Na época que FARGO (1996), o filme dos irmãos Coen, foi nomeado ao Oscar, a produção acabou perdendo para O PACIENTE INGLÊS, no que é mais uma das presepadas da Academia. Mas isso não tem muita importância, pois prêmio é o que não falta para este que é um dos trabalhos mais incensados dos célebres irmãos cineastas especialistas em humor negro e crime.
O que não se podia esperar é que, nessa nova onda de transformar filmes em séries de televisão, FARGO (2014) se destacasse tanto e fosse vista até mesmo bem mais brilhante e genial que o longa-metragem que o inspirou. Pra falar a verdade, nem lembro mais do longa e nem está entre os trabalhos dos Coen que eu mais aprecio – pelo que a memória afetiva e falha consta. Talvez até esteja na hora de rever, depois de quase 20 anos.
Mas nos concentremos na série (ou minissérie). Basta uma olhada no piloto para ficar impressionado com a qualidade da produção, com o modo como nos deixa tão estupefatos com a sucessão de mortes em tom de comédia de erros de humor negro, e no quanto Billy Bob Thornton está sensacional como o assassino Lorne Malvo. Sua chegada a uma pequena cidade do Minesota para executar um trabalho se estende, pois ele acredita que pode fazer justiça a um homem que sofre agressão e bullying de um valentão da cidade.
A situação até lembra a de PACTO SINISTRO, de Alfred Hitchcock, já que o tal pequeno homem agredido (Martin Freeman) não deseja que seu desafeto seja assassinado. Mas o que fazer quando o destino prega essas peças? E o que fazer quando você não aguenta mais uma esposa que só te diminui em detrimento de outros e te humilha? Claro que matar não seria a resposta ideal, mas, com o acúmulo de frustrações, é isso que acontece. E as mortes não param por aí, causando uma série de efeitos-surpresa no espectador.
Martin Freeman, como o vendedor de apólices de seguro Lester Nygaard, é um personagem muito interessante. A princípio parece apenas um homem inseguro que comete um crime porque perdeu a cabeça, mas depois vemos o quanto ele é também inteligente, sabendo arquitetar bons planos, de modo que não seja preso ou assassinado. Lester é o personagem mais complexo da série, embora Freeman não seja exatamente um ator versátil. Seu jeito desajeitado no começo do filme até lembra seu papel na trilogia O HOBBIT.
No quesito interpretação, não podemos deixar de mencionar Allison Tolman, como a inteligente policial que tem suas teorias e sua vontade de investigar a fundo o caso das mortes sempre abortadas pelo chefe de polícia burro e ingênuo. Allison é provavelmente a maior revelação entre as intérpretes femininas do ano, além de compor uma personagem adorável. O policial da outra cidade, interpretado por Colin Hanks, fica apagado perto dela, embora o romance dos dois seja muito bonito de ver e há um episódio que destaca esse relacionamento que até contrasta um pouco com os demais, todos tão carregados de mortes.
FARGO é mais uma dessas novas séries que primam pela qualidade no texto, na dramaturgia, na fotografia e outros aspectos técnicos, na falta de pressa em contar uma história. O interessante é que se descobriu que esse tipo de show não aborrece as audiências. Andamentos rápidos e ganchos fortes não são mais garantia de se prender um bom público, e sim esse tipo de qualidade, o que já se confirmou em dramas como FAMÍLIA SOPRANO e A SETE PALMOS, mas que agora também estão presentes em comédias como GIRLS, em séries que misturam fantasia, violência e política, como GAME OF THRONES, e em séries baseadas em crimes, como TRUE DETECTIVE e FARGO, para terminar citando justamente as duas melhores estreias do ano na televisão.
Uma boa notícia é que FARGO foi renovada para uma segunda temporada, que se passará nos anos 1970, contando eventos da juventude do personagem de Keith Carradine, de quando ele era policial estadual. E falando em policial, há dois detetives do FBI que lembram bastante TWIN PEAKS, como se o criador e roteirista de todos os episódios, Noah Hawley, quisesse fazer uma espécie de homenagem à revolucionária série de David Lynch e Mark Frost.
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