“Now that it’s more difficult to speak, I want to tell my story more than ever.”
(Val Kilmer)
Ver o documentário VAL (2021), dirigido por Ting Poo e Leo Scott, me fez pensar sobre o que perdemos ou podemos perder na vida. Perder a voz não é tão triste quanto perder a visão ou a audição ou algum membro, superior ou inferior, mas certamente é um baque para uma pessoa que construiu sua carreira com o rosto, o corpo e a voz. Val Kilmer passou por uma traqueostomia recentemente, parte da luta contra um câncer de garganta iniciada em 2017.
Como não estava sabendo das condições físicas do ator, fiquei bastante comovido com seu momento atual, mas também com toda a história de vida que ele, muito sensivelmente, resolve contar, aproveitando que sempre teve por hábito, desde a infância, filmar coisas de sua vida, com diferentes tipos de tecnologia acessíveis – há muitos registros em VHS, por exemplo.
Assim, há desde momentos com seu irmão pequeno Wes, a decadência do pai (aliás, como este é um filme sobre decadência triste de figuras masculinas, hein!), os primeiros filmes, o evento THE DOORS, a vez em que ele foi o Batman, sua oportunidade de ter um contato com Marlon Brando em um filme cheio de confusões nos bastidores etc. Mas o tanto que o filme nos aproxima da vida pessoal de Kilmer é também uma maneira de mostrar o carinho dele pelos filhos, sua fragilidade emocional nos momentos difíceis, como a morte de um ente querido, frustrações no meio do show business e situações mais recentes de cortar o coração.
Minha aproximação com os filmes estrelados por Val Kilmer começou provavelmente com a comédia TOP SECRET – SUPERCONFIDENCIAL (1984), uma estreia no cinema já como protagonista. Em seguida, houve o sucesso de TOP GUN – ASES INDOMÁVEIS (1986), em que ele contracenou com Tom Cruise e até hoje é conhecido pelo apelido de “Iceman”. Hoje, na decadência, inclusive, quando sai em turnê para promover filmes do passado e assinar cartazes, muitos o chamam por esse apelido.
O documentário conta também uma história bonita em que ele conhece aquela que seria sua esposa, uma atriz de teatro inglesa chamada Joanne Whalley, que o destino tratou de uni-los nas filmagens da fantasia WILLOW – NA TERRA DA MAGIA (1988). O documentário tratará de mostrar o início, o casamento e a situação atual da relação entre Val e Joanne. Algumas imagens são bem comoventes.
Mas foi com THE DOORS (1991), que comecei a admirar o ator. Até porque ele passa por uma transformação fantástica ao incorporar Jim Morrison. Vi no cinema e foi uma das experiências mais intensas que já tive na telona. E que me transformou em fã da banda também. Antes de viver o vocalista, ele já havia tentado, com muito esforço, trabalhar com grandes diretores, como Martin Scorsese (em OS BONS COMPANHEIROS) e Stanley Kubrick (em NASCIDO PARA MATAR). Seu esforço para viver Jim Morrison, porém, valeu a pena, embora tenha afetado seu casamento, já que ele personificou o personagem por cerca de um ano, inclusive dentro de sua casa, o que não agradava muito a esposa.
Val Kilmer não faria outro personagem tão marcante em sua vida. Ficou frustrado com o fato de mal poder se mover naquela “armadura” de BATMAN ETERNAMENTE (1995) e recusou repetir o papel na continuação. Muitos ficaram admirados. Afinal, quem é que recusa o papel de Batman em Hollywood? Em vez disso, ele teve prazer em fazer FOGO CONTRA FOGO (1995) no mesmo ano, com bem mais liberdade, mesmo sendo um filme de grande porte – feito por um grande autor e com dois grandes astros à frente.
Há também o caso envolvendo as complicadas filmagens do desastre que foi A ILHA DO DR. MOREAU (1996), em que ele só trabalhou praticamente para ter a oportunidade de contracenar com Marlon Brando. Já os demais filmes, são citados muito rapidamente. É como se o restante da filmografia de Kilmer fosse pouco importante. Talvez sejam. Dos filmes posteriores que ele fez, eu destacaria VÍCIO FRENÉTICO (2009), de Werner Herzog, e PALO ALTO (2012), de Gia Coppola, mas em ambos ele é coadjuvante.
Nos anos 2000 em diante, momento em que o cinema passou a ter um valor menor em detrimento da vida privada de Kilmer, o documentário também tende a se aproximar mais das situações do cotidiano, das crises no casamento, da relação com os filhos, das questões financeiras etc.
Um detalhe importante de VAL é que é um documentário que não lida muito com o aspecto mais problemático da personalidade do ator, e alguns vêem isso como uma falha. Porém, como me emocionei bastante com o filme, narrado por Jack, seu filho, que usa escritos de Val, para ser a voz do ator, não senti falta de nenhum mea culpa do astro em sua trajetória profissional ou pessoal. Afinal, todos somos falhos.
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