terça-feira, novembro 27, 2007
HONKYTONK MAN
E finalmente consegui ver HONKYTONK MAN (1982), tão famoso entre os cinéfilos mais antenados, dentro da filmografia de Clint Eastwood. E uma coisa que eu mais notei foi a semelhança desse filme com o meu favorito do diretor, UM MUNDO PERFEITO (1993). Ambos mostram crianças aprendendo a lidar com a vida, seguindo os passos de um homem rebelde, um sujeito um pouco avesso às convenções sociais. Não que o cantor de música country interpretado pelo próprio Clint Eastwood seja um crimonoso como o protagonista do filme de 93, mas alguém um pouco mais moralista obviamente não o consideraria um modelo ideal de figura paterna para a formação de uma criança. Roubar galinhas, beber muito e resistir a um tratamento médico de tuberculose crônica não é bem um exemplo a se seguir, alguns diriam. Mesmo assim, o sobrinho do honkytonk man Red Stoval, interpretado por um dos filhos de Clint, Kyle Eastwood, tem um respeito e uma fascinação por esse homem que se recusa a seguir às tradições e a permanecer em seu lugar de origem, como os seus pais, para alcançar o sonho de vencer o Gran’Ole Opry, um concurso de música country de Nashville. O garoto também não quer passar o resto da vida recolhendo algodão numa fazenda empoeirada e decadente em Oklahoma e vê a chance de seguir o tio como uma oportunidade de ouro. A estória se passa nos anos 30, durante a Grande Depressão e isso acentua o clima de melancolia que perpassa toda a obra.
O gosto do diretor por personagens rebeldes e uma mórbida atração pela tragédia humana está presente de maneira forte em HONKYTONK MAN, tornando o filme, talvez, o mais arquetípico e sintetizador de toda sua obra. Além do exemplo do supracitado UM MUNDO PERFEITO, lembremos também dos velhos astronautas de COWBOYS DO ESPAÇO (2000) e dos militares japoneses do recente CARTAS DE IWO JIMA (2006). Se a vida é curta, principalmente para quem está com os pulmões corroídos pela tuberculose e mal consegue cantar uma canção inteira sem tossir sangue, ela é para ser aproveitada ao máximo. Vendo a cena de Clint se esforçando para cantar e deixar o seu legado em disco, não pude deixar de me lembrar de Renato Russo gravando o seu disco testamento, "A Tempestade", também em condições físicas e emocionais extremamente delicadas.
Quanto à comparação com o cinema de John Ford, HONKYTONK MAN estaria mais próximo dos filmes que Ford fez sobre a Grande Depressão, no início dos anos 40, como VINHAS DA IRA, COMO ERA VERDE O MEU VALE e CAMINHO ÁSPERO. Mas uma coisa que não pode deixar de ser mencionada em relação a HONKYTONK MAN é a música e o seu poder de - assim como o cinema, a literatura e as artes em geral - de representar o espírito da época e de eternizar os sentimentos e pensamentos de quem compõe ou canta. No caso da música do filme, em particular, ela fala de amores perdidos, ou deixa nas entrelinhas, pelo menos, depois que ficamos sabendo, ainda que de maneira superficial, da mulher que Red Stovall amou no passado, na cena em que seu sobrinho lhe pergunta se ele um dia já foi casado. E por mais que essa melancolia esteja presente em praticamente o filme inteiro, até mesmo nas seqüências que se pretendem cômicas, como no roubar galinhas ou em ser perseguido por um touro, o filme mal nos dá tempo para chorar. E esse é o jeito rústico e fordiano de ser de Clint Eastwood em toda a sua glória.
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