quarta-feira, janeiro 03, 2024

O CAMINHO DA TENTAÇÃO / CAMINHO DA TENTAÇÃO (Pitfall)



Comecemos nossos trabalhos para o blog neste ano novo. O filme escolhido por mim como meu primeiro de 2024 foi pela curta duração e o resultado acabou sendo surpreendente. O CAMINHO DA TENTAÇÃO (1948) me agradou tanto que já foi colocado na minha lista de noirs favoritos. Fui checar se o filme estava no 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer. Não estava. Também André De Toth não está no livro O Cinema Americano dos Anos Cinquenta, de Olivier-René Veillon. Isso me deixou ainda mais surpreso, já que De Toth teve seu auge justamente nessa década. Seria o fato de que os trabalhos do cineasta não são tão fáceis de se estudar como autor? Ou não é nada disso? 

Os demais filmes que havia visto do realizador são bem diferentes entre si e foram apreciador em momentos bem espaçados: o terror MUSEU DE CERA (1953), o noir CIDADE TENEBROSA (1953), que eu vi por motivos de Martin Scorsese (ele o destacou em seu documentário UMA VIAGEM PESSOAL ATRAVÉS DO CINEMA AMERICANO) e o western QUADRILHA MALDITA (1959), que eu vi por motivos de Quentin Tarantino, por ocasião do lançamento de OS OITO ODIADOS. Ou seja, não dei o devido valor ainda ao cinema de De Toth, diretor que Scorsese gostava de chamar de “contrabandista”, ou seja, ele importava ideias incomuns para dentro do cinema clássico hollywoodiano.

De Toth é um cineasta húngaro que começou a fazer filmes em seu país a partir de fins dos anos 1930. Fez cinco filmes por lá, creditado como Tóth Endre) e partiu para Hollywood, dando início a um período de cinco décadas de realizações com PASSAPORTE PARA SUEZ (1943). Quando realizou O CAMINHO DA TENTAÇÃO já estava bem estabelecido e filmando com grandes estrelas dentro do sistema de estúdios da época e do clima soturno predominante. Em O CAMINHO DA TENTAÇÃO, há muito do que geralmente vemos nos exemplares desse ciclo: as armas, as sombras, a femme fatale (embora Lizabeth Scott seja bem boazinha aqui), a tentação para o homem casado, o medo e o perigo com relação à família, o personagem ardiloso e tenebroso.

E falando em Lizabeth Scott, não faz muito tempo que a vi em LÁGRIMAS TARDIAS, de Byron Haskin, realizado um ano após o filme de De Toth. No noir de Haskin, ela se apresenta com uma atuação insana e muito mais detentora do rótulo “femme fatale”. No filme de De Toth ela é um símbolo do desejo de um homem de família que logo no começo da narrativa deixa claro, inclusive para a própria esposa, que está um pouco cansado da rotina “casa-trabalho-casa”. Uma marca que o próprio roteiro deixa para que o espectador seja convencido de que uma aventura poderia cair bem. Por outro lado, a família de comercial de margarina que ele tem não deixa de ser adorável.

Fiquei pensando no quanto O CAMINHO DA TENTAÇÃO é representativo desse embate interior do homem comum americano: ao mesmo tempo que ele se vê apaixonado pela mulher atraente que acaba de conhecer, não quer perder a família ideal que construiu com muito esforço e dedicação. Se bem que hoje é fácil compreender que o homem daquele tempo estava entediado justamente por causa da estrutura familiar que ele próprio criou. E a figura da femme fatale surge como uma forma de culpar a mulher (e não o homem) pelos danos que ela causa à instituição familiar.

Mas De Toth quebra essa tendência ao mostrar uma Lizabeth Scott muito doce e que faz questão de não se envolver mais com o protagonista logo que descobre que ele é casado. Dick Powell está ótimo como esse homem comum, Jane Wyatt está adorável como a esposa carinhosa e Raymond Burr está odioso e assustador como o grande vilão. Cada manobra dele para atacar o herói da história é de arrepiar, seja a surra que ele lhe dá em plena garagem, seja o plano de envolver o ex-presidiário e causar um possível assassinato, numa das cenas mais tensas que eu vi nos últimos anos.

Outro ponto muito positivo está no o roteiro, que é simples, mas cada palavra que sai da boca dos personagens é como lâmina afiada. Não à toa eles só falam o necessário. Há momentos de muito medo e suspense e outros de angústia e gratidão. Sem falar na atmosfera de sonho que o filme parece carregar, tanto em cenas solares (Powell passeando de barco com Scott), quanto em cenas noturnas (Powell se dirigindo a pé para a delegacia). E aquele final não exatamente feliz, nem exatamente triste, é de deixar a gente com um nó na garganta.

Filme visto no box Filme Noir Vol. 6

+ DOIS FILMES

NATAL DIABÓLICO (Christmas Evil / You Better Watch Out)

Meu filme escolhido para celebrar a data comemorativa foi este NATAL DIABÓLICO (1980), de Lewis Jackson, bem menos famoso que NATAL SANGRENTO, de Charles E. Sellier Jr., para citar outro slasher com um Papai Noel psicopata. Este aqui eu até achei mais interessante, pois é um filme feito pouco antes do ano da grande febre dos slashers. Ou seja, ele tem uma preocupação menor com a contagem de corpos e procura enfatizar a psicologia do personagem quando adulto e trabalhando numa loja de brinquedos. O prólogo é muito interessante e mostra o pai de uma das crianças vestido de Papai Noel e entrando pela chaminé para deixar os presentes das crianças. O trauma que acontece logo a seguir é o garoto ver o Papai Noel fazendo sexo oral em sua mãe. Outro motivo de esse filme ser um corpo estranho dentro do subgênero é que só nos 50 minutos de narrativa é que o personagem inicia sua matança. É possível compreender que o filme não seja tão querido assim pelos fãs do gênero, mas também é possível compreender por que se tornou cultuado com o tempo, já que há algumas cenas muito boas dentro de um todo irregular. Gosto muito da cena inspirada em M – O VAMPIRO DE DUSSELDORF e da cena da entrada dele na casa de um desafeto do trabalho. O protagonista tem suas próprias noções de certo e errado e possui livros dedicados aos bons meninos e meninas e também aos maus. Ou seja, não deixa de antecipar também uma tradição forte dos slashers: a do senso de moralidade deturbada. Filme visto no box Slashers XV.

A ILHA DAS ALMAS SELVAGENS (Island of Lost Souls)

Esta primeira adaptação para o cinema de A Ilha do Dr. Moureau (1896), de H. G. Wells, é sensacional. Até hoje segue impressionando, com seu grau de perversidade e horror. Há também um pouco de lascívia, já que, entre as criaturas do Dr. Moureau, vivido com brilhantismo por Charles Laughton, está uma mulher que será usada como objeto de desejo (e experimento) para o visitante da ilha, o náufrago vivido por Richard Arlen. A ILHA DAS ALMAS SELVAGENS (1932), de Erle C. Kenton, é curtinho (tem apenas 70 min), passa voando, e a atmosfera da selva e das criaturas faz parte da graça. A Paramount aproveitou a popularidade que o gênero horror estava ganhando naquele momento pós-depressão, especialmente a Universal, para também capitalizar numa obra que hoje não é tão popular quanto deveria. Filme visto no box Obras-Primas do Terror 6.

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