados a esquecerem de si mesmos, de suas próprias vidas. Direção: Zsófia Szilágyi. Ano: 2018.

MINHA FILHA (Figlia Mia)

O nome de Alba Rohrwacher (no elenco) faz todo sentido neste filme que também usa muita câmera na mão e um cenário fora das grandes cidades, como em AS MARAVILHAS, filme de sua irmã, Alice Rohrwacher. Neste aqui temos uma tocante história sobre maternidade. Direção: Laura Bispuri. Ano: 2018.

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