terça-feira, junho 02, 2020

PRA FRENTE BRASIL

No dia 7 de maio deste ano pudemos testemunhar uma das coisas mais tenebrosas que estes tempos obscurantistas foram capazes de produzir: a entrevista para a CNN Brasil da então secretária de cultura do governo Regina Duarte, que, além de ter desdenhado de nossos artistas, inclusive os que morreram recentemente, ainda cantou a canção-tema da época da Copa do Mundo de 1970, quando a seleção brasileira conseguiu o seu tricampeonato enquanto nos porões da ditadura pessoas eram brutalmente torturadas e tidas como desaparecidas.

É triste viver em um cenário que parece tão ou ainda mais terrível para a cultura, já que, na época da ditadura, a cultura brasileira, inclusive o cinema, viveram momentos férteis, apesar da censura. Agora, os atuais governantes procuram impedir a criação de novos filmes, fechando, politicamente, as portas para auxílio estatal para novos projetos.

Na época da realização de PRA FRENTE BRASIL (1983), o diretor Roberto Farias só conseguiu que este filme passasse pela censura graças a seu excelente trabalho à frente da Embrafilme, de 1974 a 1979. Assim, ele conseguiu prestígio frente aos militares. Além do mais, para que seu filme fosse aprovado, ele dizia em entrevistas que não se tratava de uma obra radical. Ajudou também o fato de que estávamos vivendo em um momento de abertura e expectativa para a redemocratização. De todo modo, é triste ver que o filme só conseguiu retratar os bastidores do Brasil de 1970 apenas 12-13 anos depois.

No filme, Reginaldo Farias é um homem que não tem qualquer vínculo com a política que é confundido com um militante de esquerda (Cláudio Marzo) e levado para confessar o que não fez e sofrer no pau-de-arara. Enquanto isso, sua família, o irmão vivido por Antônio Fagundes e sua mulher vivida por Natália do Vale, tentam procurar, desesperadamente, pelo homem desaparecido. Destaque para uma Elizabeth Savala linda e poderosa no papel de uma guerrilheira de esquerda que namora o personagem de Fagundes. Há uma cena de grande tensão envolvendo sua personagem.

É também um filme cheio de tristeza, que traz catarse, mas também traz uma sensação de impotência terrível. Para os dias de hoje, é importante perceber que o personagem de Faria era um homem apolítico que, mesmo assim, foi alvo da crueldade do sistema político autoritário vigente. Ou seja, há uma mensagem de que ser isento pode ser tão ruim quanto ser a favor do fascismo. É uma mensagem que se torna muito atual nos dias de hoje, especialmente após as eleições de 2018, que trouxeram a vitória de Jair Bolsonaro.

Antes de encerrar, há informações importantes que peguei da crítica escrita por Andrea Ormond para seu livro Ensaios de Cinema Brasileiro - Os Anos 1980 e 1990: Carlos Zara quase recusou o papel de torturador pelo fato de seu irmão ter sido preso e torturado em 1969. Imaginem o quanto deve ter sido doloroso para o ator fazer esse papel. Há outra informação muito curiosa, que envolve Celso Amorim, que na época era presidente da Embrafilme. Depois que o filme foi aprovado e liberado, Amorim, que seria futuramente ministro do governo Lula, foi afastado do cargo. E a Embrafilme começou uma curva de decadência que culminou com o seu fim, durante o governo Collor.

+ TRÊS FILMES

HOMEM LIVRE

Fiquei sem saber qual é a intenção do filme. Se é apenas para ser um suspense psicológico sobre um homem em busca de paz depois de ter cometido um crime e cumprido pena de 12 anos. Se for apenas isso, não há problema nenhum. O problema é que no final o filme não sabe dar uma conclusão satisfatória para sua trama e acaba se mostrando raso. Ainda assim, gosto bastante do personagem do pastor, vivido por Flávio Bauraqui. Direção: Alvaro Furloni. Ano: 2017.

CHACRINHA - O VELHO GUERREIRO

È um filme redondo e que diverte bastante, mas que deixa ao fim uma sensação de que é uma daquelas cinebiografias convencionais demais. Valeu por me apresentar a eventos que eu desconhecia totalmente, mas isso é algo que eu teria conseguido em outra fonte. De todo modo, é um trabalho que entretém e que acabou por se tornar uma minissérie na Rede Globo, como vem acontecendo com todas as cinebiografias feitas com ajuda da Globo Filmes. Direção: Andrucha Waddington. Ano: 2018.

O PROCESSO

Foi uma sessão histórica no Cineteatro São Luiz a deste tenso documentário sobre o processo de impeachment da Presidente Dilma. Passar por tudo de novo não é fácil, mas a edição faz valer a pena. Só a cena da Janaína Paschoal seguida da fala inspirada do José Eduardo Cardoso, aquilo ali é de lavar a alma. Ver tudo em perspectiva, ainda que com um tempo pequeno de distanciamento, tornou o golpe muito mais claro até para muitos que diziam que não era golpe. O filme escolhe seus personagens mais importantes, como Gleise, Cardoso e Lindbergh, mais até do que a Presidente. É um filme que dói ver, mas que é dos mais importantes da resistência dos últimos anos. Direção: Maria Augusta Ramos. Ano: 2018.

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