Primeiro dos sete longas (por enquanto) de Paul Thomas Anderson, um dos mais celebrados cineastas surgidos nos anos 1990, mas também um cineasta, às vezes, de difícil penetração - não é todo filme dele que me ganha fácil, por exemplo. Mas não dá para negar que seus filmes não sejam todos, de uma forma ou de outra, impressionantes, cada um a sua maneira. E o interessante é que ele lida com universos muito distintos. Não é o tipo de cineasta que gosta de repetir mundos.
Foi muito bom rever JOGADA DE RISCO (1996), seu longa de estreia, visto pela primeira vez em VHS não lembro quando. E na época não curti muito. Creio que saiu em home video depois do sucesso de BOOGIE NIGHTS - PRAZER SEM LIMITES (1997), se não me engano. Mas também não tenho certeza. Rever agora traz uma série de pontos positivos, como o fato de ver em uma cópia 1080p encontrada por aí, respeitando a janela scope. Com certeza é um filme que perdeu muito com a mutilação das chamadas "telas cheias" que eram o padrão nos lançamentos em VHS.
Ao contrário do que acontece com muitos cineastas talentosos estreantes, JOGADA DE RISCO não é um filme cheio de amostras de genialidade técnica e narrativa. É uma obra mais discreta e por isso mesmo pode ser melhor apreciada hoje do que foi na época de seu lançamento. Hoje podemos traçar paralelos com o cineasta mítico que Paul Thomas Anderson se tornou, inclusive com o excelente trabalho com os atores.
Aqui já chama a atenção o fato de ele trazer à frente um ator já maduro. Philip Baker Hall já tinha 65 anos quando interpretou Sydney, este enigmático homem que faz uma boa ação, ao tirar da miséria um rapaz que estava sem dinheiro até mesmo para pagar o enterro do pai e via como uma possibilidade de conseguir algum dinheiro tentando a sorte em Las Vegas. E como ajuda de estranhos é algo fácil de desconfiar, esse rapaz, John, vivido por John C. Reilly, demora a acreditar, mas aos poucos vê que as dicas de se ganhar dinheiro no cassino, com apenas 50 dólares (depois 150), foram o início de uma amizade que se formaria a partir dali. Um tipo de amizade que se parece muito com a relação entre pai e filho.
Completando o trio principal, temos Gwyneth Paltrow fazendo uma atendente de bar que ganha uns extras com prostituição e que se envolve afetivamente com John. A personagem de Gwyneth tem uma doçura e uma vulnerabilidade adoráveis. As cenas em que ela conversa com Sydney são magníficas. Aliás, Philip Baker Hall talvez nunca mais tenha tido um trabalho tão bom em sua carreira - falo isso sem conhecer sua carreira inteira, mas esta estreia de PTA foi um presente e tanto para o ator.
Sydney tem uma classe, uma elegância, passa uma segurança e uma autoconfiança e também uma sabedoria que ele soube ganhar com a maturidade, que talvez só pudemos comprar, como espectadores, por não acompanhar as suas falhas anteriores, que só seriam reveladas no último ato, em conversa também antológica e cheia de silêncios com o personagem de Samuel L. Jackson, o quarto elemento da trama. Ou seja, talvez tivéssemos um julgamento distinto dele se víssemos o que ele fizera antes. Como não é o caso, suas falhas são aceitáveis, perdoáveis e humanas, principalmente se comparadas com a de uma pessoa que está fazendo uma chantagem.
Assim, JOGADA DE RISCO é também um filme sobre culpa e redenção, algo que veríamos em MAGNÓLIA (1999). E há também uma espécie de crítica ao capitalismo americano, ao modo de ganhar a vida através de jogos. Porém, diferente de um tipo muito mais intenso de cobiça, como o visto em SANGUE NEGRO (2007), aqui temos algo muito mais mesquinho. Pra que cena mais triste do que a dos 300 dólares? Fazer uma grande besteira na vida por causa de 300 dólares. Aliás, baita cena, que revela também uma das melhores atuações de Gwyneth Paltrow.
Quanto a Paul Thomas Anderson, creio que preciso rever toda sua obra. É um cineasta por quem eu tenho um respeito imenso, mas que me parece, muitas vezes, um mistério. Falta a mim estudar mais sua obra e ver seus filmes com mais atenção.
+ DOIS FILMES (CURTOS)
ZÉZERO
Desconcertante este filme. Um exemplar de cinema feito com a intenção de se aproximar da precariedade do seu tema, que são pessoas que vivem em situação de extrema miséria, saindo da condição de pedinte para a de trabalhador de construção, assinando com o dedo para ganhar os seus trocados, sobreviver. Mas a sofisticação do cineasta é tanta que ele usa essa falta de recursos a seu favor. Os próprios créditos são escritos em papéis rasgados. E há aquele caráter também de revolta imenso, de mandar tomar no cu, com todas as letras e com um close no final. Há sexo agressivo, brutal, o homem em busca da satisfação física. Há uso de som de maneira muito própria. E é curioso como a meia hora passa rápido, curioso como um filme de natureza assim experimental nos ganha tão rapidamente. Recomendo que leiam a excelente crítica de Sérgio Alpendre para o livro Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais. Excelente! Direção: Ozualdo R. Candeias. Ano: 1974.
MEOW!
Animação realizada nos tempos em que fazer animação no Brasil era uma trabalheira dos diabos, este filme se tornou um clássico, tanto pela boa técnica empregada (chegou até a ganhar prêmio em Cannes!), quanto pela crítica política da colonização americana no Brasil, que chega a fazer até mesmo um gato trocar o seu leite pela Coca-Cola através de uma espécie de lavagem cerebral. O filme é simples e nos leva a rir diversas vezes. As expressões do felino são sensacionais. Direção: Marcos Magalhães. Ano: 1981.
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