terça-feira, janeiro 19, 2010
VÍCIO FRENÉTICO (The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans)
Sei que o ideal seria encarar VÍCIO FRENÉTICO (2009), de Werner Herzog, como uma obra isolada e não um remake (ou uma reinvenção) da obra-prima de 1992 de Abel Ferrara. Mas isso é um pouco difícil: a vontade de comparar vai estar sempre presente e praticamente não há nenhuma crítica sobre o filme de Herzog que pelo menos não cite a obra de Ferrara. Parece inevitável. Uma vez já citado o nome do Ferrara, cuja obra foi uma das mais brilhantes do cinema americano nos anos 90, podemos partir para enxergar o filme de Herzog isoladamente. O que permaneceu do original foi a figura do policial que pratica maldades, usa vários tipos de drogas, gosta de apostar em jogos e se mete com a máfia. Tudo o mais é diferente. Até o registro é outro. Em vez de uma tragédia pesada sobre alguém que quer purgar os seus pecados da maneira mais estranha que se possa imaginar, temos uma comédia de humor negro com alguns sequências instigantes.
Não vou negar que me decepcionei um pouquinho. Talvez estivesse esperando muito, já que me deliciei muito mais com O SOBREVIVENTE (2006), mas estou satisfeito com este novo caminho que Herzog está trilhando no cinema de ficção americano, depois de tantos anos dedicados aos documentários. A primeira imagem que vemos de VÍCIO FRENÉTICO é a de uma cobra verde trafegando dentro de uma prisão inundada pelo furacão Katrina - referência a COBRA VERDE (1987), do próprio cineasta? Tanto Nicolas Cage quanto Val Kilmer interpretam dois policiais perversos que parecem não ligar para a vida de um prisioneiro que se encontra perto de ser submergido pela água. Contrariando as expectativas, o policial interpretado por Cage pula dentro da água e salva o rapaz. O resultado de sua boa ação é um dano irreversível em sua coluna. Ele sentirá dores constantes e precisará tomar analgésicos prescritos talvez pelo resto da vida.
Há também a figura de uma namorada, no caso a prostituta vivida por Eva Mendes. Ela é também viciada em drogas e é ele quem consegue as drogas para ela. Não parece ser um relacionamento de puro interesse. Há um sentimento de carinho e respeito pelo outro de ambas as partes. O que até diminui o impacto da figura do "mau policial" do título. Mas Herzog é sacana: transforma momentos de ternura em situações quase cômicas ou surreais, como na cena que mostra Cage dando para Mendes uma colher enferrujada de presente. Aquilo me lembrou o David Lynch de VELUDO AZUL. Inclusive, na música, no tom, na forma como os intérpretes olham para o objeto.
O fato de vermos Cage sempre torto por causa do problema na coluna e com cara de que está sentindo muita dor também é uma maneira de nos solidarizarmos com sua situação e de rirmos de cenas como aquela em que ele aborda um casal de namorados, prestes a fazer sexo num estacionamento escuro. Cage, por mais limitado que seja, tem talvez nesse personagem o melhor de sua carreira, ao lado do sujeito com TOC de OS VIGARISTAS, de Ridley Scott.
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